Uma camisa de peso que já não pesa tanto
Escrevi, há pouco mais de um mês neste mesmo espaço, que o futebol tem hierarquia. Era uma crítica ao ranking da Fifa, que deu a seleções pouco relevantes mundialmente o status de cabeça de chave na Copa do Mundo da Rússia-2018. Este mesmo ranking também influenciou no cenário surpreendente desta semana: a Itália está fora da Copa, o que não acontecia desde 1958.
Esta é a terceira vez que os italianos ficarão fora do Mundial: além de 1958, a outra foi em 1930, quando apenas quatro seleções europeias participaram, por causa da viagem de navio até o Uruguai, sede daquele Mundial. Para a Rússia-2018, dois fatores pesaram: a falta de capacidade da geração italiana e o ranking da Fifa, que deixou a Itália no pote 2 no sorteio das Eliminatórias, realizado em julho de 2015. Na época, pelos critérios da Fifa, a poderosa Romênia e o tradicional País de Gales - que só jogou uma Copa na história (1958) - foram cabeças de chave do sorteio, enquanto a tetracampeã mundial Itália e a campeã França não. E assim a Itália caiu no grupo da Espanha e a França ficou na mesma chave da Holanda, outra potência fora da próxima Copa.
O ranking é absurdo, mas reclamar agora não adianta. A Itália, apesar de ter somado 23 pontos dos 30 possíveis nas Eliminatórias, jogou a repescagem porque ficou atrás da Espanha no grupo. Teve uma segunda chance e, em 180 minutos, não conseguiu fazer um gol na Suécia. O futebol italiano chegou ao fundo do poço.
Conhecendo a paixão do povo italiano pelo futebol, imagino que o sentimento por lá seja próximo ao que se sentiu por aqui após o 7x1 para a Alemanha. Vergonha, frustração, desesperança. Depois do seu último título mundial, em 2006, a Itália só fez descer a ladeira. Na Copa de 2010, foi eliminada na primeira fase como lanterna de um grupo com Paraguai, Eslováquia e Nova Zelândia. Em 2014, no Brasil, outra queda na fase de grupos, dessa vez em uma chave forte, que tinha também Uruguai, Inglaterra e Costa Rica (a Costa Rica avançou ao lado dos uruguaios). E embora a Juventus se mantenha forte nas competições continentais, a liga italiana perdeu o peso de outrora. Se antes só ficava atrás do Campeonato Espanhol em importância, já há alguns anos ficou para trás na comparação com o Inglês e o Alemão.
Talento individual ofensivo nunca foi o forte da seleção italiana. Os meias Roberto Baggio e Totti são raros ídolos em um país que tem a maior escola defensiva do futebol mundial, recheado de craques do meio para trás, como Dino Zoff, Buffon, Baresi, Maldini e Cannavaro. Mas a mudança promovida pelo técnico Gian Piero Ventura para a repescagem, tirando o meia Insigne, que é o jogador de maior capacidade criativa da equipe, deixou até o italiano mais tradicionalista e defensor da retranca sem entender.
O futebol continua tendo hierarquia, mas ela sozinha não resolve – ainda mais com esse ranking da Fifa criando parâmetros fora da lógica. A Itália não vai à Copa porque não teve força, justamente o que nunca havia faltado à “squadra azzurra” mesmo em seus piores momentos. Uma ausência de peso na Rússia, ainda que, pelo visto, o peso da camisa já não seja o mesmo.
Herbem Gramacho é editor de Esporte e escreve às quintas-feiras