Foliões relembram ‘micos’ por causa da bebedeira no Carnaval: 'Saí escorregando no Morro do Gato'

Histórias envolvem quedas, perda de memória e muito beijo na boca

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  • Esther Morais

Publicado em 14 de fevereiro de 2024 às 05:20

Caixas térmicas ficam no entorno do circuito com bebidas para os foliões
Caixas térmicas ficam no entorno do circuito com bebidas para os foliões Crédito: Esther Morais

A folia é o momento de extravasar, mas muita gente leva isso ao pé da letra quando o assunto é bebida alcoólica. Se um dia já é o suficiente pra beber até cair, a sequência de quase uma semana de folia - sem contar o pré-Carnaval - já fez folião sair rolando no Morro do Gato, beijar desconhecido e pode até terminar em casamento. 

Como diz o ditado, “quando a cachaça não mata, ela humilha”. Foi o que já aconteceu várias vezes com o chefe de cozinha Dudu Pastel, de 42. Ele conta que já vem há mais de 10 anos de Brasília para o Carnaval de Salvador e, a cada vinda, acumula mais uma vergonha por causa da bebida. Neste ano, ele chegou a esquecer em que bloco estava e, quando foi comprar gelo, esqueceu o pedido e voltou com duas caixas de bebida.

“Em todo trio eu tô bebendo. Na quinta eu fiquei muito doido, metade do bloco já não lembrava mais nada, na sexta a mesma coisa”, lembra. “Outra vez eu tava bêbado demais, fui subir pra fazer xixi, tropecei e saí escorregando no Morro do Gato, saí todo rasgado, ainda tentaram me assaltar e eu fingi que tava possuído com demônio, sai gritando e correndo pelo circuito”, conta rindo.

Os amigos vão na mesma onda. Eles começam o circuito com o kit completo pra bebedeira: dois sacos grandes de gelo, uma pilha de copos e muita cerveja.

Grupo tem kit completo para Carnaval
Grupo tem kit completo para Carnaval Crédito: Esther Morais

O fim do circuito, em Ondina, é um “camarote de ver gente passando vergonha”, segundo alguns ambulantes, que pediram para não ser identificados. É quando os foliões que saíram do Farol já chegam totalmente embriagados durante a madrugada. Os vendedores contam que na manhã desta terça (13) viram um casal tentando pegar carro por aplicativo e tudo dando errado.

“A menina estava tão bêbada que, quando o amigo soltou ela em pé, ela caiu, e quando levantou, começou a vomitar. O Uber já tinha chegado e preferiu cancelar a viagem. Ninguém queria aceitar. Tiveram que ir pro ponto de ônibus”, narra. “Ainda teve outro que fez xixi na perna de uma mulher na rua. Disse que confundiu com um poste. Mas deu briga depois”, comenta.

Beber e se apaixonar

Mas, se a bebida no Carnaval dá uma boa história pra rir, pode dar também em casamento. É o caso do casal de turistas Renato Miranda, 55, e Débora Gurgel, 42. Eles contam que se conheceram em um cruzeiro de Carnaval com destino para Salvador, na primeira noite, já bêbados, confundiram os copos e não se desgrudaram mais.

“Foi em 2009, depois disso sempre vamos para Salvador durante a festa. Curtir Bell no Farol, revigora nossa energia. Faz muito bem pra nós”, diz o homem, com uma Stanley na mão. “Começamos nossa história bêbados mas agora ficamos juntos embriagados ou sóbrios”, brinca a mulher.

Casal se conheceu em briga por bebida
Casal se conheceu em briga por bebida Crédito: Esther Morais

Já para o jovem mineiro Fernando Lapa, de 25 anos, quando a bebida desce, a vontade de beijar na boca sobe. Ele conta que saiu neste Carnaval com uma placa de “Open Kiss” (beijo livre, em tradução livre) e o objetivo era sair distribuindo beijos. “Teve um casal, um deles já bêbado vejo me beijar, o outro não gostou, brigou com ele e veio me beijar também”, diz rindo.

