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Da Redação
Publicado em 30 de janeiro de 2021 às 11:00
- Atualizado há 2 anos
Será como um aniversário sem comemoração, mas com presente. Apesar do cancelamento da festa de Iemanjá no Rio Vermelho, o Candomblé sempre acha um jeito de homenagear a Rainha do Mar no dia 2 de fevereiro. Qualquer devoto ou simpatizante pode mirar no exemplo dos terreiros e buscar os meios alternativos de oferendar a orixá das águas, respeitando os protocolos de segurança para evitar a transmissão da covid-19.>
A festa pode esperar. Com a praia do Rio Vermelho fechada na próxima terça-feira, nada de ogã tocando atabaque e pais de santo recebendo caboclos e orixás nas areias. Entre todas as casas de Candomblé da cidade, apenas uma foi escolhida para levar o presente tradicional para o mar, saindo da praia do Rio Vermelho. O terreiro Ilê Axé Awã Nêgy, representado pelo babalorixá Pai Ducho, elaborou as cestas e presentes que serão entregues a Oxum e Iemanjá, com apenas três filhos da casa nos locais. A partir das 2h da manhã de terça-feira, o balaio em homenagem a Oxum será colocado no Dique do Tororó. É uma forma de não causar ciúme na orixá das águas doces. Já o balaio de Iemanjá sairá do Rio Vermelho em direção ao mar em seguida, às 8h.>
"Será um ano diferente, mas não vai faltar amor e devoção. Iemanjá é mãe e quer todo mundo longe de aglomerações. Não estou lamentando o fato de não ficar na areia fazendo os rituais tradicionais. Não adianta sentir falta da festa e não preparar sua homenagem com amor, carinho e respeito ao próximo em plena pandemia. Fizemos um presente bonito, com muito axé. Cada pessoa pode fazer o mesmo, procurando outras praias, respeitando o distanciamento. Iemanjá está em todas as praias e qualquer dia podemos presenteá-la", disse pai Ducho, o único que estará na areia do Rio Vermelho quando o presente principal sair para o mar. "Não sairei com o barco que levará o presente. Ficarei na areia, aguardando o retorno. Quando chegarem, jogarei o obi para saber se o presente foi aceito. Depois, vamos todos para casa", completa Pai Ducho. Pai Ducho é o responsável pelo presente principal desse ano (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Para quem não faz parte do terreiro, mas faz questão de depositar seu presente nas águas do Rio Vermelho, a alternativa é adiantar seu presente. Pescadores locais levam pessoas até o mar, um serviço comum no dia 2 de fevereiro, mas que não será possível este ano. O preço varia de barco e até onde o devoto quer ir. Será uma forma também de ajudar a colônia, que perderá um bom dia de serviço. Na festa, pescadores faturam até R$ 2 mil conduzindo os fiéis até o mar. >
Resumindo, qualquer dia é dia. É preciso entender que a festa do dia 2 de fevereiro não necessariamente está ligada ao ritual do candomblé, pelo menos no critério data. O dia do orixá é muito relativo e cada terreiro tem seu calendário específico de homenagens. Como a festa se tornou tradição na capital, acabou sendo um dia especial também para os terreiros. Um bom exemplo é o terreiro Casa de Òsùmàrè, que contribuiu diretamente com a festa do Rio Vermelho, mas escolheu o mês de março para homenagear Iemanjá.>
A antiga ialorixá do terreiro, Ìyá Nilzete de Yemojá, foi por anos responsável pelos presentes oferendados no dia 2 de fevereiro. Atualmente sob a liderança de Bàbá Pecê, o endereço para prestar a homenagem mudou, mas não deixou de ser importante. >
"Minha mãe (Ìyá Nilzete), juntamente com um ogã da casa, Flaviano, que era pescador do Rio Vermelho e fez a primeira casinha lá, cuidaram por anos do 2 de fevereiro. Depois outros terreiros passaram a cuidar. Mediante a esta pandemia, não podemos aglomerar. Mas precisamos homenageá-la sim, até para pedirmos proteção contra o coronavirus. Nós faremos nossa entrega na Gamboa, com poucos integrantes, respeitando as orientações. Será simples, mas não deixará de ser lindo. Temos muita história com o 2 de fevereiro, mas a data varia de terreiro para terreiro. Cada um tem um mês específico, justamente para não chocarem as festas. Aqui é em março. Na Casa Branca tem outra data, assim como o Gantois. Com isso, ninguém perde a celebração dos demais, fazendo este intercâmbio. Isso antes da pandemia, lógico", conta Bàbá Pecê.>
