Entrevista: Dan Stulbach fala sobre novela e igualdade de gênero

Ator que interpreta Eugênio em A Força do Querer diz ser um defensor fervoroso da igualdade; ouça trechos

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 3 de setembro de 2017 às 06:30

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Priscila Prade/Divulgação

Discreto, íntegro e paizão. Essas três palavras poderiam definir o ator Dan Stulbach, 47 anos, pai de Anita e Davi. Mas também são características de Eugênio Garcia, advogado interpretado por ele na novela A Força do Querer, da Tv Globo. Pai de Ivan (Carol Duarte) - personagem que se reconhece como trans na trama das 21h - e de Ruy (Fiuk), Dan divulgou no último mês em sua página no Facebook entrevistas que fez com pessoas transgênero durante a preparação para viver Eugênio. Com direção de Giuliano Zanelato e produção de Marco Froner, a série Transversal ganhou cinco episódios e já tem quatro publicados somando quase 2 milhões de visualizações. O último deve ir ao ar nesta semana. Nos bate-papos, Dan constatou que homens reagem pior do que as mulheres a esse tipo de situação. Na família de Ivan, entretanto, Joyce (Maria Fernanda Cândido) se mostra resistente à transição da filha. “Eugênio entende que a Ivana se foi e virá uma nova pessoa. A Joyce não tem esse entendimento. Ela fica agarrada a uma filha que não existe mais”, afirma.  Na semana em que foi ao ar uma das cenas mais esperadas da novela – a que Ivana revelou à família que se reconhecia como homem – Dan conversou com o CORREIO sobre uma cena emocionante com Carol Duarte que vai ao ar nas próximas semanas, disse ser um defensor fervoroso da igualdade, falou sobre linchamento virtual e contou sobre projetos futuros. Transversal tem cinco depoimentos de dor e superação de transexuais da vida real: Rodrigo, Gabriel, Fernanda, Pedro e Bernardo (Foto: Marco Foner/Divulgação) No início de Transversal, você disse que o tema identidade de gênero foi algo novo para você. O que mais te impressionou?  Não era totalmente novo. Mas, quando você vai interpretar um personagem que tem essa questão tão próxima na família, você tem que ampliar e aprofundar o seu conhecimento, até porque as coisas são diferentes para cada pessoa. Eu  conversar com pessoas trans  sobre suas famílias e a reação do pai delas, já que iria fazer esse personagem. As histórias são lindas, profundas e verdadeiras. O caso da Ivana é diferente das cinco que entrevistei, mas tem um pouco de cada. O Eugênio inverte uma lógica geral que é a do homem ser mais compreensivo do que a mulher.

Após as entrevistas, você mudou algo que pensava? Não, não mudei. O meu conhecimento sobre o tema só se aprofundou e melhorou. A minha opinião continua a mesma. Sou a favor que cada um busque a sua felicidade e sou um fervoroso defensor da igualdade e do direito a felicidade, seja lá qual for.Qual o seu objetivo com a série?  Não há nenhum ensinamento, provocação ou lição de moral. Quis compartilhar com as pessoas esses encontros e se elas se emocionarem, pensarem, já cumpre seu papel. Também tem uma relação minha com as redes sociais, que às vezes é conflituosa. Mas algo assim, com aprendizados e encontros, faz todo sentido.Qual a principal reflexão que você quis provocar nas pessoas? Se eu pudesse provocar alguma reflexão nas pessoas seria a do esclarecimento. Eu acredito que o preconceito é filho da ignorância, do não-conhecimento. O fim do preconceito pode ser fruto do conhecimento, do encontro. Tem uma luta maior, um sentido maior, que é a de desmistificar as questões, as pessoas. Acha que as pessoas receberam bem?  A resposta tem sido muito boa. Claro que tem sempre um ou outro comentário contrário ou agressivo na internet. Infelizmente faz parte e não dá para se apegar a eles. O vício da agressividade e do ódio na internet é um papo extenso. Talvez esse ódio estivesse lá seja qual fosse o assunto, seja qual fosse o vídeo. Às vezes é o ódio pelo ódio. E se a pessoa também não se presta a pensar ou não se emociona com o outro ser humano aí também não é uma pessoa que me interessa. 

