Um grito de socorro: homem fez refém no metrô para que o escutemos

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  • Da Redação

Publicado em 25 de janeiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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(Ilustração: Morgana Miranda/CORREIO) Li a reportagem. Um homem aleatoriamente toma um refém em um metrô. Para morrer, e não para matar. A cena é pública e coloca diretamente em questão o teatro da vida: para que seu ato se completasse, era preciso o olhar do outro, da polícia, dos passageiros, e mesmo da imprensa. Não se trata de alguém que queria se servir da primeira vítima que encontrou para fazer mal a ela. Ao contrário, o refém não era o fim em si, mas o portador de uma mensagem. Um dos pontos mais complexos na abordagem da violência urbana passa precisamente pela compreensão de que o mal exige muito mais reflexão do que julgamentos precipitados.  (Foto: Reprodução) Conheci essa história apenas pela matéria do jornal, mas não pude deixar de pensar imediatamente em dois aspectos do texto. Primeiro: por que o desenlace foi em uma delegacia e não em algum posto de saúde? E em segundo lugar: por que o sequestrador foi chamado na matéria de criminoso? Por outro lado, nada a reprochar à conduta dos policiais que souberam falar primeiro ao invés de atirar (e mesmo comemorar). Situações como essa do metrô mostram como é importante o resgate da palavra no tratamento da violência na cidade. Com frequência confundimos e colocamos no mesmo saco violência, agressividade e crime. A psicanálise mostra sempre como a agressividade é um grande jogo de espelhos, que muitas vezes agredimos nosso interlocutor imaginário apenas pelo fato deste ser o reflexo das nossas próprias inquietações, e não a causa. 

A palavra – e o gesto de conversar com o outro - é ainda o modo mais eficaz de reduzir a agressividade entre as pessoas, quer seja no confronto político, urbano ou mesmo conjugal. Somos seres de palavra, toda vez que deixamos nossos impulsos tomarem a frente na conversação partimos para uma situação de violência. Na situação em questão, mas maioria das vezes, quando alguém convoca o olhar do outro, ele pede uma certa clemência, ele pede para que seu gesto desesperado não seja visto como criminoso. Não são poucas as histórias de pessoas que fazem algum ato desesperado em público e recebem em espelho a própria agressividade. Quantas vezes já presenciamos cenas de suicidas na marquise de um prédio com a população embaixo gritando para que eles saltem. 

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Alguns aspectos da contemporaneidade estimulam cada vez mais a agressividade sobre si mesmo ou sobre o outro. Tudo nos leva a ficar cada vez mais solitários, na companhia de nossos smartphones que dão a ilusão de comunicação perfeita. Contudo, nem todos suportamos essa solidão mascarada que circula pelo mundo da hiperconectividade. A voz de um outro real, de carne e osso, está cada vez mais difícil de ser encontrada. Percebam como é cada vez mais complicado, quando ligamos para algum serviço de Call center, encontrar uma voz humana do outro lado. Muitas vezes passamos mais de uma hora querendo resolver um problema do telefone, do cartão de crédito ou de uma passagem de avião sem que nenhum humano nos escute. O valor de serviços como o CVV na prevenção do suicídio está precisamente na oferta de uma escuta. Muito provavelmente o homem do metrô pedia apenas isso. Com o retrocesso nas políticas de Saúde Mental, que voltam a se orientar muito mais para a hospitalização do que para a ampliação dos canais de atendimento básico, teremos provavelmente mais casos de pessoas que precisam arrombar nossos ouvidos para que as escutemos.

*Marcelo Veras é Psiquiatra da UFBA e Psicanalista da Associação Mundial de Psicanálise