'Órfãs da Rainha' fala de violência contra a mulher e Inquisição

Produção mineira é passada na Bahia do século XVI e tem profissionais técnicos baianos na euiqpe

Publicado em 24 de agosto de 2023 às 06:00

Órfãs da Rainha
Órfãs da Rainha Crédito: Luiz Navarro/divulgação

No século XVI, a rainha de Portugal acolhia, com alguma frequência, jovens mulheres que se tornavam órfãs e que eram filhas de nobres ou de pessoas que haviam prestado algum serviço ao Reino de Portugal. Proteger aquelas moças era uma maneira de demonstrar gratidão àqueles pais. Muitas daquelas mulheres eram despachadas para o Brasil, onde já chegavam com um casamento encomendado. Era também uma maneira de povoar a Colônia com o sangue português.

E não estranhe o uso da palavra "despachada" no parágrafo acima, afinal, por mais incômodo que ela soe, aquelas mulheres eram realmente tratadas como coisas e não tinham vontade própria. E é isso que se vê no filme As Órfãs da Rainha, da cineasta mineira Elza Cataldo, que tem se especializado em temas históricos. Seu longa anterior, de 2005, é Vinho de Rosas (2005), passado em 1804.

Em seu novo filme, que estreia nesta quinta-feira (24), Elza mostra a história fictícia de três irmãs - Leonor, Brites e Mécia - que teriam sido protegidas pela rainha de Portugal e, como muitas outras moças, também vieram para o Brasil. E, no caso delas, vieram para uma pequena vila na Bahia, onde Leonor e Brites chegam já de casamento arranjado e Mécia vai viver com um padre, para auxiliá-lo nas preparações dos ritos religiosos.

Insatisfeita, Leonor escreve cartas para a rainha, pedindo permissão para voltar. Mas à medida que o tempo passa, ela se apaixona pelo marido, Escobar, tem filhos com ele e passa a admirar a religião judaica, da qual ele é adepto. Brites, por sua vez, faz de tudo para conquistar o marido violento, Tales, e lhe dar um filho. Já Mécia, rejeitada devido a uma deficiência física, se encanta por um indígena.

Além de retratar o sofrimento das mulheres na época - incluindo aí o estupro marital -, Órfãs da Rainha trata da chegada da Santa Inquisição ao Brasil, quando a Igreja Católica perseguia e até torturava os considerados hereges. E, como a Inquisição chegou inicialmente inicialmente à Bahia, antes de chegar a outras regiões, Elza decidiu que a história do filme deveria se passar nesse estado.

Para mergulhar no período, a diretora, que é também roteirista, leu em torno de 300 livros e viajou a Portugal e Espanha. Também morou em Salvador em 2015, para se aprofundar na pesquisa. "Passei quase dois anos na Bahia e queria fazer o filme aqui. Além disso, tinha proximidade com profissionais baianos do cinema", diz a diretora.

Mas como os editais baianos eram dirigidos a profissionais do estado, Elza teve que correr atrás de uma solução caseira e buscou patrocinadores mineiros. Conseguiu o financiamento - na verdade, uma parte, já que ela tirou dinheiro do próprio bolso para bancar o filme - e, mesmo filmando em Minas, decidiu montar uma cidade cenográfica baiana, a fictícia Vila Morena, no recôncavo.

Para isso, levou profissionais baianos: Moacyr Gramacho, diretor de arte; Erick Saboya, que foi assistente de Moacyr; Renata Marques, produtora de objetos e Luiz Parras, cenógrafo. "Se o filme não foi à Bahia, a Bahia foi ao filme", brinca a diretora.

Moacyr diz que não há muitos registros iconográficos da época em que se passa o filme - final do século XVI -, então se permitiu certa licença para criar a ambientação do longa. "Não há sequer muitas pinturas da época, então não pudemos recriar tal e qual o período. Mas criamos uma 'atmosfera' e é isso que importa, porque o espectador 'entra' no filme", diz o diretor de arte.

E, apesar do esforço para reproduzir a atmosfera da época, Elza tomou a decisão de não reproduzir fielmente a linguagem falada naquele período. Fizesse isso, como ela mesma observa, talvez tivesse que ser até legendado. A diretora então preferiu o meio-termo, usando algumas expressões caracteristicas do português antigo para orientar o espectador. "Queria uma linguagem mais próxima da atual, mas com alguma formalidade e alguns termos antigos, como 'cousa', por exemplo".

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