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Você lava as mãos?

Você vai rir junto da piada que só é engraçada para algumas pessoas da empresa ou vai parar a violência? Essa resposta diz mais sobre você que mil palavras

  • M
  • Mariana Paiva

Publicado em 21 de julho de 2024 às 14:32

Nas empresas, nas casas, nas escolas, só tem culpa pela violência quem age? Ou também quem abre espaço pra que ela passe e siga ocupando os dias? A gente sabe a resposta, tanto é que a justiça tem pena pra quem é cúmplice, porque sabe que só compactua com violência quem é violento também.

Nesses tempos de tantas palestras sobre ciência da felicidade, é curioso observar como se caminha a passos largos para o abismo. Falamos tanto que todo mundo tem de acordar às 4h30 pra fazer o WOD ("treino do dia", em linguagem de crossfit) ou correr 20 km na orla, mas esquecemos das violências cotidianas nos espaços de trabalho. Contra elas, vou dizer, nem toneladas de whey protein podem. Mas a gente entende, é tentar segurar no corpo a barra, pra alma não enlouquecer.

Quem prefere se calar diante das violências aceita o preço de deixá-las seguindo no tempo, no espaço e na vida das pessoas. Num certo neoliberalismo das relações, preferem que elas mesmas se regulem, sem interferir. Mas a gente sabe que, na real mesmo, Darwin segue funcionando muito bem nas empresas: quem for mais forte vai engolir quem for mais fraco. Traduzindo, quem estiver acima na hierarquia vai se sobrepor, com sua violência, a quem estiver embaixo.

Até que. Até que as pessoas não suportem mais e peçam pra sair. Não é essa cena de Tropa de Elite que tanta gente gosta de imitar, brincando? Capitão Nascimento berrando um "02, pede pra sair!” ou algo que o valha. É engraçado pra quem que trabalho tenha virado de repente uma prova de resistência, quando devia ser apenas um meio digno de pagar as contas?

É que tem tanta gente levando o mal costume de casa pro trabalho! Gente que nunca dividiu um brinquedo com um amiguinho na infância, gente que não aprendeu a cobrar resultado com respeito, gente que não gosta de gente ocupando cargo de liderança. O dedo de marcar de todo mundo coçando muito nessa hora.

E depois da violência as desculpas: "Ah, mas eu aprendi assim". E quem foi que não? Todo mundo cresceu num mundo tenebroso, em que a gente cantava que atirava o pau no gato e chamava a pessoa pela característica física mais evidente. Não foi só o Alecrim Dourado não. Só que algumas pessoas buscaram sua melhora, como diria minha vó. E outras não: ficaram estacionadas nos anos 1990, esperando a próxima eleição pra tio do pavê.

É um esforço melhorar, e tem que ser todo dia. E é mais do que apontar o dedo na cara de alguém, mas é não deixar que as violências se perpetuem, ainda que não seja você a pessoa que começou. Tá doendo em alguém? Pronto, você decide: você vai rir junto da piada que só é engraçada para algumas pessoas da empresa ou parar a violência? Essa resposta diz mais sobre você que mil palavras.

A parte ruim é que é difícil, porque envolve algumas perdas. Você se converte automaticamente na pessoa certinha do rolê (mesmo que não seja), mas considerando a amostragem do mundo, não é mau negócio não. Podem não lhe chamar pra uns chopes, e sua orelha pode coçar quando tiver reunião em que você não estiver. Por isso recomendo sempre amizades verdadeiras na vida, que aí você nem liga pra isso. A parte boa é que se não deu pra fazer até agora, daqui a pouco você tem uma oportunidade nova, e pode de novo.

E nem precisa contar a ninguém daquela hora covarde em que você se calou quando devia ter falado, daquela vez que se envergonhou por não ter parado uma violência contra alguém que só estava ali para fazer seu trabalho. Pode não ter sido você que começou, mas se não ajudou a parar, contribuiu pra continuar.

Pois então, agora mesmo você pode não tapar os ouvidos com sua conivência, e fazer como naquela música de Ivan Lins, que diz que "Só não lavei as mãos e é por isso que eu me sinto cada vez mais limpo". Porque lavar as mãos diante de uma violência é abrir mais espaço pra ela acontecer.

Mariana Paiva é escritora, jornalista, idealizadora da Awá Cultura e Gente, head de Diversidade, Equidade & Inclusão do RS Advogados, e doutora em Teoria e História Literária na Unicamp