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A última aparição de Belchior em Brasília foi numa canja de Tom Zé


 

O mestre apresentava o repertório do ótimo “Estudando a Bossa” e, em meio aos anônimos, estavam lá – Belchior e sua esposa

  • Da Redação

Publicado em 02/05/2017 às 10:33:00
Atualizado em 17/04/2023 às 01:32:07

O colunista do site Metrópoles Sérgio Maggio escreveu sobre a última aparição do cantor Belchior, em Brasília, na sua coluna Tipo Assim. Leia: Belchior e Tom Zé, em Brasília (Foto: Reprodução)A última aparição de Belchior nos palcos de Brasília não foi anunciada em jornais, tevês e sites. Nem circulou pelas redes sociais. Foi especialíssima e inusitada. Em 5 de março de 2009, uma plateia apaixonada por Tom Zé se dirigiu para o Espaço Brasil Telecom, situado no Hotel Alvorada (Vila Planalto). O mestre apresentava o repertório do ótimo “Estudando a Bossa” e, em meio aos anônimos, estavam lá – Belchior e sua esposa.

Quietinhos na plateia, vibraram com a performance do mais menino dos tropicalistas. Alguém avisou a Tom Zé da presença honrada. De repente, lá estava Belchior em carne, osso e bigode no meio do palco para uma canja histórica.

Anfitrião dos mais doces, Tom Zé providenciou microfones para o cantor e compositor cearense. Conseguiu logo dois, em pedestais, que ajustou com a destreza de um roading.Um músico da banda ofereceu delicadamente o violão. Belchior elegantemente declinou. Vai tocar os corações com o seu melhor instrumento: a voz.

Emocionado com o tratamento, Belchior falou de intimidades. Contou que Tom Zé ouviu uma música  no Cine Olímpia, em Irará (Bahia), e impressionou-se com a melodia. Trata-se de “Doce Mistério da Vida (“Ah, Sweet Mistery of Life”, uma das mais lindas faixas de “Vício Elegante”, álbum de 1996, no qual o intérprete Belchior empresta a voz para sagrar canções alheias).

Antes de atravessar a voz rasgando e calando uma plateia eufórica, Tom Zé pediu licença e pulou para o gargarejo do palco, como se fosse um fã número um. O público gargalhou. Belchior está visivelmente emocionado. “A alegria pura”, aliás, já se fazia presente desde os primeiros minutos do show.

Belchior interpretou a canção e provocou delírio num público jovem. Talvez, muitos nunca o tinham visto ao vivo.

Tom Zé puxou o coro de “mais um”. Alguém gritou “A Palo Seco”, uma das faixas do disco obra-prima “Alucinação”, o que encantou Elis Regina, bem antes de virar vinil. Dali, numa audição íntima, a maior intérprete do país pediu para gravar “Como Nossos País” e “Velha Roupa Colorida” e a vida de Belchior nunca mais foi a mesma.

Ao contrário de “Doce Mistério da Vida”, “A Palo Seco” foi acompanhada em coro por parte da plateia encantada. Parecia um sonho. Belchior e Tom Zé, dois dos mais importantes artífices da música brasileira, numa noite só e diante dos nossos olhos. Sim, eu estava lá.

Tom Zé subiu ao palco. Pulava que nem um menino. Todos da banda se uniram para o agradecimento final. Tom Zé se apoiou nos ombros dos companheiros e subiu com as duas pernas para o alto. Belchior tentou repetir a ação, mas só levantou a direita.

"Isso é uma festa. Agora, não vai me sacrificar, rebanho de vagabundo. Vocês viram ele cantar, mas não deixem de comprar a banana do meu disco aí fora, pelo amor de Deus, se não eu tô fudido", Tom Zé.

Belchior, rindo, desceu elegantemente do palco. Foi de Tom Zé a palavra final:

"Brasíliaaa", gritou Tom Zé.