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Gil Santos
Publicado em 2 de outubro de 2018 às 05:30
- Atualizado há 2 anos
Era manhã de sábado (29) quando o estudante de Engenharia Ambiental Kahel Silva Campos, 22 anos, desembarcou no Aeroporto Internacional de Salvador voltando de Portugal. Mas, ao invés de boas lembranças, ele trazia frustração e decepção na mala – se bem que nem mala tinha no seu retorno.>
Tudo começou há dois anos. Kahel passou a trabalhar como vendedor em uma loja a fim de levantar dinheiro para viajar. Passados os 24 meses, tinha conseguido juntar R$ 12 mil e muita ansiedade pelo desembarque na Europa. Somou ao montante o empréstimo de R$ 10 mil feito pela família e, finalmente, a viagem tão sonhada aconteceu.>
Na última quinta-feira (27), enquanto muitas pessoas comiam o caruru de São Cosme e Damião em Salvador, o estudante embarcava para Portugal. O destino era a cidade do Porto, mas a recepção não foi bem o que ele havia sonhado.“Quando eu cheguei lá (em Porto) fui até o Serviço Estrangeiro de Fiscalização (SEF), mas o oficial que me atendeu me barrou”, contou Kahel.O universitário contou que descobriu no aeroporto que a amiga que o iria abrigar em Portugal estava de forma irregular no país. A descoberta desagradou as autoridades locais, que o colocaram sob suspeita.>
“Quando me encaminharam pro SEF, eu falei com um amigo que é casado com uma portuguesa, e ele disse que poderia fazer uma carta-convite e me encaminhar. Eu esperei por sete horas e meia por uma entrevista. Eles (policiais) perguntaram minha idade, o que eu ia fazer em Portugal, e quanto de dinheiro eu tinha; o que eu fazia no Brasil e como consegui o dinheiro”, contou o estudante.>
Kahel disse que ouviu dos policiais que os 5 mil euros eram muito para quem pretendia ficar apenas dois meses no país e que, mesmo depois de apresentar a carta-convite do casal português, foi mandado de volta ao Brasil.>
Instalações Nos dois dias em que ficou sob custódia da polícia portuguesa, Kahel dividiu um quarto com outros brasileiros que também estavam detidos. O celular e a mala do estudante baiano foram confiscados e ainda não foram devolvidos.“A sala que eu fiquei era praticamente um refeitório de 6 metros, fechado, sem janelas. Só tinha uma área que eles abriam quando queriam. O quarto tinha cinco beliches, mas eu tive que dormir no chão. Tinham 27 pessoas, algumas presas de 5 a 10 dias. Eles não davam estimativa de quando isso ia acabar; só nos mandaram aguardar. Confiscaram nosso celular para não nos comunicarmos com ninguém”, relatou.O estudante pretendia visitar também a cidade de Lisboa, a vila de Nazaré, e a região de Algarves, mas ao invés disso encontrou condições precárias. “Me deram uma toalha pequena para tomar banho. O banheiro só tinha dois boxes, sem as portas. Comigo estavam 27 pessoas, entre elas homens, mulheres e crianças nessa situação”, denunciou.>
Kahel contou que conheceu no alojamento outros brasileiros que também foram barrados, mesmo apresentando carta-convite, e que os policiais disseram que endureceram a política em relação aos turistas depois que cresceu o número de brasileiros em situação ilegal no país – em geral, pessoas que viajaram com muito dinheiro e ficaram morando sem visto.>
Para o estudante, no entanto, a ação foi injusta e motivada por preconceito.“Me senti humilhado e com medo porque não sabia quando ia voltar para o Brasil”, afirmou.Cuidados Advogado e professor de Direito Internacional, Thiago Borges acredita que toda essa confusão poderia ter sido evitada se houvesse mais atenção às regras do país. Ele disse que cada nação é soberana para criar a própria política de imigração e que não existe uma legislação internacional para essa questão.>
“Os brasileiros não precisam de visto prévio para fazer turismo nos países europeus, mas cada país estabelece as regras de como esse processo funciona. O aconselhável é que a pessoa no exterior que vai receber o turista, vá até o Departamento Municipal e informe às autoridades. Isso ajuda a evitar esses transtornos”, disse.>
Segundo o professor, geralmente, os países pedem que o visitante apresente o comprovante da passagem de volta e de hospedagem, que pode ser uma carta de quem vai abrigar o turista ou o recibo de reserva do hotel.>
No caso de quem busca visto permanente, na maioria das vezes é preciso comprovar ter renda suficiente para viver no país ou comprovante de emprego, além do histórico de antecedentes criminais.>
Borges frisou que todo preso em território estrangeiro tem o direito de fazer contato com o consulado ou a embaixada de seu país, e afirmou que as nações são soberanas e, por isso, o Brasil não tem jurisprudência em Portugal.“Qualquer ação por abuso de autoridade, por exemplo, precisa ser movida no país onde houve a violação. Neste caso, em Portugal”, disse.Para evitar transtornos, ele aconselha os brasileiros a procurarem no Brasil o consulado do país para onde pretendem viajar e se informar das regras para ingressar nesses territórios. “Nenhum estado tem obrigação de receber estrangeiros, por isso, precisamos redobrar os cuidados antes de viajar”.>
Em nota enviada ao CORREIO, o Ministério das Relações Exteriores (Itamaraty) informou que tem acompanhado os casos de inadmissão de brasileiros em aeroportos no exterior e que "está à disposição para dar esclarecimentos e orientações para nacionais que se encontram nessa situação.">
*Com supervisão da chefe de reportagem Perla Ribeiro.>