Ruy Espinheira, homenageado pela Flica, fala sobre carreira

Festa Literária Internacional de Cachoeira acontece de quinta (5) a domingo (8)

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  • Roberto Midlej

Publicado em 2 de outubro de 2017 às 06:05

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva

A Festa Literária Internacional de Cachoeira - Flica chega neste ano à sétima edição, que começa quinta-feira e vai até domingo. O evento, que já homenageou, entre outros, Ana Maria Machado e Mãe Stella, agora homenageia o escritor baiano Ruy Espinheira Filho.

Ruy Espinheira, 74 anos, é autor de livros de poemas como Heléboro (1974) e Sob o céu de Samarcanda (2009), indicado ao Prêmio Portugal Telecom. Entre seus romances, estão Ângelo Sobral Desce aos Infernos (1986) e Um Rio Corre na Lua (2007). O escritor vai participar de um bate-papo com o público na sexta-feira, numa conversa intermediada pela poetisa Mônica Menezes. Ruy vai falar sobre sua experiência como professor e escritor, além de lembrar dos tempos em que atuou como jornalista.

Nesta conversa com o CORREIO, Ruy fala sobre a homenagem que está recebendo, a importância de instituições como a Academia de Letras da Bahia (da qual ele faz parte) e a época em que escreveu colaborou com o Pasquim.

Qual a importância de eventos como a Flica, onde se discute literatura? E o que sigifica para você ser homenageado?

Me sinto honrado porque acho que a Flica vem fazendo coisas positivas há anos e já até participei de um debate em 2012. Então, para mim é muito honroso. Falar de literatura é muito importante principalmente num país como o nosso e especialmente na Bahia porque pouco se fala de literatura aqui. Então, é muito bom que se fale de literatura e arte. E é muito bom para os jovens, que vão ter acesso a autores que labutam nesse ofício e que os ajudarão nesses aspectos de se aproximar das obras e da reflexão. É uma festa para elevar o nível cultural da população e das pessoas que saem de outros lugares e vão até lá.

Como foi sua experiência nas redações de jornais?

Fiquei um tempo sem saber o que seguir exatamente como profissão. Estudei direito - meu pai era um grande advogado -, mas só estudei até o segundo ano. Mas também estava começando a escrever para a Tribuna da Bahia e decidi então fazer jornalismo porque era também uma maneira de sobreviver. Fui copidesque da Tribuna, depois subeditor, editor... isso foi na época de João Ubaldo Ribeiro. Mas não me acho propriamente um jornalista, mas trabalhei como cronista, colunista e aprendi muito no jornalismo. Atuei mais internamente, nas redações, fiz poucas reportagens.

Há uma relação próxima entre arte e literatura? 

Literatura não tem nada a ver com jornalismo. Literatura é arte. Mas muita gente que faz literatura já passou por jornal porque esse, como disse, é um meio de sobrevivência. João Ubaldo Ribeiro foi repórter, Florisvaldo Mattos é grande poeta, ensaísta e jornalista. Mas ressalto que jornalismo não é literatura. É um outro trabalho, que é investigativo, opinativo, intepretativo... não é criação. Aliás, se o jornalista cria, está criando um problema. Não se pode fazer literatura na reportagem.

O senhor colaborou com o Pasquim por alguns anos. Qual a importância daquela publicação para a cultura e para o jornalismo brasileiros?

Comecei no Pasquim em 1976, quando estive no Rio de Janeiro e lá conheci Jaguar, que dirigia o Pasquim. Ele me convidou para ser correspondete aqui na Bahia e eu fazia umas notas para as colunas do jornal. O Pasquim foi um fenômeno maravilhoso, reunia muita gente boa numa época em que as coisas iam muito mal em relação à liberdade e à criação. O Pasquim foi um jornal brilhante, que reunia gente de primeira categoria, desenhando e escrevendo para lá. Era uma maravilha, fora do comum. E trouxe um formato inovador de entrevista com pergunta e resposta, que praticamente não se fazia no Brasil. O Pasquim revolucionou nesse aspecto. Acho que é o melhor formato de entrevista e está consagrado.

Uma tese desenvolvida por uma estudante da Uefs (Universidade Estadual de Feira de Santana) analisa a presença da melancolia em sua obra. O senhor considera esse um traço marcante da sua criação?

Isso é uma marca da vida, não é, companheiro? Só um débil mental fica rindo o tempo todo... Todos nós temos melancolia na nossa vida. E esta é uma marca da minha literatura como é marca da literatura de quase todo mundo, assim como a alegria, o amor, a indignação, a revolta... e tem também a questão da memória. Mas esse é um aspecto da minha literatura a que se prendem muito porque as pessoas hoje estão muito preocupadas com 'o quê' e não com o 'como'. Muitas vezes perguntam 'esse romance é sobre o quê?'. Mas romance nenhum é sobre algo. Um romance é um romance e pronto. Não faço projeto de produzir uma determinada obra, mas a literatura é uma coisa que ocorre. Mas a leitura dela está certa, afinal a leitura é de cada um, né?

Qual a importância de instituições como a Academia Brasileira de Letras (ABL) e da Academia de Letras da Bahia?

A Academia Brasileira de Letras faz muita coisa porque é rica. Faz cursos, exposições... e tenho até um livro sobre Manuel Bandeira coeditado pela ABL, que é uma instiuição muito importante para a cultura do Brasil. E a Academia de Letras da Bahia faz cursos, promove debates e realiza premiações literárias. A ABL tem 40 membros e tem muita gente brilhante, além de outros nem tão brilhantes assim. A ABL deve ter meia dúzia de gente de primeira categoria; o resto, não. Mas estar numa Academia nunca foi meu projeto.

O senhor concorda que os brasileiros realmente leem menos que outros povos? Se concorda, por que isso acontece?

A gente lê pouco, por várias razões. Leitura sempre foi algo para pouca gente no mundo todo, mas no nosso caso o problema é mais agudo porque a educação é de baixo nível e o governo não se dedica à educação, que é tratado como algo menor. Além disso, o governo não investe em cultura, ao contrário do que ocorre na Europa e nos Estados Unidos. Há até quem ache que investir em cultura é jogar dinheiro fora. Se o governo gasta R$ 50 mil num produto cultural, dizem que se gastou muito, mas se o gasto é em algo populista, há quem ache ótimo, porque dá mídia, dá notícia. Há cantor que recebe R$ 500 mil para um show de axé, mas quem tenta fazer um filme leva anos para arrancar um dinheiro... Nós nunca lemos muito, mas hoje se lê ainda menos.