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Museus baianos não têm seguro, denuncia servidor; obra foi furtada do MAM-BA


 

Segundo especialistas em arte, além do seguro, faltam ações de prevenção a roubo e incêndio

  • Fernanda Santana

Publicado em 19/05/2018 às 03:30:00
Atualizado em 18/04/2023 às 10:30:05
. Crédito: Foto: Divulgação/Secult-BA

O furto de uma obra de artes avaliada em R$ 20 mil de dentro da capela do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), confirmado nesta sexta-feira (18) pela Secretaria Estadual de Cultura (Secult), aponta para um problema ainda mais grave grave em museus baianos: a falta de seguro. 

“A vulnerabilidade dos museus baianos é um tema recorrente entre especialistas em arte. Nunca nenhuma dessas instituições adquiriu um plano de seguro. Nem para seus acervos nem para suas instalações físicas. E estamos falando de patrimônios valiosos como uma obra de Tarsila do Amaral que está avaliada em 20 milhões de dólares”, disse ao CORREIO um funcionário público que trabalha na área e que não quer ser identificado com receio de represálias. Peça furtada é a primeira, no alto, de autoria do artista Mauricio Ruiz (Foto: Divulgação/Secult-BA) Segundo ele, o único seguro que existe é pontual.“Quando se empresta uma obra, os museus baianos exigem que a instituição que a solicitou faça o seguro e o transporte adequado. O mesmo acontece com as obras que vêm emprestadas para cá. Fora disso, é tudo ao Deus dará”, completa.Ele diz que o seguro sempre foi defendido pelas gestões com as quais trabalhou. Apesar disso, as secretarias da Administração e da Fazenda do governo sempre consideraram caro e desnecessário alegando que, caso uma obra fosse perdida, não teria como repô-la. “As secretarias da Administração e Fazenda sempre usavam esse argumento, não levam em conta que uma obra pode se perder, mas que o acervo pode ser refeito com o dinheiro do seguro. Afinal poderia ser aplicado em uma nova obra”, defende.

O museólogo e professor da Ufba Luiz Freire, que trabalhou no Museu de Arte da Bahia e no Abelardo de Oliveira, concorda com o servidor e acrescenta que os museus na Bahia são “destituídos de tudo”.“Aqui, nós brincamos de fazer museu. E não estou falando de injeção de grandes recursos, mas de ações de prevenção simples, que inexistem. Trabalhei em dois museus e não tínhamos sequer treinamento para agir em casos de roubo ou até mesmo de incêndio”, conta.Procuradas, as secretarias da Fazenda, Cultura e Administração do governo do estado não falaram sobre a denúncia da ausência de seguro para os museus.

Furto “Sumiu, a escultura sumiu”. Era quinta-feira (17), quase 18h, quando um funcionário do MAM-BA percebeu o sumiço de uma peça, avaliada em R$ 20 mil. Os colegas dele, que estavam à frente da capela de Nossa Senhora da Conceição, onde era guardada a obra, tentaram acalmá-lo: a peça deve ter sido levada para restauro. E foram embora.

Mas, na sexta-feira (18) de manhã, ao retornarem para mais uma jornada de trabalho, veio a confirmação: a obra em gesso, criada pelo artista plástico Mauricio Ruiz e pertencente ao acervo permanente do MAM-BA desde 1997, havia sido furtada na véspera. “A gente fez uma comunicação na delegacia. É uma coisa para se lamentar. Ainda vamos comunicar ao artista o acontecimento e tentar recuperar a obra, que faz parte do acervo permanente do MAM”, disse Zivé Giudice, diretor do MAM-BA.Nesta sexta, o dia começou movimentado para o museu. Logo cedo, uma ocorrência foi registrada na 3ª Delegacia (Bonfim). A investigação, no entanto, passou à 1ª Delegacia (Barris). Às 9h, peritos já investigavam a capela, tentando descobrir detalhes do furto - sem sucesso.  Perícia foi feita ontem pela manhã na capela onde ficava a peça que foi furtada; local não tem câmeras (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) É que nenhum dos funcionários ou dos oito guardas patrimoniais que faziam a segurança do espaço percebeu movimentações atípicas no dia anterior. Tampouco notaram a passagem de alguém com volume estranho sob a blusa, bolsa ou dentro de mochilas.

Mas, ao CORREIO, sob anonimato, um funcionário relatou que, justamente no dia do furto, uma pessoa estava de folga. Por conta disso, a vigilância na ala interna da Igreja, contruída em 1940, era feita somente por duas pessoas – geralmente, são três.“Precisamos ficar nos dividindo. Os outros três ficaram entre a ala externa e o Casarão”, contou o funcionário.Ao encontrarem o colega preocupado no final do expediente, no entanto, não pensaram haver razão para preocupações.

Sem câmeras A peça furtada acompanhava outras duas pequenas esculturas de gesso de Mauricio Ruiz e era exibida ao lado esquerdo da capela, abrigo de outras 18 obras do acervo de 1,13 mil peças do museu. Quem tirou a peça de lá entrou pela porta direita ou pela central: a esquerda estava fechada para restauro.

O problema em identificar um suspeito é que, na capela onde ficava a obra, não há nenhuma câmera de segurança, segundo relatos de funcionários. Fiscalização eletrônica somente no Casarão, com exposição de Alfredo Volpi.

Procurada, a Secult afirmou que manteria a posição informada na primeira nota. O CORREIO também procurou a delegada Rogéria Araújo, titular da 1ª Delegacia, que não foi localizada. 

O artista Mauricio Ruiz, que é carioca, ainda não havia sido informado oficialmente sobre o furto até o final da tarde desta sexta-feira (18). Ele também foi procurado, sem sucesso.

Fechado Os amigos Thaise Monteiro, 26, e José Roberto, 27,  não puderam ver nenhuma obra de arte, nesta sexta, no MAM-BA. Os únicos turistas encontrados pela reportagem no museu às vésperas do fim de semana foram surpreendidos: após o furto, a Capela e o Casarão fecharam. A Galeria 1 está fechada desde outubro de 2016, quando começou a primeira reforma do museu. “É triste, né? A gente nem sabia desse problema que aconteceu aqui. Nem da reforma, na verdade”, contou a professora de História Thaise.Lá, trombaram com materiais de reforma no chão.  Após parar por 13 meses, as obras foram retomadas em dezembro passado. A expectativa do governo é de que a primeira parte  finalize no final deste mês.

A falta de segurança vem impedindo visitas no MAM. No final de março, quem foi visitar a exposição de Alfredo Volpi encontrou portas fechadas. Na ocasião, a diretoria do museu afirmou que o fechamento era uma “questão de segurança” por conta do valor da exposição. Faltavam funcionários após uma demissão em massa pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural (Ipac), que prometeu uma seleção para contratar funcionários. 

*Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e da editora Clarissa Pacheco