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Cloroquina derruba mais um ministro da Saúde


 

Nelson Teich deixa cargo quando Bolsonaro diz que vai ampliar autorização para uso do medicamento

  • Da Redação

Publicado em 16/05/2020 às 06:00:00
Atualizado em 21/04/2023 às 04:56:04
. Crédito: Foto: Erasmo Salomão/MS

Existem muitas dúvidas a respeito da eficácia da cloroquina no combate aos sintomas da covid-19, entretante os últimos dois meses não deixam dúvidas quanto ao efeito do medicamento na sobrevida de ministros da Saúde no Brasil. Um mês após se despedir de Henrique Mandetta, que se opunha ao uso do medicamento como desejava, o presidente Jair Bolsonaro viu nesta sexta-feira outro médico pedir o chapéu. O agora ex-ministro da Saúde Nelson Teich anunciou a sua demissão algumas horas após Bolsonaro avisar apoiadores que o Ministério da Saúde iria passar a recomendar uso da cloroquina nos estágios iniciais da infecção pelo novo coronavírus. 

Desde que assumiu o Ministério da Saúde, Nelson Teich vinha assistindo calado o presidente impor a sua própria agenda no combate à pandemia da covid-19. Ele chegou a externar posições sobre a necessidade de se manter uma política de isolamento, mas sem a contundência de seu antecessor, Henrique Mandetta. Na última terça-feira, quando o presidente, sem lhe avisar, acrescentou os salões de beleza, barbearias e academias entre as atividades essenciais, Teich ainda conseguiu engolir o susto e ser diplomático. Respondeu apenas que cabia ao presidente definir as atividades essenciais e que ao Ministério da Saúde caberia ajudar para que houvesse o mínimo de riscos à saúde na implementação das medidas. 

O ex-ministro suportou também o fato de não ter conseguido montar a sua própria equipe, uma vez que seus auxiliares diretos foram todos indicados diretamente pelo presidente da República – a maioria dos nomes, militares de alta patente. Um deles assumiu o ministério interinamente, o general Eduardo Pazuello. 

As discordâncias entre Bolsonaro e Teich começaram quando o ex-ministro anunciou que a diretriz do governo para orientar estados e municípios em relação às medidas de distanciamento previa o bloqueio total, conhecido como “lockdown”, medida que contraria o presidente, favorável à reabertura da economia.

Saída discreta O oncologista Nelson Teich agradeceu a sua equipe ao se despedir do Ministério da Saúde. No discurso que durou cinco minutos e 35 segundos, ele não explicou o motivo para a saída do cargo. “A vida é feita de escolhas e hoje eu escolhi sair. Não é uma coisa simples estar a frente de um ministério como esse em um período tão difícil. Agradeço ao meu time que sempre esteve ao meu lado. É um trabalho de um grande time”, disse ao lado do agora ministro interino Eduardo Pazuello."Deixo um plano de trabalho pronto para auxiliar os secretários estaduais e municipais, prefeitos e governadores"  Nelson Teich Ex-ministro da Saúde Durante sua fala, Teich defendeu a importância de articulação com estados e municípios e afirmou que deixou  diretrizes para orientar a tuação desses gestores. Segundo ele, essa articulação é “essencial” para conduzir a saúde no país. “Deixo um plano de trabalho pronto para auxiliar os secretários estaduais e municipais, prefeitos e governadores a tentar entender o que está acontecendo e definir próximos passos”, destacou.

Apesar da referência, a articulação falha do ministro com gestores estaduais e municipais foi um dos elementos de seu isolamento na pasta. Na quarta-feira, Teich desistiu de apresentar a matriz de isolamento proposta pelo ministério após não conseguir consenso diante da proposta.

Teich evitou polemizar sobre a decisão de sair e apenas agradeceu o presidente Bolsonaro pela “oportunidade” de atuar no SUS.

Panos quentes Os ministros da Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo)  minimizaram o pedido de demissão de Nelson Teich do Ministério da Saúde, dizendo que foi por “questões de foro íntimo”.  Ramos e a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) também defenderam a utilização da cloroquina contra a covid-19, mesmo sem evidências de sua eficácia. 

“O ministro Teich saiu por questões de foro íntimo. Conversou hoje com o presidente, conversa amigável, conversou comigo e outros ministros. Sem problema nenhum. São posições diferentes”, disse Braga Netto, em entrevista coletiva no Palácio do Planalto.

Ramos disse ter conversado com Teich nesta sexta e relatou que ele estava “sereno”. O ministro ainda reforçou que a saída ocorreu por “uma decisão de foro íntimo”. 

Os ministros também ressaltaram acreditar que mudanças pontuais no ministério não seriam um problema. 

O ministro da Economia, Paulo Guedes, que também participou da entrevista, disse "absolutamente natural" um presidente trocar um ministro se tiver discordância com eles

“Se tem um presidente que tem uma orientação, o ministro tem outra, quem tem voto é o presidente, quem sai é o ministro. É absolutamente natural isso, e não há nada de anormal nisso. O anormal seria o contrário, sair o presidente”, destacou Guedes.

