Recôncavo: ‘Nêgo Fugido’ ganha prêmio de instituição italiana

Espetáculo aborda resistência dos negros contra a escravidão

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  • Da Redação

Publicado em 13 de janeiro de 2009 às 12:20

- Atualizado há um ano

Na pequena vila de pescadores de Acupe, distrito de Santo Amaro da Purificação, no recôncavo baiano, há quase um século é apresentada anualmente uma manifestação que não possui similaridade em nenhum outro lugar do mundo.

Nêgo Fugido, um tesouro do nosso patrimônio imaterial

O Nêgo Fugido, cuja origem não se sabe quando teve início, mexe em feridas históricas da gênese brasileira e impressiona pela atuação de seus protagonistas. Eles fazem das ruas de paralelepípedo da localidade palco para exibição de um grande espetáculo de teatro a céu aberto. Por suas características e estrutura dramáticas, o Nêgo Fugido, definido pelo antropólogo Nelson de Araújo como uma 'ópera popular', é um tesouro do nosso patrimônio imaterial.

A encenação recria e reconta as tentativas de fuga do negro para a tão sonhada liberdade contra o regime escravocrata que imperou no Brasil até 13 de maio 1888. Reza a lenda que para se livrarem da escravização, os homens se refugiavam nas matas e lá se vestiam com folhas de bananeira para se camuflar. 'É uma relato nosso, de uma comunidade de pescadores, remanescentes de escravos africanos de origem nagô', explica Monilson dos Santos, diretor e membro do grupo.

Sofrimento: representado na máscara feita com carvão

Por conta da tradicional manifestação libertária, Acupe será premiada em julho deste ano como a Cidade Mundial da Paz pela Fundazione Campana degli Cadutti (Campana dos Caídos), uma instituição italiana criada pelo papa Pio XII após a 2ª Guerra Mundial, com a missão de promover a paz por meio de ações sociais antiviolência em todo o mundo.

DESASSISTIDOS A iniciativa surgiu em 2007, quando o diretor de teatro baiano Paulo Dourado (que, na época, era coordenador de arte e cultura da Universidade Federal da Bahia) convidou o diretor do Teatro Potlach (Itália), Pino di Buduo, para assistir a uma apresentação da obra. 'Fiquei particularmente interessado pela autenticidade da apresentação, pelo lirismo e pelo teatro visceral do Nêgo Fugido, que é simples, mas ao mesmo tempo aborda diversos elementos da arte brasileira para falar de valores promotores da paz, através da libertação', disse o italiano. Foi Pino quem apresentou o grupo aos diretores da fundação italiana.

O título vai possibilitar visibilidade tanto para a comunidade de Acupe quanto para as diferentes manifestações populares do recôncavo. 'Nós somos desassistidos das políticas públicas de cultura. Aintenção, a partir deste prêmio honorífico, é alertar a sociedade para a importância de manter as nossas tradições culturais', disse Monilson.

(Reportagem publicada na edição de 13/01/2009 do CORREIO)