Professores dão dicas para não zerar a Redação do Enem

Na Bahia, 23 mil candidatos tiraram nota zero em 2017

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  • Gil Santos

Publicado em 8 de agosto de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

Entre os quase 500 mil inscritos baianos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) do ano passado, 23 mil zeraram a Redação. Muitos deles, talvez, nem saibam o motivo da nota.

Um levantamento feito pelo CORREIO, com base em dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), revelou que apenas duas estudantes da Bahia ficaram com nota 1.000 na Redação, enquanto outros 23 mil candidatos tiraram zero.

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As causas são diversas, mas, segundo os professores, uma das mais comuns é a fuga, total ou parcial, do tema. Os educadores apontaram outros problemas, como argumentos fracos, falta de coerência e erros gramaticais.

A professora Bruna Guimarães leciona Redação para estudantes do ensino médio e contou que fugir do tema é bastante comum. Na prática, os candidatos conseguem escrever sobre o assunto, mas se distanciam do assunto proposto. “A prova do ano passado, por exemplo, pediu que eles tratassem dos ‘Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil’. Muitos candidatos escreveram sobre os problemas enfrentados pelos surdos durante a vida, mas não relacionaram com a formação educacional, ou seja, fugiram do tema”, disse ela (veja outros temas abaixo).

Compreender a proposta e aplicar conceitos para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo, são os elementos de análise dessa competência e um desafio para os candidatos.

Mas não é preciso desespero. Muitas vezes, a saída para uma boa Redação pode estar ao alcance dos olhos, nas palavras-chave do tema. Os mestres orientam que os estudantes fiquem atentos também aos textos de apoio. A professora de Literatura do Instituto Dom de Educar (Rede FTC), Luana Duarte, citou como exemplo o tema do Enem de 2016: ‘Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil’. A professora Luana Duarte chama a atenção para as palavras-chave do tema (Foto: Arisson Marinho) “Quais são as palavras-chave neste caso? Intolerância religiosa, Brasil e combate. O candidato que conseguir identificar e trabalhar essas palavras já na introdução vai mostrar ao corretor que tem domínio do assunto e que entendeu o tema. Depois, vai desenvolver os argumentos em cima dessas palavras. É uma dica importante”, afirmou.

Argumentação Os professores reforçaram a necessidade da leitura e do exercício da escrita para conseguir construir boas ideias e trabalhá-las no texto de forma clara e coesa. “A melhor forma de aprender Redação é lendo e escrevendo, porque ela também precisa ser praticada, assim como a Matemática. O estudante precisa ter o hábito de escrever, corrigir e reescrever toda semana”, orientou Luana.

Para quem vai fazer o Enem, a criticidade é indispensável, porque mais do que um observador do mundo, o exame pede que o candidato seja participativo e tenha opinião.

Argumentos fortes são construídos com muita leitura. Manter-se atualizado é crucial. “Os temas do Enem sempre surgem de problemas sociais, então é preciso estar antenado”, defende Luana.

Citações de momentos históricos, autores e estatísticas podem ajudar a reforçar os argumentos, mas, segundo a professora Bruna Guimarães, é preciso ter cuidado. Ela contou que muitos estudantes têm dificuldade de atrelar o repertório sociocultural às ideias apresentadas na Redação. “Eles citam alguns autores no texto, mas não relacionam com os dados estatísticos ou a argumentação que está defendendo, por exemplo. É apenas para impressionar o corretor. Não adianta”, sentencia Luana.

Opinião Na prática, os examinadores avaliam através dos argumentos a capacidade do candidato de selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e a defesa de um ponto de vista. Os mecanismos linguísticos usados na construção da argumentação também são considerados.

A conclusão é outro ponto que merece atenção redobrada, principalmente, porque ela é avaliada sozinha. A competência sobre o conhecimento determina que o candidato precisa elaborar uma proposta de intervenção para o problema abordado, e é aí que está a casca de banana. “Os estudantes não podem esquecer que a conclusão precisa estar atrelada à ideia que ele defendeu na Redação ou ficará sem sentido”, contou a professora Bruna.

Além disso, é preciso estar atento a outra questão: os direitos humanos. Quem negligencia esse ponto ou defende na Redação argumentos preconceituosos, fascistas e totalitários, por exemplo, terá a nota zerada. Nos 20 anos do exame, Direitos Humanos, Cidadania e Meio Ambiente dominaram os temas da Redação (veja abaixo).

Bruna Guimarães leciona no Colégio Antônio Vieira, no Garcia, escola onde estudava uma das duas estudantes da Bahia que tiveram nota 1.000 na Redação do ano passado, e contou sobre a importância dos temas. “Sempre discutimos sobre minorias em sala de aula, porque essa é uma questão social presente, e o Enem aborda os problemas sociais. O resultado positivo se deve ao nosso trabalho e à percepção da aluna, que soube explorar os textos de apoio da Redação do ano passado e desenvolver bons argumentos”, disse Bruna (confira abaixo como uma delas fez em 2017).

Ortografia Erros de ortografia também são frequentes, o que compromete a competência que trata do domínio da língua portuguesa e pode custar 200 pontos aos candidatos. A professora Luana Duarte contou que os estudantes têm dificuldades com acentuação e conectivos. “A gramática é de extrema importância. Saber usar os conectivos é fundamental para que o texto tenha coesão e coerência. A melhor forma de aprender a escrever é lendo e escrevendo, por isso, repito: é importante praticar”, afirmou.

No romance Crime e Castigo, do escritor russo Fiódor Dostoievski, lê-se que “para proceder de forma inteligente, a inteligência só não basta”. Além do conhecimento, os candidatos precisam de planejamento, disciplina e foco.

Confira as situações que podem zerar a redaçãoNão atender à proposta solicitada ou que possua outra estrutura textual que não seja a estrutura dissertativo-argumentativa, o que configurará “Fuga ao tema/não atendimento à estrutura dissertativo-argumentativa”. Não apresente texto escrito na Folha de Redação, que será considerada “Em Branco”. Apresente até sete linhas, qualquer que seja o conteúdo, que configurará “Texto insuficiente”. As linhas com cópia de textos motivadores apresentados no Caderno de Questões serão desconsideradas para efeito de correção e de contagem do número mínimo de linhas. Apresente impropérios, desenhos e outras formas propositais de anulação. Apresente parte do texto deliberadamente desconectada com o tema proposto.

Veja os temas das últimas dez redações do Enem

2017 - Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil;

2016 - Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil;

2015 - A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira;

2014 - Publicidade infantil em questão no Brasil;

2013 - Discussão sobre efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil;

2012 - Movimento imigratório para o Brasil no século 21;

2011 - Viver em rede no século 21: os limites entre o público e o privado;

2010 - O trabalho na construção da dignidade humana;

2009 - O indivíduo frente à ética nacional;

2008 - Como preservar a floresta Amazônica: suspender imediatamente o desmatamento; dar incentivo financeiros a proprietários que deixarem de desmatar; ou aumentar a fiscalização e aplicar multas a quem desmatar;

Confira as cinco competências exigidas na redação do EnemDomínio Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa. Compreensão Compreender a proposta e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa. Argumentos Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista. Conhecimento Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação. Intervenção Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.