Na sua opinião, porque aceitação, diversidade e transexualidade – temas que não são de agora - estão sendo discutidos de forma mais intensa neste momento? São temas presentes para muita gente. Todos nós achamos em algum momento que o nazismo era uma coisa antiga ou que o movimento contra as minorias nos Estados Unidos, um país tão avançado, fosse algo ultrapassado depois da Segunda Guerra e de tantos movimentos sociais. E, de repente, você tem uma marcha como a que teve em Charlotte, onde as pessoas queriam matar umas às outras. Tinham pessoas com fuzis e armas em casa prontas para acabar com o “domínio negro” sobre a América. Está aí uma questão que parece “antiga” ou ultrapassada e está presente. Os temas de ódio infelizmente não se extinguem. Vão e voltam e, por isso, nós temos que estar a alerta e sempre falar sobre isso. É necessário estar presente, esclarecer, defender. Naturalmente, a novela - pelo alcance e pela força que tem no Brasil - é um produto cultural na televisão que chega a muita gente e que funciona perfeitamente como veículo de esclarecimento e desmitificação desses assuntos. O drama vivido por Ivana faz parte de uma estratégia da Tv Globo por mobilização popular para a discussão de sexualidade e identidade de gênero (Foto: Reprodução) Embora esses temas estejam sendo mais discutidos, os números de violência contra mulheres e LGBTs ainda são altíssimos. Para você, qual a melhor forma de combater o preconceito e a violência? A luta contra a violência contra a mulher é um assunto que particularmente estou envolvido por ter feito um personagem há muito tempo que tratava do assunto. Em função da novela, foi impulsionada uma lei nesse âmbito. Recentemente estive na Bahia e soube que tem um programa sendo desenvolvido aí também. Mesmo assim, os índices referentes às violências por conta do preconceito ainda são altíssimos. São assuntos que infelizmente não se resolvem, que não há punições da maneira que deveriam ter e que, principalmente na cultura e na educação, não se resolvem. Eu tenho a imagem, o otimismo, de que as gerações que estão vindo já são mais preparadas, que são mais diversas, e que aceitam mais a diversidade do que as gerações que já estão aí há um certo tempo. Mas pode ser um engano. Acho que o trabalho é constante e a televisão pode ter um papel fundamental para isso. Portanto, acho que a melhor maneira de se combater a violência é com educação, cultura e através da desmistificação dos temas. Assim, os temas deixam de ser mitos e se tornam mais próximos e as pessoas entendem que a felicidade do outro não as atinge: o outro tem direito de buscar a sua felicidade assim como você tem o direito a sua. Você acha que, se houvesse mais diálogo nas famílias, seria mais fácil para pessoas trans se assumirem aos pais?  Não sou um especialista sobre educação familiar e nem de relações, mas acredito que com mais diálogo a relação entre as pessoas em uma família é muito mais aberta e mais feliz. Isso vale para problemas como drogas  e  para as passagens importantes, como as questões sexuais e tantas outras. É muito comum que os pais atordoados por conta do trabalho, por conta da vida mais sofrida e mais corrida que a gente tem hoje para que se mantenha a família e tudo mais acabam se fechando e também se cansando. Os filhos também. A melhor coisa é tentar transformar esse caldeirão em coisas boas, em  troca de conhecimentos. Talvez o principal seja isso. O filho, que vai saber mais de internet, das redes sociais e dos assuntos do momento do que os pais entender que os pais sabem outras coisas que ele não sabe e vice-versa. O pai, que já viveu aquilo, entender que para o filho aquilo é diferente e que há coisas que filho também sabe que ele ainda não sabe é importante. Você dar ao outro a chance de te ensinar alguma coisa é importantíssimo na relação familiar. Eu tinha um tio que me perguntava ‘o que você me ensina hoje?’, ao invés de ‘o que você fez hoje?’. Acho essa uma mudança importante. Nessa semana foi ao ar a cena em que o filho de Joyce e Eugênio contou para a família que descobriu ser transexual. Como Eugênio vai reagir daqui para frente?  Ele vai ficar surpreso, assustado, sem saber o que fazer. É muito da personalidade do personagem não saber o que fazer, pensar muito antes de tomar uma decisão. Ele tem a Justiça como algo que é muito forte e muito importante para ele. Naturalmente, ele vai ficar atordoado, porque não imaginava que a filha tivesse uma questão tão complexa.

Por ter passado por tantos problemas pessoais – a mudança na empresa, no trabalho, questões com a amante Irene e com a Joyce – Eugênio não teve um olhar para filha. Ele sempre esteve lá para ela, sempre foi carinhoso, quis ouvi-la, mas não percebeu que ela estava passando por uma questão. Aliás, isso é algo muito comum nas famílias. Que os pais estejam preocupados com tantas coisas absolutamente legítimas e que não consigam ter o diálogo na medida que os filhos necessitam. Ele fica culpado por não ter dado a atenção que devia para a Ivana e realmente não sabe o que fazer. Depois de uma cena, que a gente já gravou, ele vai procurar se inteirar do tema. A Ivana vai conversar com ele com mais calma e é uma cena muito bonita, no escritório, de muita emoção. Ela fala bastante do tema, traz um livro, e a partir daí ele vai tentar se aprofundar e agir com mais calma, mais razão. Já a Joyce reage de uma maneira mais impulsiva, mais emocional. Ela vive o luto da filha. Eugênio entende que a Ivana se foi e virá uma nova pessoa. Joyce não tem esse entendimento. Ela fica agarrada a uma filha que não existe mais. Ivan (Carol Duarte) reuniu toda a família na sala de casa para contar que é um homem transgênero (Foto: Estevam Avellar/TV Globo) Como você quer que termine a história de Eugênio?  Não tenho nenhum desejo. Eu realmente deixo nas mãos da autora.Você tem algum projeto previsto para depois de A Força do Querer? Devo continuar com o espetáculo Morte Acidental de um Anarquista, uma comédia no teatro que estou há dois anos e que tem um encontro bacana com a plateia, além de um elenco que adoro. É o único projeto artístico que tenho definido. Há possibilidades, mas quero fazer alguns cursos pessoais, para vida, de assuntos que nada tem a ver com interpretação:de culinária, marcenaria, umas coisas meio malucas que eu gosto e que nada tem a ver com cinema ou TV.