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Além de variar de pessoa para pessoa, incômodo com ruídos depende das experiências de cada um
Da Redação
Publicado em 24 de junho de 2019 às 09:20
- Atualizado há um ano
Chega o feriado e o que parecia ser momento de descanso vira stress: seu vizinho liga o som nas alturas quando você gostaria apenas de ficar deitado assistindo TV ou lendo alguma coisa. Para ele, a diversão está garantida. Para você, tudo não passa de uma barulheira de mau gosto e nenhum bom senso.
Talvez esse seja o cenário do seu São João, quando ainda é preciso ter uma tolerância ainda maior por conta das bombas e fogos de artifício. Se serve de consolo, você não está sozinho.
“O barulho aqui é sempre, não importa se é feriado ou não. Estou dando graças a Deus que o som da vizinha quebrou”, comemora a cozinheira Carol Ferreira, 30 anos.
Moradora do Vale das Pedrinhas, ela é daquelas que sofre com a música alta que os vizinhos costumam ouvir, geralmente com as caixas de som ou os paredões dos carros voltadas para a porta de sua casa.
“Já teve dia em que o som começou na hora do almoço, durante um churrasco, e só foi terminar 5h da manhã. Minha avó passou mal, ficou com o corpo tremendo, e ninguém conseguiu dormir. É uma falta de respeito tremenda. É como se eles quisessem se divertir e não estivessem nem aí para nada nem para ninguém. Não pensam nas pessoas idosas, em quem está doente, nas crianças. É um descaso”, desabafa. Segundo Carol, não há negociação com os vizinhos. Denunciar também “ nunca funcionou”, diz. Sem saída, só resta a ela fechar a casa inteira e, às vezes, apelar para o calmante para continuar a trabalhar nas encomendas acumuladas. (Arte: CORREIO) Complicações Os danos causados pela poluição sonora no dia a dia são muitos e têm incidência direta sobre o bem-estar do indivíduo e da população em geral. Nem sempre, no entanto, nos damos conta dos muitos ruídos que nos cercam cotidianamente e contribuem para alterar a nossa relação com o barulho. Mas qual a diferença entre som, ruído e barulho?
Segundo Débora Barretto, especialista em acústica e diretora técnica da empresa Audium, a principal principal diferença tem a ver com o que incomoda você. “A distinção não tem a ver com a intensidade da emissão sonora”, afirma.
Débora dá um exemplo: uma cachoeira emite 85/90 decibéis, mas é um som agradável. Uma gotinha pingando pode gerar 30 decibéis e ser extremamente incômoda. “Assim como para uma pessoa que está aproveitando a festa de São João, o som de bombas e da música é um som relacionado à festa, a um momento de diversão, enquanto que para quem quer dormir, quem não está envolvido naquele contexto, aquilo é um ruído”, compara.
Além de variar de pessoa para pessoa, explica a especialista, o incômodo depende das experiências de cada um, da circunstância e do que a pessoa está fazendo. Dentre as principais complicações relacionadas à exposição ao barulho constante, estão o stress, a ansiedade, a insônia e a irritabilidade, além de lesões auditivas.
“O som pode ser promotor do hormônio que produz prazer, como a dopamina - que pode causar sensações como o vicio e prazer, ou a adrenalina, que causa estresse. Assim, é necessário avaliar o contexto, para identificar e chegar a uma conclusão sobre os efeitos do som no organismo das pessoas”, alerta a enfermeira do trabalho Ticiana Assemany.
Na perspectiva da saúde do trabalhador, ela enfatiza que um ambiente de trabalho silencioso deve ser priorizado pelas empresas, principalmente porque esses barulhos comprometem a produtividade no trabalho intelectual e são capazes deixar a pessoa em estado de tensão permanente. “Convivemos em ambientes que temos barulho a todo instante. O grande perigo é justamente quando ‘aprendemos a conviver’ com este ruído, de modo que passam a não incomodar”, alerta a enfermeira.
Por isso, quem tem a saúde comprometida devido a estímulos intermitente, muito dificilmente irá fazer essa analise por conta própria, tendo em vista que nem mesmo percebem o excesso de exposição à poluição sonora e muitas vezes consideram ser benéfico dormir com a tevelisão ligada ou mesmo com o barulho do ventilador e do ar-condicionado.
Poder Público Para o secretário de Ordem Pública de Salvador, Felipe Lucas, o fator de tolerância subjetiva torna a questão ainda mais complicada na cidade que é sempre lembrada pelos trios elétricos e ensaios de Verão. “Em nossa cultura, prevalece muito o barulho, a zoada. As pessoas falam alto, gostam de abrir a mala do carro, de pôr as caixas de som voltadas pra rua, são de fazer batuque. Isso acaba refletindo e prejudicando aqueles que não gostam ou que precisam descansar - e todos nós precisamos”, avalia Felipe.
Hoje é a Semop, e não mais a Sucom, a secretaria municipal responsável pelo controle da poluição sonora do município. A maior parte das denúncias está relacionada ao uso de som em veículos (elas respondem a quase 33% do total), seguida de residências, depois de bares e restaurantes. Até mesmo igrejas/cultos entram no ranking das dez fontes mais denunciadas, bem como construção e casas de eventos. Até o último dia 18, o órgão havia registrado quase 2 mil denúncias só no mês de junho.
Morador do Rio Vermelho, bairro que consta na lista dos 10 mais denunciados do mês, o professor universitário Sérgio Sobreira é daqueles que nunca se acostumou ao barulho da vizinhança, por mais que consiga tolerar alguns deles.
“Eu moro do lado de uma escola, então eu sei que durante o dia a quadra é utilizada pelos alunos e que vai ter barulho. Eu acolhi esse barulho como algo normal, que está inserido no contexto. O que me incomoda é a escola emprestar suas instalações para eventos no fim de semana, e neles ter som alto que ultrapassa o horário aceitável”, explica.
Sergio também sofre com o barulho ocasionado pela movimentação em uma casa de eventos localizada em sua rua. “Eles fornecem serviços para festas, e não tem hora para caminhão vir descarregar mercadoria, sempre com muito ruído”, complementa, ao dizer que já formalizou a denúncia algumas vezes junto à prefeitura.
Nos últimos dois anos, houve uma redução no número de denúncias de poluição sonora em Salvador. Em 2016, a capital baiana teve 60.926 denúncias registradas, o que equivale a 164 reclamações por dia. Em 2017, este número caiu para 129, sendo 47.225 em todo o ano. Em 2018, a secretaria registrou 41.005 denúncias, o que representa uma média de 112 por dia.
“A gente tem um número elevado de denúncias também às segundas-feiras, mas o pico é de sexta a domingo. Nesse período a equipe é reforçada, fica 24h de plantão, inclusive nosso call center”, explica o secretário, ao frisar que os agentes não estão autorizados a fazer apreensões em residências, por exemplo. “Devido às muitas variáveis, temos focado em campanhas e ações educativas, fugindo de operações punitivas, cujo objetivo é tão somente a apreensão do equipamento e aplicação de multas. Temos buscado muito a linha da educação, alertando para os prejuízos na saúde”, completa o secretário Felipe Lucas.
De acordo com a Lei 5.354/98, o volume permitido entre 7h e 22h é de 70 decibéis, e de 60 decibéis das 22h às 7h. A multa varia de acordo com os decibéis excedentes e fica entre R$ 813 e R$ 135 mil. A fiscalização acontece mediante denúncia pelo Fala Salvador, no telefone 156.