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Laura Fernades
Publicado em 13 de maio de 2021 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Basta um clique. Mais de 160 expressões culturais baianas estão disponíveis na internet, de graça, para quem quiser. Em um movimento inédito, uma verdadeira “biblioteca” virtual está sendo criada a partir da Lei Aldir Blanc e seu número expressivo de projetos dedicados à preservação da memória. São imagens, músicas, textos e outros documentos que contam a história, no ambiente digital, de figuras importantes para a Bahia e o Brasil.>
As fotografias de Mario Cravo Neto (1947-2009), que ganhará um site no dia 30 de junho, e o Zumvi – Arquivo Afro Fotográfico, que lançará seu site nesta quinta-feira (13), são dois exemplos. A faceta literária do multiartista Walter Smetak (1913-1984), o Balé Folclórico da Bahia, o Bando de Teatro Olodum, o acervo cinematográfico de Walter da Silveira (1915-1970), a dança de Negrizu e o Acervo da Laje também estão entre as produções contempladas (veja a lista no final). Manifestação contra genocídio no Afoxé Kori-Efan em 2019 (Foto: Lázaro Roberto/Divulgação) “A grande surpresa da Lei Aldir Blanc foi a quantidade de projetos envolvendo memória das artes de um modo geral. A gente tem uma ideia ultrapassada que a memória tem que estar presente em um livro, mas ela migrou para as redes”, destaca Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM). Segundo o gestor, é preciso “entender que a rede é um grande depositário de memórias". "Esse foi um dos grandes pontos da lei”, elogia.>
Artista que musicou um dos textos do projeto Poéticas de Smetak, Tuzé de Abreu, 73, comemora o movimento inédito de preservação do patrimônio cultural e diz que "a internet cada vez mais é uma imensa biblioteca". "Smetak não poderia estar de fora. Ele só virou Smetak aqui na Bahia e aqui se transformou nesse multiartista improvável e imenso", destaca, sobre o mestre suíço Walter Smetak.>
Movimento negro À frente do Zumvi – Arquivo Afro Fotográfico há 30 anos, o fotógrafo Lázaro Roberto, 63 anos, se dedica a documentar pautas relevantes para o movimento negro: as festas populares, o movimento quilombola, os moradores de rua, as questões das mulheres e dos LGBTQIA+. Sem verba para criar o site com todas as imagens clicadas nos últimos anos – pelo menos 30 mil negativos – Lázaro documentava tudo no envelope de fotos.>
Há dez anos, conseguiu comprar um scanner e começou a organizar essas imagens. Mas a digitalização do acervo começou de fato há cinco anos e só agora com a Lei Aldir Blanc foi possível organizar o site com o material dedicado à cultura afro-baiana.“O povo negro basicamente não tem memória, é mais oral. Toda nossa memória foi praticamente apagada na História”, lamenta.O lançamento do site será acompanhado pela Exposição Virtual: Memórias de Resistências Negras, composta por 55 fotografias reunidas em oito eixos temáticos que incluem o movimento de resistência e de denúncia das caminhadas, a visita de Nelson Mandela à Bahia e os protestos em relação aos 100 anos da Abolição da Escravatura. Um catálogo virtual também será lançado e ficará disponível para o público baixar, imprimir, projetar em aula ou acessar pelo celular.>
No segundo semestre será dado início ao processo de digitalização total do acervo para, no futuro, ser lançado gratuitamente na plataforma. “Eu criei o Zumvi porque via essa falta de fotógrafas e fotógrafos negros na minha trajetória”, revela Lázaro. Artista plástica e curadora da exposição, Tina Melo, 35, destaca que há uma carência de registro de momentos importantes para a luta negra.>
“Guardar essa memória é essencial para a gente contar nossa história, criar nossa própria narrativa, e não deixar que ela seja contada”, enaltece. Com isso, Tina defende que está “enegrecendo esses espaços físicos e virtuais”, “pensando principalmente na galera jovem que está antenada com o digital”. “Minha geração não teve muita referência negra para seguir. Isso nos dá outra noção de autoestima”, acredita.>
Democratizar Outro destaque da Lei Aldir Blanc é a digitalização das fotos de Mario Cravo Neto e a criação do site com parte desse acervo para consulta gratuita. Nessa primeira etapa, serão disponibilizadas 299 reproduções das obras originais, 537 fotos digitalizadas diretamente do negativo e três filmes de Mario Cravo Neto. O lançamento no dia 30 de junho terá um bate-papo virtual com o fotógrafo Christian Cravo, 46, diretor do Instituto Mario Cravo Neto. Imagem feita por Mario Cravo Neto em Nova York, no ano de 1969 (Foto: Acervo Instituto Mario Cravo Neto/Divulgação) “Com quatro dígitos e um ‘enter’ eu consigo te apresentar toda a produção da década de 1960, por exemplo”, explica Christian, sobre o acervo do pai Mario Cravo Neto. Quem tiver interesse na pesquisa aprofundada poderá solicitar, através do site, o PDF ou a cópia do material que necessita. A digitalização em altíssima resolução é importante, em sua opinião, para garantir a preservação dos originais.>
“Não adianta falar em democratizar sem antes garantir que esse acervo seja digitalizado da forma correta. Tudo o que é orgânico tem uma vida finita e na conservação de todo material, quanto menos se toca, manipula, melhor”, justifica.Ao mesmo tempo, Christian destaca que nada substitui a experiência real e compara a um namoro remoto: “Nunca vai substituir o cheiro, a pele, a sensação de calor de estar na frente do outro”.A experiência visceral e física do museu é insubstituível, em sua opinião, mas “os museus precisam, sim, se atualizar” e além do acesso físico, “precisam ter uma estrutura que permita o acesso virtual que tem que ser contabilizado como visita”. O acesso remoto não só facilita a vida dos pesquisadores, que representam o principal público do instituto, como convidam as pessoas em geral a conhecerem sua própria história.>
