"A inclusão deve existir em todos os espaços para ser real", afirma Pedro Neschling

Filho de Lucélia Santos, Pedro é o primeiro ator com deficiência auditiva na tevê

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 2 de abril de 2024 às 09:59

Pedro Neschling
Pedro Neschling Crédito: Divulgação

Ator, escritor e diretor, Pedro Neschling, 41 anos, traz consigo uma trajetória multifacetada na frente e por trás das câmeras. Filho do Maestro John Neschling e da atriz Lucélia Santos, Pedro cresceu imerso nas artes, moldando sua paixão pelo palco desde a infância: "Acompanhar a carreira da minha mãe ao longo da vida fez do palco um lugar onde sempre gostei de brincar, desde muito novo”, conta.

Aos 22 anos, ele ficou conhecido por interpretar Dionísio Sardinha em Da Cor do Pecado, passando posteriormente pelas novelas A Lua me Disse, Páginas da Vida e Joia Rara. A partir de 2013, Pedro levou uma década de afastamento da atuação na televisão, tempo em que se dedicou à escrita e direção. O resultado foi uma série de projetos como a direção e colaboração na série E aí... Comeu?, na novela “Salve-se Quem Puder" e na peça Como Nossos Pais.

Esse ano, Neschling voltou às novela como Eriberto, de Renascer, marcando não apenas uma nova fase profissional, mas também um ponto de virada em sua carreira. Assim como o ator, Eriberto usa aparelhos auditivos, revelando para grande parte do público, que Pedro é uma pessoa PCD. O ator foi diagnosticado com deficiência auditiva ainda adolescente, apesar de ter ignorado o diagnóstico até os 30 anos, quando começou a usar aparelhos e compreender como sua vida era impactada pela condição.

Com o retorno às telas, Neschling trouxe à tona questões mais profundas sobre percepções e estigmas em relação à deficiência e oportunidade de ser voz pela inclusão no audiovisual. "Nós, PCDs, somos muito mais do que só nossas deficiências. E definitivamente não somos incapazes, muito pelo contrário!", afirma.

Ator e diretor Pedro Neschling
Ator e diretor Pedro Neschling Crédito: Divulgação

Veja a entrevista completa:

Quando você descobriu o diagnóstico de deficiência auditiva, você pensou em desistir da atuação? Qual as implicações que o avançar da condição tinham na sua profissão?

Eu tive o diagnóstico muito novo, logo no meu primeiro trabalho profissional aos 18 anos de idade. Mas fui mal orientado na época, e acabei exercendo toda a minha carreira de ator que as pessoas acompanharam sem ajuda dos aparelhos auditivos. Eu não tinha ideia do impacto que minha deficiência tem em mim. Um dia, já com mais de 30 anos, um otorrino me disse: “como você consegue ter uma vida social e profissional com a perda auditiva que você tem sem usar aparelhos é um milagre.” Aquilo me tocou e fui finalmente testar os aparelhos. Só depois disso que passei a entender toda a dificuldade que enfrentei.

Quais os projetos que você desenvolveu ao decorrer desses anos?

Foi um afastamento natural, já que vinha havia muitos anos me dedicando tanto à carreira de ator que não estava conseguindo dar a devida atenção à escrita e à direção que sempre me completaram também. E decidi que era hora de focar nisso. Realizei muitos projetos nessa década longe da atuação. Foram peças de teatro, séries de TV, filmes, até uma novela que escrevi. Foi um período muito feliz e importante pra mim.

Como se deu o seu retorno às novelas com Renascer ? Quais as principais mudanças que enxerga em si enquanto ator, passados tanto tempo?

Recebi o convite para integrar o elenco de Renascer de forma totalmente inesperada e, imediatamente, senti que era hora de voltar. Como se tivesse que ser mesmo. O projeto certo no momento certo. Sobre meu momento pessoal, sinto que estou muito mais tranquilo e maduro hoje, e isso reflete no meu trabalho em cena. E também na minha capacidade de aproveitar o processo. Nunca me diverti tanto atuando.

Recentemente, pessoas nas suas redes sociais comentaram o fato de você não “parecer ter deficiência”. Ainda hoje há um estigma de como pessoas PCD devem parecer e agir?

Infelizmente as pessoas têm uma imagem muito pejorativa de pessoas com deficiência, como se fossemos todos incapazes. O fato de eu ter uma deficiência invisível, que é a deficiência auditiva, e uma imagem física padrão, faz muita gente ter esse raciocínio equivocado. Isso precisa mudar. A sociedade precisa entender que todas as pessoas têm suas características individuais. As deficiências são apenas algumas delas. Nós, PCDs, somos muito mais do que só nossas deficiências. E definitivamente não somos incapazes, muito pelo contrário!

No meio do audiovisual, o que pode ser feito para que as produções sejam mais inclusivas e tenham mais atores PCD em cena?

A inclusão deve existir em todos os espaços para ser real. Não adianta apenas ter um ator em cena. Precisamos ter PCDs em todas as áreas, desde a criação, na produção, na direção… E isso serve para todas as áreas, não só no audiovisual. Apenas assim a inclusão se torna realidade e não apenas um discurso bonito.

Quais são os seus projetos artísticos após a finalização de Renascer?

Estou por enquanto curtindo cada dia dessa experiência maravilhosa que está sendo gravar Renascer. Tenho um monte de ideias, mas no momento minha dedicação está voltada integralmente para a novela.

*Com orientação da editora Dóris Miranda