Três conflitos 

Cloroquina O médico alertou que não há comprovação científica de eficácia ou sobre os efeitos colaterais do uso da cloroquina. Na manhã de sexta (dia 15), o presidente afirmou que o protocolo de uso do medicamento seria alterado, poucas horas antes do pedido de demissão do ministro 

Serviços essenciais Na última terça-feira (dia 11), o presidente Jair Bolsonaro publicou um decreto ampliando o número de atividades consideradas essenciais, sem consultar o seu ministro da Saúde. Teich tomou conhecimento durante um encontro com a imprensa de que Salões de beleza, barbearias e academias passaram foram incluídos na lista   Isolamento  Enquanto Bolsonaro vinha defendendo a necessidade de flexibilizar as políticas de isolamento, o ex-ministro dizia que ainda não era hora de pensar nisso

Defensora de medicamento está cotada para o cargo Nise Yamaguchi defende o uso de medicação em todos os estágios da covid-19 (Foto: divulgação) Apontada como principal consultora do presidente Jair Bolsonaro a respeito do uso da hidroxicloroquina e da azitromicina no combate ao coronavírus, o nome da imunologista Nise Hitomi Yamaguchi voltou a dominar os bastidores de Brasília após anúncio da demissão do ministro da Saúde, Nelson Teich. Ela passou a manhã no terceiro andar do Palácio do Planalto, de onde despacha o presidente.

Há pouco mais de um mês, a médica passou a integrar o comitê de crise do governo federal contra a pandemia. Desde então, vem defendendo “evidências científicas” de que a medicação ajuda no “tratamento precoce” da doença.

O mais provável, no entanto é que o novo titular da Saúde ingresse no ministério já com uma flexibilização nas regras para o uso do medicamento. Ministro interino, Eduardo Pazuello, recebeu a ordem do presidente para avalizar o protocolo que permite o uso do medicamento ainda nas fases iniciais da infecção pelo novo coronavírus. Atualmente, a pasta orienta a prescrição da substância apenas em casos moderados ou graves.

O que se sabe sobre o uso da cloroquina? O que é  A cloroquina e a hidroxicloroquina são dois compostos usados no tratamento da malária, para reduzir febre e inflamação

Hipótese  O médico francês Didier Raoult sugere o uso da cloroquina associada à azitromicina (um antibiótico) no tratamento da covid-19, baseando-se em dois testes realizados por ele

Outros estudos Diversos estudos realizados ao redor do mundo foram incapazes de comprovar eficiência do medicamento 

Críticas  Cientistas criticam número baixo de testes feitos por médico francês

Efeitos colaterais Sabe-se que pode causar problemas nos olhos, rins e do coração.

Repercussão internacional

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‘Foi um mês perdido’, lamenta Mandetta O ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta classificou a nova baixa na pasta, anunciada nesta sexta-feira, 15, como uma perda de tempo durante a pandemia de covid-19. “A única coisa que sei é que foi um mês perdido, jogado na lata do lixo”, disse ao Estadão.  A exemplo de Mandetta, Nelson Teich deixou o governo após confrontos com o presidente Jair Bolsonaro sobre a melhor estratégia de combate à pandemia do coronavírus.

Para o ex-ministro, que ocupou o cargo de janeiro do ano passado até abril deste ano, ainda não é possível fazer um prognóstico sobre como ficará o combate ao avanço da doença no Brasil.

Mais cedo, logo após a notícia da demissão de Teich, Mandetta foi ao Twitter desejar “força” ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Congresso reage com indignação e descrença Os líderes partidários na Câmara e no Senado demonstraram incredulidade e irritação após o anúncio que Nelson Teich pediu exoneração do posto após menos de um mês como ministro. 

Na Câmara, as reações foram de irritação. O líder do DEM, deputado Efraim Filho (PB) afirmou que Teich vai “sem deixar saudade”, passando a impressão de que nunca assumiu. O presidente do Solidariedade, deputado Paulinho da Força (SP) disse que “saiu quem não tinha entrado”.  O deputado  pontuou que o médico não conseguia expor suas ideias e nem lidar com a imprensa. Paulinho também criticou a postura do presidente da República, que ignora recomendações técnicas de médicos. 

No Senado, o sentimento foi de incredulidade. Líder do PDT, o senador Weverton (MA) disse que a saída do segundo ministro em menos de um mês é “inacreditável”. 

Jonas Donizette (PSB), presidente da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), lamentou a situação e disse que o Brasil não merecia passar por este momento.  "Essa descontinuidade administrativa é muito ruim e prejudicial. A saída do ministro Nelson Teich dificulta ainda mais a relação com o governo federal para o enfrentamento ao coronavírus"  ACM Neto  Prefeito de Salvador e presidente nacional do DEM"O gesto demonstra mais uma vez a insensibilidade, a intolerância e a incapacidade do presidente Jair Bolsonaro de compreender a dimensão do cargo que ocupa"   João Dória  Governador de São Paulo"O ministro Teich saiu por questões de foro íntimo. Conversou hoje com o presidente"  Walter Braga Netto Ministro da Casa Civil"Me perdoem, façam uma pesquisa, as pessoas estão sendo curadas, sim  (com a cloroquina)" Luiz Eduardo Ramos Ministro da Secretaria de Governo"Vai ser difícil encontrar um ministro capaz de lidar, ao mesmo tempo, com a crise sanitária e com Jair Bolsonaro"  Paulinho da Força Deputado federal, líder do Cidadania"Mais um médico que não abandona a ciência e se insurge contra um Presidente que nos leva para uma situação insustentável"  Fabiano Contarato Senador (Rede-ES)"O governo não tem planos  para combater a pandemia"  Bruno Araújo  Presidente nacional do PSDB