Receba por email.
Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.
Marcio L. F. Nascimento
Publicado em 13 de agosto de 2020 às 15:00
- Atualizado há um ano
Tal questionamento sobre como bebês vêm ao mundo pode causar desconforto e apreensão a pais e responsáveis. Esta pergunta, recorrente entre crianças, tem diversas respostas. Uma das mais interessantes envolve cegonhas brancas (Ciconia ciconia) trazendo bebês no bico de um lençol para alegria de papais e mamães. O que poucos sabem é que tal questão apresenta profundo cunho matemático.
O mito das cegonhas existe há muito tempo. No Egito antigo, a alma era geralmente simbolizada por uma cegonha. Já na Grécia as cegonhas eram sagradas por causa de Hera, a deusa protetora das gestantes e lactantes. A fábula de que cegonhas trazem bebês parece ter se originado no norte da Europa há alguns séculos, e foi imortalizada no conto As Cegonhas (Storkene, de 1839) do escritor e poeta dinamarquês Hans Christian Andersen (1805 - 1875).
Cegonhas são pássaros migratórios que costumam cruzar a Europa em grandes levas. Ao se acasalarem, em geral buscam lugares protegidos e quentinhos, como telhados e chaminés de residências. Casas grandes podem representar famílias enormes, e qualquer um poderia concluir sobre a possibilidade de associação entre famílias, cegonhas e bebês. Dito de outra maneira, qualquer pessoa poderia fazer estimativas de quantas crianças nasceram em uma família apenas contando os ninhos ou mesmo o número de cegonhas no telhado de casas do norte europeu.
O engenheiro civil dinamarquês Lars Christian Pallesen (n. 1947) fez um levantamento do número de cegonhas e nascimento de bebês na cidade alemã de Oldenburg entre os anos 1930 e 1936. Repassou estes dados enquanto efetuava seus estudos de mestrado e doutorado em estatística na Universidade de Wisconsin-Madison na década de 1970. O resultado foi publicado no conhecido livro Statistics for Experimenters (algo como Estatística para Investigadores) dos estatísticos George Edward Pelham Box (1919 - 2013, britânico), John Stuart Hunter (n. 1923, americano) e William Gordon Hunter (1937 - 1986, americano) em 1978. Todos trabalhavam e/ou lecionavam naquela universidade. O que há de curioso nos dados é que realmente foi observado um aumento no número de cegonhas no mesmo período em que a população aumentou.
Em termos estatísticos, pode-se apenas afirmar que existe uma correlação positiva entre o número de cegonhas e a população da cidade de Oldenburg. A população aumentou devido ao nascimento de bebês ano a ano, ao mesmo tempo que coincidentemente cresceu o número de cegonhas. No entanto, esta associação não prova que um tenha causado o outro. Ainda assim, boa parte das teorias de conspiração, argumentos negacionistas e notícias fraudulentas (fake news) são embasadas em falácias que envolvem correlações espúrias. Uma associação entre dois fatores não prova que um tenha causado o outro. Dito de outro modo, não é porque apenas existam coincidências que se pode provar algo.
Nem sempre é fácil identificar falhas nas suposições de causalidade, principalmente quando parece fazer muito sentido ou ainda quando agrada um preceito popular. Meras coincidências podem ocorrer, como no caso de cegonhas e bebês, pois não é possível supor que o aumento no número de cegonhas causou o aumento de uma população. Neste caso particular, a correlação entre cegonhas e bebês ocorre simplesmente porque cada um destes fatores está associado a um terceiro fator: o tempo, que de acordo com o músico, produtor, arranjador, escritor e poeta brasileiro Caetano Emanuel Viana Teles Veloso (n. 1942), é um “compositor de destinos”.
Marcio Luis Ferreira Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA
Opiniões e conceitos expressos nos artigos são de responsabilidade dos autores