O que não falta são maneiras de prestar sua homenagem a Iemanjá. Babalorixá do terreiro Ilê Axé Opô Ajagunã, pai Ari de Ajagunã assegura que nem precisa sair de casa, principalmente durante a pandemia. Basta arrear comida para a Rainha do Mar em sua casa, deixando a homenagem na praia em outro momento oportuno. "Podemos oferecer comida, temperada com camarão, cebola, azeite doce. Pode fazer um altar com flores, perfumes e espelho. Iemanjá está nas nossas mentes, em todo lugar. Ela é mãe, vai gostar de qualquer homenagem que seja por amor. O importante é ficar em casa e procurar outros meios de dar seu presente. Eu já fiz isso desde a semana passada. Creio que nós, do candomblé, daremos exemplo, como já estamos dando. Não conheço ninguém da nossa religião que morreu por covid-19", disse Ari, que também é presidente da Federação Nacional do Culto Afro Brasileiro. Presente para Oxum será entregue no Dique, na madrugada do dia 2 (Foto: Sora Maia/Divulgação) Dar Exemplo Para pai Pitty de Iansã, do terreiro Ilê Asè Opô Oyá Egunitá, o terreiro precisa dar o melhor exemplo para a sociedade. Nada de pais de santo promovendo aglomeração em qualquer areia da praia. "Posso até causar polêmica, mas dia 2 de fevereiro é uma festa que virou profana. Não é de axé. Já entreguei meu balaio, já fizemos tudo aqui. Não teremos a festa que o povo quer, com tumulto, cachaça e confusão. Isto não significa que não teremos os cultos nos terreiros. Esta festa pode esperar. Se você sente falta da festa, esqueça. Mas se o objetivo é presentear Iemanjá, faz um balaio pequeno, com material que não agride a natureza e coloca em qualquer praia, não precisa ser exatamente no dia 2 de fevereiro. Em casa, faz o olokum, que é um feijão fradinho temperado com cebola, azeite, camarão e ovos. Fazendo isso com amor, não precisa se preocupar se vai ou não ao Rio Vermelho", enfatiza Pai Pitty.>
Em cada casa de Candomblé, Iemanjá continua sendo homenageada, não precisando necessariamente ser no dia da festa popular. E pode acalmar o coração, pois Iemanjá é mãe, não é madrasta. "A oração é mais importante do que qualquer presença física. Nenhum terreiro parou, continuamos com nossas cerimônias internas, mas reservadas, com portões fechados, respeitando o distanciamento. Pedimos todos os dias a proteção de todos contra esta pandemia. Quando você for pensar em furar o bloqueio e prestar sua homenagem, lembre-se que você é um ser humano, os orixás não. Você vai se arriscar promovendo aglomerações. Tudo que estamos vivendo é um aprendizado e precisamos aprender com isso. Fiquem em casa ou procurem meios de homenagear Iemanjá de outra forma. Vai passar", reforça Bàbá Pecê, da casa de Òsùmàrè.>
Existe uma forma ainda mais bonita de agradar Iemanjá. É o exemplo da fotógrafa Amanda Oliveira, que não faltava a uma festa de Iemanjá. Este ano ela fez diferente. Sabendo das dificuldades que comerciantes e pescadores terão com o cancelamento da festa, ela fez uma vaquinha virtual. A meta era arrecadar R$ 4 mil, mas até ontem já tinha ultrapassado os R$ 5 mil. "Nada mais justo que retribuir aos responsáveis pela manutenção da festa da Grande Mãe", disse Amanda. Quer oferenda melhor do que ajudar o próximo?>
Como será o 2 de fevereiroPara Oxum - A homenagem seguirá a programação normal, mas sem aglomeração. O ba- laio será entregue no meio do Dique do Tororó, exclusivamente pelo terreiro Ilê Axé Awã Nêgy. Ne- nhum outro fará neste horário. Esta é uma maneira de acalmar a orixá e evitar ciúmes entre as mães das águas.>
Horário: 1h do dia 2 de fevereiro>
Para Iemanjá - O balaio com o presente para Iemanjá sairá do terreiro às 6h30 da manhã, no Engenho Ve -lho da Federação. Chegando no Rio Vermelho, um barco enviará o balaio para o mar, enquanto o babalorixá da casa aguarda o retorno na areia. Quando voltarem, Pai Ducho jogará o obi para saber se o presente foi aceito. Está encerrado o dia de Iemanjá. Toda orla do bairro estará fechada pela prefeitura para evitar agllomeração>
Horário: 8h>