Assine

Guerra do sexo: naturistas encampam batalha contra o suingue em Massarandupió


 

Associação que administra praia de naturismo no Litoral Norte da Bahia quer impedir sexo na areia da praia

  • Alexandre Lyrio

Publicado em 18/05/2017 às 05:30:00
Atualizado em 17/04/2023 às 02:58:04

(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)Imaginem um paraíso de dois quilômetros de extensão. Agora, imaginem esse paraíso transformado em um campo de batalhas. Agora, imaginem todos os soldados destas batalhas sem roupa, completamente nus. Está acontecendo em Massarandupió, a 93 quilômetros de Salvador. Pelo fim do sexo na faixa de areia, naturistas tradicionais têm lutado contra a presença de casais que praticam suingue e contra festas liberais na localidade. 

Famosa no mundo inteiro pela prática do naturismo, Massarandupió é palco de uma contenda que envolve dois ou, a depender do ponto de vista, mais lados. O grupo que hoje administra a praia, a Associação Massarandupiana de Naturismo (Amanat) acusa as pousadas e outros estabelecimentos  de incentivarem o sexo, inclusive na praia.

No dia 30 de abril, um casal chegou a ser preso e levado para a delegacia de Alagoinhas por uma guarnição da 56ª Companhia Independente da Polícia Militar (CIPM/Entre Rios). Depois do fato, a Amanat intensificou o combate ao sexo em público e notificou o Ministério Público. O MP, então, convocou audiência para hoje e pediu que a prefeitura elaborasse um projeto de lei para regulamentar a prática.

Despido de preconceitos, o CORREIO visitou a praia de naturismo. Às margens da lagoa contígua à praia, o presidente da Amanat, César Xisto, ataca as pousadas liberais. “O principal inimigo do naturismo é o comércio do sexo. E esse comércio está crescente em Massarandupió. Eu vou lutar contra isso até o fim. Nosso objetivo é a erradicação da prática do sexo aqui”, avisa, apontando para as placas com  as regras de convivência.

César quer mais policiamento na praia e defende a criação de um projeto de lei municipal para regulamentar o funcionamento do naturismo. Um anteprojeto já existe. Elaborado pela procuradoria de Entre Rios, ele será apresentado na audiência de hoje, às 14h. “As principais propostas são a proibição de eventos com conotação sexual e a proibição do nome naturismo em pousadas liberais”, explica o procurador Brígido Nunes Neto.

'Sexo aqui não’Um decreto municipal de 1999 autoriza a prática do naturismo. Além do código de ética, tanto na praia quanto na lagoa, placas deixam claro as regras: “Sexo aqui não!”. O lema da Amanat resume bem os princípios: naturismo familiar, ecológico e ético. Para esquentar ainda mais a celeuma, as duas únicas barracas que funcionam na praia naturista rivalizam em relação ao tema.

Separadas por menos de 100 metros, uma defende os princípios do naturismo ao qual César faz parte. A outra, ao que parece, acredita que se possa conviver com o suingue. “O problema é que isso não acontece. Parte dos casais não se priva do exibicionismo”, destaca César. O proprietário da Barraca do Juvenal concorda. “Algumas pessoas têm uma visão deturpada do naturismo. A questão sexual está muito avançada aqui”, diz Jânio Gonçalves, 32 anos.  

O dono da Barraca do Chef Eládio, ao lado, se negou a falar. Além da prefeitura e do MP, a polícia também entra na briga. “Existe um grupo adepto à prática do naturismo e um ligado ao turismo sexual. Se for área pública, não vamos permitir sexo. Se todos respeitarem isso, todos podem conviver bem”, diz o major Ivan Paulo, comandante da 56ª CIPM.  (Foto: Evandro Veiga/CORREIO)O outro ladoMas muitos dos acusados pela Amanat se defendem. Além de acreditar que a prisão do casal foi forjada, quem acolhe os hóspedes argumenta que não pode abrir mão deles. Além disso, dizem que os frequentadores costumam manter o respeito na praia. “Orientamos eles a cumprir as regras fora daqui. Só não posso obrigá-los a não fazer sexo”, diz a dona de uma pousada, sob anonimato.

“Isso é ridículo. Somos totalmente contra o sexo explícito na praia. Eles é que querem desvirtuar”, diz Davi Andrade, dono do Espaço Liberdade.

Há quem defenda os dois lados. “Muita gente desvirtua. Aqui não é lugar de sexo”, defende um visitante, que costuma ir ao local com a esposa e o filho. “Eu não me privo de, dentro do maior respeito e distante das famílias e outros frequentadores, ter uma relação completa”, admite outro.

TermoA Amanat também considera que algumas pousadas utilizam o termo “naturismo” de forma desvirtuada. “Essas pousadas não podem usar a palavra ‘naturismo’ em seus letreiros. Está errado. Naturismo não tem nada a ver com troca de casais”, explica César Xisto que, dos seus 72 anos, já dedicou 52 ao naturismo.

A Amanat também bate de frente com as pousadas que realizam festas com trocas de casais, a exemplo do Forró Nu, sucesso ano passado e com segunda edição marcada para 17 de junho. “Aqui é um ambiente privado. Os casais que aqui frequentam respeitam as regras da praia”, defende-se Davi Andrade, o organizador.

A guerra parece não ter data para acabar. Enquanto isso, César Xisto recorre ao Código Penal. “O Artigo 233 define como atentado ao pudor esse tipo de prática em área pública”. O outro lado pondera. “Ele não pode chegar aqui e querer mandar em tudo. Ele tirou nossa paz”, diz o dono de uma pousada. Miguel Calmon Gama é presidente da Abanat(Foto: Jefté Rodrigues/CORREIO)‘Sempre convivemos bem’, diz criador de áreaUm dos fundadores da praia de naturismo de Massarandupió discorda da postura da Associação Massarandupiana de Naturismo (Amanat). Ele acredita que a atual gestão está “criando uma celeuma onde não existe”.

O naturista Miguel Calmon Gama, 68 anos, que também é presidente da Associação Baiana de Naturismo (Abanat), diz que o naturismo sempre conviveu bem com os praticantes do suingue: “Sempre existiu isso e sempre convivemos bem. Basta estar aberto ao diálogo e conversar com o pessoal. No caso de um casal mais exaltado, chama-se a atenção e pronto. Não precisa de nada disso”.

A Amanat e a Abanat são filiadas à Federação Brasileira de Naturismo (FBRN). Em 2014, a Amanat passou a gerir o espaço, tendo César Xisto como presidente. Já Miguel Gama tornou-se presidente da Abanat.

Sobre a criação de um projeto de lei que regulamente o funcionamento da área naturista, Miguel também não vê necessidade. “Para que lei municipal se já existe um decreto? Estamos protegidos. A não ser que tenha algo por trás de tudo isso. Acredito que ele esteja a serviço de uma grande corporação que quer criar um resort em Massarandupió. Seria o fim do naturismo na Bahia”, declara.