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Marcio Luis F. Nascimento: por que o escudo do Bahia é único?


 

  • Marcio L. F. Nascimento

Publicado em 18/09/2014 às 14:17:00
Atualizado em 14/04/2023 às 06:20:47

Futebol é realmente uma grande paixão para boa parte dos brasileiros, e não poderia ser diferente na boa terra, onde há grandes times, que levantam as massas, fazem vibrar mais forte os corações. Um deles em particular, além de sua bela história de títulos, glórias e conquistas, enorme e alegre torcida, abrangendo todas as culturas e classes que se encontram na Bahia, tem um escudo (ou distintivo) diferente dos demais clubes no Brasil e no mundo...

Sob o slogan de “Nasceu para Vencer”, surgiu em 1931 o Esporte Clube Bahia. Historicamente, foi Raimundo Magalhães quem tratou de criar o escudo tricolor em fins de 1930. No entanto poucos sabem que este foi baseado no antigo escudo do Sport Club Corinthians Paulista de 1919 (houve outros quatro distintivos distintos antes), de acordo com o livro “Os Distintivos de Futebol Mais Curiosos do Mundo”, de Luiz Fernando Bindi e José Renato Sátiro Santiago Jr. (Panda Books, 2011). Foto: Reprodução/FacebookDe fato, se observarmos bem a parte central, os escudos são parecidos: os distintivos com ambas bandeiras de estado encontram-se centralizados, com nome completo e ano de fundação. De acordo com Bindi e Santiago Jr., isso foi um dos motivos de o Corinthians se tornar popular. No caso do Bahia, foram trocadas as cores (preto por azul), a bandeira no centro (de São Paulo pela da Bahia) e o ano de fundação (1910 – Corinthians por 1931 – Bahia). As famosas âncora e remos corintianas foram acrescentadas pelo pintor modernista Francisco Rebolo Gonsales (1902-1980) apenas em 1933. Ainda sobre o Bahia, acima do escudo existem duas estrelas que representam as conquistas da Taça Brasil (1959) e do Campeonato Brasileiro (1988).Mas o que torna tal escudo diverso dos demais é um pequeno detalhe, pois a bandeira da Bahia se reproduz dentro do distintivo, apresentando auto-semelhança, caso raro nos demais escudos de clubes. Esta estrutura tem similaridade com diagramas e esquemas visuais que os matemáticos denominam de fractais.

O termo vem do latim ‘fractus’, significa irregular, quebrado, fraturado, descontínuo, e foi definido no livro “The Fractal Geometry of Nature” (numa tradução livre, “A Geometria Fractal da Natureza”, 1982) do matemático francês Benoît B. Mandelbrot (1924-2010). Um dos mais belos e simples fractais pode ser facilmente feito utilizando apenas papel e lápis. Basta riscar uma linha reta. A partir deste segmento de linha, desenhe uma nova linha abaixo, porém dividida em três partes iguais, onde a do meio é retirada. Para cada uma destes dois novos segmentos de linha (chamadas de cópias, de tamanho reduzido a um terço), repita abaixo destas a mesma operação, obtendo-se novos segmentos intercalados, e assim por diante.Tal figura resultante é conhecida hoje como “Conjunto de Cantor”, em homenagem ao matemático alemão Georg Ferdinand Ludwig Philipp Cantor (1845-1918), quem a descreveu num artigo científico em 1883. No entanto esta mesma estrutura também havia sido descrita de forma independente por ao menos outros três matemáticos: o britânico Henry John Stephen Smith (1826-1883) em 1875; o alemão Paul David Gustav du Bois-Reymond (1831-1889) em 1880; e o italiano Vito Volterra (1860-1940) em 1881. Todos chegaram a conclusões similares sobre esta particular figura, que se obtém como limite de um processo recursivo que consiste em repetir, repetir e repetir o procedimento anterior em cada um dos novos segmentos obtidos.

Uma outra maneira, ou se quiser receita (‘algoritmo’) de criar este mesmo fractal é considerar novamente um segmento de reta e repartir em três partes iguais. Em seguida, o terço médio é retirado. Os dois segmentos restantes são de novo repartidos em três outros segmentos iguais e os terços médios são novamente retirados. O processo de repartir os segmentos e de retirar o pedaço intermediário prossegue de forma recursiva. O Conjunto de Cantor refere-se a esta coleção de segmentos de reta, após um bom número de operações terem sido realizadas. Esta é uma das principais propriedades dos fractais: a autossimilaridade, que significa basicamente uma semelhança em qualquer escala, ou seja, uma pequena parte pode representar o todo.Outra propriedade interessante envolve uma dimensão fracionária, que se obtém através do número de cópias e do fator de escala - o Conjunto de Cantor tem a curiosa dimensão de aproximadamente 0,6309 (vale lembrar que uma simples linha reta tem dimensão 1). Com propriedades assim, fractais podem formar figuras com uma quantidade virtualmente infinita de detalhes. A simplicidade tanto do Conjunto de Cantor quanto do escudo do Bahia reserva suas riquezas quando se dispõe a explorar suas fascinantes auto-similaridades, repetindo, repetindo e repetindo...

O mais curioso é que fractais podem descrever o mundo da forma como ele é. Como disse Mandelbrot na introdução do seu espetacular livro, os fractais da natureza estão à nossa volta. Basta observar as nuvens, as montanhas, os rios e seus afluentes, os sistemas de vasos sanguíneos, o contorno dos litorais baianos, a rugosidade da casca das árvores, os turbilhoes ou ainda o gotejar de uma torneira, as batidas do coração quando nos emocionamos, o balé dos corpos celestes, as ramificações de vasos sanguíneos, as mudanças no clima ou do mercado financeiro, e mesmo o escudo do Bahia... Todos tem algo em comum: são parte da verdadeira geometria da natureza, fractal... de uma complexa simplicidade.* Marcio Luis F. Nascimento é professor da Escola Politécnica, Departamento de Engenharia Química e do Instituto de Humanidades, Artes e Ciências da UFBA