Cabula: DPT diz que não há indício de execução e que houve confronto na Vila Moisés

Já de acordo com MPE, laudos cadavéricos apontam que houve execução; parte dos disparos foi realizada de cima para baixo

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  • Bruno Wendel

Publicado em 29 de maio de 2015 às 09:46

- Atualizado há um ano

Após nove horas, o Departamento de Polícia Técnica (DPT) concluiu, ontem, às 9h, a reconstituição da ação policial que terminou com 12 pessoas mortas e seis feridas na comunidade de Vila Moisés, no Cabula, e em seguida informou que há indícios de que as mortes foram resultado de um confronto. A informação vai de encontro à investigação independente do Ministério Público Estadual (MPE), que denunciou nove PMs pelos crimes de homicídio triplamente qualificado e tentativa de homicídio, cometidos no dia 6 de fevereiro deste ano. (Foto: Arisson Marinho/ CORREIO)A denúncia do MPE já foi encaminhada ao juiz Vilebaldo Freitas, titular do 1º Juízo da 2ª Vara da Comarca de Salvador. Ela foi baseada nos laudos do próprio DPT, informações das investigações do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e da Corregedoria da Polícia Militar, além de depoimentos de testemunhas e dos acusados. A reconstituição, que começou às 19h de quarta-feira, foi comandada pelos peritos criminais do DPT  Isaac Queirós e José Carlos Montenegro, que não encontraram, a princípio, indícios de execução. “A gente não vê, até agora, nenhum indício. Tanto os sobreviventes como os policiais relatam o confronto”, disse Queirós.Questionado sobre a possibilidade de o comportamento dos sobreviventes ter sido influenciado pela presença dos nove policiais acusados na reconstituição, ele respondeu: “Não, porque os depoimentos foram realizados separadamente e coincidem com as provas objetivas, que são os laudos, como o de balística e análise do local”. No entanto, a denúncia do MPE diz que os laudos cadavéricos apontam que houve execução, já que parte dos disparos nos mortos foi realizada de cima para baixo. Ainda segundo a denúncia, os 12 mortos foram atingidos por 70 tiros e os feridos, por 18. Além disso, alguns mortos apresentam perfurações nas palmas da mãos, braços e antebraços. “Os laudos sugerem muitas interpretações, porque você não sabe a posição do corpo exatata na hora dos disparos”, disse Isaac, emendando, em seguida, que só a reconstituição dos fatos pode determinar a posição de cada pessoa envolvida no episódio.Interpretação“É uma interpretação de laudo e conjuntura. Li todos os laudos e nenhum deles menciona tiro a curta distância, que  chama  zona de esfumaçamento – fuligem da arma impregnada nas roupas – ou zona de tatuagens – quando a pólvora queima a pele”, emendou  Montenegro.  Durante a simulação, os peritos disseram que houve  contradições. “Divergências que não comprometem, do tipo lapso de memória, a exemplo da informação de uma das testemunhas que o fato aconteceu às 21h, sendo que a situação foi registrada na madrugada do dia seguinte, por volta da 1h. Nada que comprometa a conclusão”, disse Montenegro.Segundo ele, o resultado da reconstituição sairá em 30 dias. “A gente vai analisar os laudos, estudar minunciosamente, mas a tendência é de que houve troca de tiros”, declarou Montenegro, reafirmando o provável resultado do laudo. “Nós entendemos que a simulação dos fatos é peça importante para o inquérito. A gente entende que foi um trabalho muito elucidativo”, finalizou Queirós.Procurado, o MPE informou que só vai se pronunciar sobre o caso depois de sair a decisão judicial.ReconstituiçãoSegundo o delegado José Alves Bezerra, diretor do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), cerca de 150 pessoas participaram da reconstituição – sendo 70 policiais civis, além de representantes da Corregedoria Geral da Secretaria de Segurança Pública, da Corregedoria da Polícia Militar, Defensoria Pública, além de quatro delegados do DHPP, policiais militares e figurantes.Questionado se os policiais investigados participaram da reconstituição, o delegado respondeu: “Todas as pessoas envolvidas no episódio estão aqui e estão colaborando”, declarou Bezerra. Em alguns momentos, alguns PMs usavam máscaras do tipo brucutu. Toda a área do entorno da Vila Moisés foi cercada por policiais, com barreiras de carros, motos, outros veículos oficiais  da Secretaria da Segurança Pública.A simulação contou com 20 cenas, que foram desde o momento em que uma das três guarnições envolvidas no episódio entrou na Rua Fernando Pedreira, que dá acesso à Vila Moisés, até o momento dos disparos. Na versão dos policiais, os confrontos começaram na rua da panificadora Panical, transversal da Rua Major Vitorino Palma, onde o sargento Dick Rocha de Jesus foi atingindo, de raspão, na cabeça. Em seguida, um grupo de policiais teria sido surpreendido por homens armados em um beco já na Vila Moisés. Por fim, o confronto teria ocorrido no campo de futebol, onde 12 pessoas morreram e 6  ficaram feridas.

Durante a  reconstituição, os peritos atuaram em cima de dez versões, baseadas nos relatos de acusados e testemunhas – das seis, apenas quatro compareceram, pois um é adolescente e outro é procurado pela polícia. O motivo não foi explicado. Alguns aspirantes a PMs que atuaram como figurantes usaram roupas do Exército como, disse a polícia, estavam vestidos alguns dos mortos, que usariam o traje para realizar uma explosão a caixas eletrônicos – plano do qual a polícia alegou ter tido conhecimento pelo serviço de inteligência e que teria motivado a operação. 

AmeaçaO advogado que representa quatro dos seis sobreviventes, Kleber Andrade, disse que seus clientes estavam temorosos durante a reconstituição na Vila Moisés. Segundo ele, os seus clientes ainda se sentem sob ameaça. Eles  apresentam sequelas das balas, um deles tem marcas visíveis: ainda manca e tem uma atadura no braço direito. O advogado explica ter garantido a soltura dos envolvidos após três meses de detenção. Após a operação, todos respondem por porte ilegal de armas e tráfico de drogas e há um que responde por tentativa de homicídio por conta do policial ferido. 

O advogado nega que ele sejam criminosos. “Um estava vindo da casa da namorada, o outro estava indo comprar uma maconha, o outro estava de passagem por morar na região”, relata Kleber, que diz que eles correram ao perceber  outras pessoas correndo. 

ONGsA conclusão preliminar do Departamento de Polícia Técnica (DPT)  foi criticada por entidades de defesa dos Direitos Humanos. O líder do movimento Reaja ou Será Morto, Reaja ou Será Morta, Hamilton Borges, disse que o resultado era esperado, mas garantiu que continuará pressionando para que o caso tenha um “desfecho mais verdadeiro”.

“É obvio que ia ter esse tipo de resultado, porque o governo resolveu politizar uma questão jurídica. Agora cabe a nós chamar a atenção dos órgãos de defesa dos direitos. Por que eles estão em silêncio? Sobretudo órgãos do próprio governo. Essa foi uma ação racista”, disse Borges.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-BA) afirmou que aguarda uma posição formal para se posicionar. A coordenadora geral da ONG Justiça Global, Sandra Carvalho, criticou a apuração do DPT. Para ela, o resultado não foi isento. “Acreditamos que deve prevalecer a investigação do Ministério Público, por ser uma instituição isenta, ao contrário da polícia. É lamentável que a polícia não tenha mais rigor em suas investigações”, comentou. A Anistia Internacional informou que “recolheu relatos de moradores que revelam fortes indícios de execução”.