Agiotas lucram alto com empréstimo via cartão de crédito; operação virou moda em Salvador

Operadores cobram mais de 20% para passar cartão de crédito na máquina e entregar dinheiro vivo. Esquema é considerado crime

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 11 de janeiro de 2016 às 08:46

- Atualizado há um ano

“Passe R$ 600. Receba R$ 500”. Uma rápida passagem pelas ruas da capital baiana é suficiente para ver centenas de cartazes anunciando empréstimos fáceis através do cartão de crédito. Na Garibaldi, por exemplo, em 200 postes o CORREIO viu mais de 150 cartazes.

Por trás da facilidade para obter um dinheiro que aparentemente ajuda a aliviar as contas do mês escondem-se armadilhas que podem dar o empurrãozinho final em quem está à beira do abismo das dívidas.

Além de ser crime – já que a operação simula a venda de um produto ou serviço, mas entrega dinheiro sem autorização do Banco Central e sem recolher os devidos tributos –, o crédito fácil tem comissões que ultrapassam 20%  – mais do que os juros em várias operações convencionais, como cheque especial, ou consignado.

Sem se identificar, a reportagem  entrou em contato com três operadores do novo modo de agiotagem em Salvador. A operação é simples: basta ter um cartão de crédito e passar determinado valor na maquininha. Na mesma hora, a pessoa sai dali com o dinheiro vivo, coisa que dificilmente acontece em outras modalidades de crédito.

A comissão paga pelo serviço, entretanto, em algumas situações ultrapassa 20%. “Se você quer R$ 500, passa R$ 600 em uma vez na minha maquininha ou R$ 620  em duas vezes e R$ 650 em três vezes. É como uma compra, só que o produto é o dinheiro”, explicou um operador do esquema, acrescentando que o teto do empréstimo depende apenas do limite do cartão do consumidor. Operadores  de crédito anunciam em postes pela cidade. Prática é ilegal(Foto: Marina Silva/CORREIO)Quando questionado se a operação era segura, ele questionou: “Você acha que se não fosse segura teria milhares de cartazes espalhados por toda a cidade?”. Ele garantiu emitir uma nota fiscal em seu nome. Não é preciso ir longe para achar quem realize esse tipo de operação.

Outro contato foi encontrado através de uma busca rápida na internet e ele tem até site. “Você só precisa ter cartão de crédito.  Aceitamos todas as bandeiras, dividimos em até 12 vezes e a cada parcela acrescentamos 5% de comissão. A gente marca um lugar e levo a máquina. Aprovou, te entrego o dinheiro”, explicou. Em outro caso, o operador diz que o crédito vai aparecer na fatura como uma compra numa empresa de material de construção.

“É um pouco ilegal, né? Mas só toma empréstimo quem está precisando. Se a gente cobrar só 12% não ganhamos quase nada. Só da máquina a gente paga 9%. Só é ilegal mesmo quando é acima de 20 ou 30%, mas 20% é normal”, declarou um dos operadores que cobra comissão de até 20%. Ele disse atender entre 30 a 40 pessoas ao mês no segundo contato, quando soube que estava falando com a reportagem do CORREIO.  “É uma questão de oferta e demanda, justificou outro.Prática abusivaApesar de ser apresentado como um tipo de empréstimo sem burocracia, a prática é classificada como abusiva pela Superintendência de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon-Ba). “O empréstimo  é ‘camuflado’ em forma de venda, mediante pagamento de juros abusivos”, ressalta o diretor de Atendimento e Orientação ao Consumidor Lucas Menezes.

Apesar do Procon-BA não ter registrado queixas, ele ressalta que a operação pode ser denunciada em diversos órgãos e pode ser configurada como agiotagem – prática ilegal que oferece dinheiro fácil com juros mais altos do que os praticados pelos bancos e financeiras, em torno de 12% a 40% ao mês.

"Você pode emprestar dinheiro para seus amigos e familiares, mas não é permitido  atuar no mercado financeiro sem autorização”, explica. CrimeSegundo a titular em exercício da Delegacia de Defesa do Consumidor (Decon), Idalina Otero, este tipo de empréstimo via cartão de crédito é crime. Isto porque o emprestador está cometendo dois tipos de delitos – um contra a economia popular e outro contra instituições financeiras.

“É como uma agiotagem disfarçada. Geralmente quem toma este tipo de empréstimo está em uma situação vulnerável, com o nome sujo, por exemplo, e o agiota se aproveita da situação”, diz a delegada.

Segundo ela, existem dois tipos de agiotagem – a prevista como crime contra o sistema financeiro nacional, pois o agiota pratica atividade de instituição financeira sem autorização do Banco Central, cobrando juros extorsivos, e a outra, a comum.

Segundo ela, os atos podem ser classificados como crimes contra a economia popular, com previsão de seis meses a dois anos de prisão, ou crime contra o sistema financeiro, com penas entre dois e oito anos. A assistente de custo e pensionista Janete Franco, 53 anos, conta que já se informou sobre este tipo de empréstimo, mas desistiu.

Há dois meses ela caiu na cilada de um agiota. Tomou R$ 2 mil, que pularam para R$ 10 mil e ela só conseguiu quitar a dívida com a ajuda de uma amiga. “Agora, só faço empréstimo pessoal com financeira. É muito mais seguro”, conta.  Crédito mais baratoSegundo a economista-chefe do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil), Marcela Kawauti, mesmo que empréstimos pareçam ser a solução para os problemas, devem ser a última opção do consumidor.

“É preciso começar a anotar o que ganha e o que gasta, cortar os supérfluos e até outras coisas como pacotes de assinatura de TV. Se isso não for suficiente, a recomendação é vender algum bem”, diz.

Se for mesmo necessário pegar um empréstimo, ela recomenda modalidades de crédito com juros mais baixos, como o crédito consignado, no qual o valor das prestações é descontado diretamente do salário ou pensão do devedor, que têm juros menores – cerca de 2% ao mês ou 28% ao ano – ou o crédito pessoal direto – que tem juros de cerca de 7% ao mês ou 120% ao ano.

Também são recomendadas linhas com imóveis ou automóveis como garantia, pois isso reduz os juros cobrados. O presidente da Associação Brasileira de Educadores Financeiros (Abefin), Reinaldo Domingos, orienta que as pessoas revejam seu padrão de vida e de consumo. “Não adianta trocar o cheque especial ou cartão por um crédito mais barato se não resolver a raiz problema”, diz.

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