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Da Redação
Publicado em 15 de julho de 2018 às 07:37
- Atualizado há um ano
O homem, um dia célebre e amado pelo povo, emerge da tumba em pleno sol de meio-dia, e vai – por que não? Não gosta muito de sair – e sai pouco. A bem da verdade, gosta e não gosta de sair.
Gegê gosta de sair porque sempre adorou assustar pessoas. Na infância se escondia por trás de portas e gritava ‘buu’ para familiares e visitantes incautos. O pai o espancava em vão: pegou gosto pela coisa e assustou mil e uma gentes vida afora. [Nessas saídas eventuais do túmulo ‘voa’ para o Rio de Janeiro, a cidade que mais ama].
Gegê não gosta de sair porque, vaidoso feito toda a espécie deletéria à qual pertenceu, não consegue mais ser visualizado pelos olhos do povo – pois, como sabemos, fantasmas são invisíveis – e ele adorava, e ainda adora, ser visto, ouvido, amassado, beijado e ‘puxassaqueado’. – Fazer o quê? – pergunta-se Gegê em intermináveis circunlóquios não-dias e não-noites adentro. E ora decide, com entusiasmo: - Homessa! Ainda mais é meu aniversário. Vou sair por aí.
Incorpóreo, não sente calor ou frio. Mas vê, ouve e fareja bem. Também emana odores. Às vezes de peixe podre. Às vezes de mistura de almíscar com jasmim. [Numtánemaí: - Ninguém vê que o cheiro sai de dentro de mim]. Decide então flanar pelo Aterro do Flamengo, lugar que Gegê considera o mais lindo da terra. Claro, o Aterro hoje em dia está coalhado de ladrões de bicicletas e de pessoas correndo em disparada ou marchando a passos largos – e Gegê se irrita: - Para que tanta pressa se vão todos morrer feito eu?
[Ao pensar assim, Gegê puxa a brasa para a sardinha dele. Fora sempre sedentário, agora mais do que nunca, e, baixote, tinha proeminente pança que nem as cintas feitas por encomenda conseguiam conter].
Já sem o peso que teve em vida – os fantasmas não pesam e nem ocupam lugar no espaço –, Gegê quase flutua no ar nesta manhã de aniversário. Duas gêmeas loiras, absolutamente idênticas inclusive na roupa que vestem, chamam-lhe a atenção. Pega galho de árvore solto à margem da pista e sapeca nas pernas das meninas que fogem assustadas e intrigadas, mas risonhas. [Gegê gargalha].
Prega outras tantas peças ‘gagaístas’, e, de repente, se configura a poucos metros dele, cena de assalto. Garoto branquelo de não mais de 15 anos embosca mulher que não vê nada ao redor a não ser o visor do ‘esmartefone’. Pequeno dilema político-ideológico sacode Gegê: - Pai do povo que fui, e sou, a qual lado devo aderir?
Pensa rápido, dá empurrão vigoroso na mulher que não vê nada ao redor a não ser o visor de ‘esmartefone’, e ela se estatela no chão. O ladrão de bicicleta aproveita o incidente, arranca-lhe o celular da mão e mais correntinha de ouro que carregava no pescoço, monta de novo na bicicleta, e foge em disparada.
Gegê, alegre feito nos tempos que assustava as pessoas quando criança, grita em alto e bom som, mas ninguém o ouve – é um fantasma, cazzo: - Corra, proletário, corra! [Enquanto isso, a mulher assaltada se levanta, põe as mãos nas cadeiras, e proclama: - Por Zeus! Além de ser roubada, esse cheiro de peixe podre que não me sai do nariz! Eca!].