“A Bahia teve um conjunto de artistas que foram muito importantes para nossa compreensão cultural, todos estão falecidos. Onde está o acervo deles? Com exceção de Pierre Verger, Carybé não tem nada on-line, Jenner Augusto, Mario Cravo Júnior... É importantíssimo digitalizar o acervo e colocá-lo on-line. Como esses artistas serão lembrados e pesquisados?”, provoca. Memorial traz ensaio fotográfico inédito de Negrizu feito por Shai Andrade (Foto: Shai Andrade/Divulgação) Gestores apontam desafios para preservação>
O grande desafio gerado pela Lei Aldir Blanc é a organização do processo de preservação da memória para que “tudo isso não se perca e vire só resultado de edital”, defende Fernando Guerreiro, presidente da Fundação Gregório de Mattos (FGM), instituição ligada à prefeitura. “O segundo passo é transformar isso em algo organizado e deixar disponível, criar uma plataforma com esse material acessível”, sugere.>
O mapeamento da capoeira e o levantamento da memória da Casa do Benin estão em destaque entre os projetos contemplados pelo edital da FGM e “o teatro nunca esteve tão em voga a partir desses projetos”. “Essa memória também está sendo organizada”, elogia Guerreiro, citando projetos aprovados pelo estado.>
Diretora geral da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), Renata Dias sinaliza que a política das artes no sistema de cultura tem a memória como elo estruturante e “a gente não pode prescindir de pensar a memória no desenho da política pública”, afirma. E quando aquela é disponibilizada no meio virtual, se abre “uma janela com gerações mais novas que estão desconectadas daquele conteúdo”.>
“As artes falam de um tempo, expressam um pensamento. Quando a gente acessa o que a sociedade pensava em determinada época, a gente consegue entender o nosso próprio tempo histórico. É a historicidade que nos dá a capacidade de compreender o presente e para onde queremos ir”, ressalta a diretora da Funceb.“Saber da memória para o legado civilizatório e humano é importante para compreender o presente”, arremata.Os materiais que estão sendo produzidos nesse campo se avolumaram com a pandemia e a Lei Aldir Blanc, reitera o historiador Clissio Santana, coordenador dos acervos virtuais baianos da Fundação Pedro Calmon. O principal desafio, em sua opinião, é saber “como tornar esse conteúdo perene sem dizer mais respeito à pandemia”. >
“Fomos forçados, de forma trágica, a usar essas ferramentas e isso alertou para a preservação em formato digital. A pandemia vai passar com fé, mas esse legado de cultura virtual é perene e não tem mais volta”, diz, taxativo. “Houve um estalo de como a memória é importante: o que a gente preserva para as gerações futuras? Esse medo do desaparecimento gerou um ponto positivo que é a valorização do passado”, conclui.>
Destaques da Lei Aldir Blanc>
Fundação Pedro Calmon>
Projeto piloto - Uma década no acervo do Teatro Vila Velha - 1994 a 2004 Preservação e Digitalização do Acervo Theodoro Sampaio do Arquivo do IGHB Memórias nas redes: criação de ambientes virtuais para o arquivo histórico da Santa Casa de Misericórdia da Bahia 100 anos do Terreiro Bate Folha: digitalização do acervo patrimonial do candomblé Congo-Angola Mario Cravo Neto Digital Arquivos Imateriais: Organização do Acervo Sonoro e Audiovisual e Fotográfico do Samba de Roda Raízes de Acupe - Santo Amaro da Purificação-BA Filarmônica 2 de Janeiro de Jacobina - 100 anos de História através da música Memória das Cantigas do Jarê Sociedade Filarmônica Lyra Popular - Conservando a História da Lyra Popular Acervo Fotográfico Teatro Castro Alves Associação Carnavalesca Bloco Afro Olodum - Crianças Olodum: Orgulho e Identidade Bando de Teatro Olodum - Digitalização do acervo fotográfico para contar uma história de 30 anos de existência Acervo pessoal de Ildásio Tavares: cartas, memória e literatura na BahiaVestidinho de Vastidão - Livro de Zuarte Junior>
Fundação Gregório de Mattos (FGM)>
Acervo da Laje - Bibliografia de artistas autores de obras presentes no acervoRevista LaroyêCalu Brincante - Lançamento de CD, jogo eletrônico, seminários e oficias on-lineViladança - Site com acervo do Núcleo ViladançaEnxurrada Casa Preta III Exposição virtual Memórias de Resistências Negras - Zumvi Arquivo Fotográfico Catálogo on-line da capoeira>
Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb)>
Memória do Teatro da Bahia – Galeria on-line Cia Novos Novos: Caminhos e Memória - Criação de site/catálogo Criança é pra Brilhar! - Memória do teatro infantil baianoBalé Folclórico da Bahia On-lineNegrizu – Memórias De Um Corpo Afoxé - Acervo sobre o dançarino, coreógrafo, performer e professor Digitalização do acervo de fotografias da Fundação Hansen BahiaPoéticas de Smetak Acervo Digital Walter da Silveira - Cataloga, restaura e digitaliza parte expressiva do acervo de Walter da Silveira Centenário Renato Fróes - Digitalização, restauração digital e exposição virtual da obra de Renato Fróes Césio 137 - 30 anos depois: Digitalização e restauro do último longa-metragem dirigido pelo cineasta Roberto Pires >