A ambulante Stephanie Pereira, de 19 anos, começou a vender bebidas neste Carnaval e diz que vê algumas cenas na rua que nem ela mesma acredita no que está vendo. “O que mais tem é gente bêbada no Carnaval, gente doida, principalmente de madrugada. O povo fica se beijando no meio da rua, fica seminu, teve uma mulher que saiu com os bicos [dos seios] pra fora, teve briga de gente bêbada”, conta.

Ela vende no fim do circuito e diz que esse é o ponto em que os foliões já chegam caindo. “O povo vem bebendo desde a Barra e chega aqui já mal, se arrastando caindo por cima dos outros. Três isopor de ambulantes já quebraram aqui porque tem homem que fica se jogando em cima. Desequilibrados. Eu só fico olhando”, relembra rindo.

Atendimentos

Só entre quinta-feira (8) e sábado (10), três primeiros dias oficiais da folia, a Secretaria Municipal da Saúde de Salvador (SMS) contabilizou 157 casos de intoxicação alcoólica.

Segundo o médico, Luiz Gonzalo, que atende no módulo de saúde do Farol da Barra, perto do circuito, as ocorrências de problemas por conta do álcool aumentaram em relação ao mesmo período nos anos anteriores. Em geral os sintomas dos pacientes são: a própria embriaguez, tontura e mal-estar.

Para o tratamento, ele alerta para o uso de glicose. “Tenho visto protocolos errados e o pessoal já vem aqui na unidade procurando isso. É um mito achar que tomar glicose vai melhorar. Pode ter efeitos negativos, como complicação metabólica e hiperglicemia”, afirma.

O procedimento adequado é se hidratar e descansar. A depender do caso, o tratamento pode ser feito em casa ou no próprio módulo. Quanto aos sintomas, os foliões podem buscar o módulo para ter a indicação da medicação que vai tratar melhor o quadro. Em situação de enjoo, por exemplo, o médico recomenda o uso do remédio Dramin.

Foi o caso o jovem Marcelo Nunes, de 28 anos, que procurou a unidade sozinho após passar mal no circuito. Ele conta que participou de todos os dias de Carnaval, desde a quinta-feira (8), e bebeu todos os dias. "Estou com ânsia de vômito e tontura. Depois daqui vou dar uma controlada na bebida", afirma. 

A médica do Samu, Adielma Nizarala, ainda chama atenção para a necessidade de prevenção, ao invés de chegar à necessidade de tratamento. Se alimentar, dormir adequadamente, ingerir bastante liquido, beber moderadamente e evitar bebidas com alto teor alcoólico são algumas dicas.

"[Vale] ficar atento à questão do copo que está sendo usado para beber. A gente conhece muitos casos em que [o objeto] foi abandonado e retomado depois, [daí] pode já ter associado a outros tipos de drogas que possam causar maiores danos", explica.   

Uso de drogas

Apesar do uso do álcool ser o mais popular, o médico Luiz Gonzalo chama atenção para a quantidade de foliões atendidos devido a ocorrências com substâncias entorpecentes, como ecstasy e cocaína.

“Muitos meninos usam diariamente e nas festas porque é menos calórico”, aponta. “Teve um paciente jovem, de 25 anos, que veio com dor no peito, desconforto. A gente avaliou e achamos que ele teve um infarto. Ele não estava acreditando no que estava acontecendo. Mas não é tão incomum pela quantidade que estamos vendo agora”, conta.

Os sintomas do uso de drogas são diferentes dos de alcool, enquanto a bebida deixa a pessoa mais lenta, as substâncias químicas deixam o usuário mais agitado. Euforia, ânimo exacerbado e êxtase são algumas das características.

No módulo, o procedimento é primeiro fazer uma avaliação clínica para saber a droga que o folião está usando, assim como os sintomas, se está com pupila dilatada, taquicardia ou, como no caso do jovem, infarto.

A reportagem solicitou os dados atualizados de atendimento de ocorrências por uso de e álcool e drogas para a SMS, mas não recebeu os números até o fechamento desta matéria.

O Correio Folia tem apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador.