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Ter um bebê reborn é saudável? Psicanalista e artista que confecciona os bonecos comentam

Realistas, criações viralizaram nas redes sociais na última semana

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 3 de maio de 2025 às 11:00

Detalhes da arte reborn impressionam
Detalhes da arte reborn impressionam Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Tem cara de bebê, roupa de bebê e até peso de bebê, mas é um boneco. Na verdade, é um reborn. O termo em inglês é difícil de falar, mas a febre se espalhou com facilidade pelo mundo, inclusive no Brasil, em todas as faixas etárias. A moda chegou há cerca de 10 anos por aqui, mas conquistou as redes sociais nas últimas semanas, provocando uma infinidade de perguntas sobre o tema.

A ideia é que os bebês reborn, que foram criados nos Estados Unidos em 1990 para colecionadores, sejam realistas na aparência. Mas vídeos como o da influenciadora Carol Sweet, que simula o “parto” de um deles, sugerem que eles são tratados como bebês reais. Outros que usam Inteligência Artificial para fazer os bonecos se mexerem até assustam.

“É uma encenação para os conteúdos que são publicados nas redes. E tem gente que faz questão de não deixar isso claro para gerar polêmica porque quer viralizar a qualquer custo”, defende Isabela Néri, artista de 31 anos que confecciona e coleciona bebês reborn negros em Salvador desde 2020.

Enquanto desenrola de um embrulho de pano um dos reborn que possui, brinca: “Isso é tratar como se fosse de verdade? Eu espero que ninguém guarde um bebê de verdade completamente enrolado em um pano e dentro de uma sacola fechada”. Ela acrescenta que, em casa, os bonecos ficam em um armário com um saco na cabeça para evitar o contato com a poeira e passam por uma limpeza com algodão com água e pincel a cada cinco meses.

Isabela Néri coleciona e confecciona bebês reborn
Isabela Néri coleciona e confecciona bebês reborn Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Isabela conta que vai para a rua com os bonecos, principalmente parques, como uma forma de atrair clientes. “Muitas crianças e muitos adultos chegam perto para olhar, pegar no colo. Eu já passo meu contato”. Na internet, que também serve como canal de divulgação do trabalho, a recepção nem sempre é tão boa.

Julgamento

“Eu sou uma colecionadora e, para mim, o processo de confeccionar é uma terapia. Eu pintava telas antes e a arte tem esse poder terapêutico, todo mundo sabe. Eu não tenho filhos, quero ter um dia, mas eu não estou enlutada, nunca passei por uma perda gestacional”, diz a artista, numa defensiva bem-humorada.

A fala de Isabela é provocada pela disseminação na internet da informação de que os bebês reborn são adquiridos por mulheres que não podem ter filhos, perderam algum filho ou têm dificuldade de diferenciação do real e imaginário. Os vídeos que viralizam contribuem com essa versão.

A função terapêutica é confirmada pelo psicanalista, mestre em psicologia clínica e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Davi Berciano Flores. “Na verdade, existe uma série de objetos, não só bebê reborn, capazes de estimular as associações de elementos da personalidade que podem estar inibidos e de estimular a ludicidade, a brincadeira e os desenvolvimentos cognitivo e intelectual e a função simbólica”, diz o especialista sobre a recomendação de bonecos para idosos e crianças.

Quanto aos adultos, o fim terapêutico deve ser avaliado conforme cada paciente e cada profissional. Os benefícios podem ser os mesmos, desde que sejam estabelecidos limites. “Um bebê reborn pode ser um mero objeto de decoração ou coleção ou chegar ao extremo de se oferecer como uma falsa ilusão de uma presença humana”, explica.

Ele reforça que isso pode acontecer com qualquer objeto, não só um boneco. “O ser humano pode adquirir qualquer objeto e dar a ele os mais diversos sentidos. Pode ser uma bolsa, um carro, uma pedra tida como amuleto.”

Isabela já venceu cerca de 40 bebês reborn
Isabela já vendeu cerca de 40 bebês reborn Crédito: Arisson Marinho/CORREIO

Isabela conta que a maior parte de suas vendas é para adultos. Muitos procuram para uso na simulação de bebês em filmagens de cinema ou para uso em vitrines de lojas de artigos de bebês. Outra parte compra para colecionar, pelo interesse em ter um boneco negro pela primeira vez ou para fins terapêuticos em caso de autismo, depressão e ansiedade. “Mas é bom deixar muito claro que eu não defendo isso como substituição de terapia”, reforça ela.

“Tem gente que procura para comprar para as crianças, mas, quando vê que pode quebrar e que o preço é alto, desiste”, diz a artista, que vende os bebês reborn a partir de R$2 mil.

História

Hoje, ela tem quatro bonecos na coleção pessoal e explica que o número muda toda hora porque acaba vendendo um deles se um cliente se encanta ao ver as fotos publicadas nas redes sociais. Elas recebem uma super produção, até mesmo com cenário de um berço que tem em casa. Isabela chegou a vender o primeiro bebê reborn que fez, nomeada como Belle. Se arrependeu e comprou de volta.

Conta que se apaixonou pela arte quando ainda era criança, mas que seus pais não tinham dinheiro nem para uma Barbie, quanto mais para um reborn, como ela mesma lembra. Em 2016, ela decidiu fazer a própria boneca, comprou os materiais, mas não levou adiante o plano.

Em 2020, durante a pandemia de covid-19 e em meio a problemas de saúde que preferiu não detalhar, retomou o projeto. Fez cursos online, assistiu a tutoriais na internet e assim nasceu a primeira obra de arte. Ela lembra que foi desencorajada por pessoas do meio, que disseram que ninguém ia querer comprar um reborn negro no Brasil.

“Foi o primeiro boneco negro que eu tive na vida. Segui em frente, mesmo comprovando na prática que os caucasianos são mais procurados do que os negros e que dá muito mais trabalho para fazer”, diz Isabela.

“Tinha gente que fazia mas não ficava tão bom quanto os caucasianos. É que não é só pintar de marrom. Tem que fazer os subtons de pele, as veias, a profundidade. Se uma camada dá errado, tem que começar tudo do zero, por isso muita gente não quer fazer”, explica.

Processo

Isabela compartilha que compra o chamado kit, que contém o boneco de vinil em branco e desmontado, de fora do país, em lugares como o Canadá. Garante que o produto é feito por escultoras e ganha cópias autenticadas em fábricas para serem exportados. “Nesse caminho, pode acontecer a pirataria e é preciso ter cuidado porque ninguém sabe como essas cópias piratas são feitas, o material pode ser tóxico”, alerta.

Ela lava o kit e vai fazendo as camadas de pele com tinta a óleo. A cada camada, o material passa por um forno halogênio. Ao final, recebe uma camada de verniz. Em seguida, começa a aplicação do cabelo. Ele pode ser de fibra sintética, cabelo humano ou do tipo mohair, que é uma fibra natural capaz de simular o cabelo fino de um bebê recém-nascido. “Eu uso mais esse tipo, vem da Rússia e da Alemanha e eu vou aplicando fio a fio”, compartilha.

Por fim, acontece a montagem do bebê, com o encaixe das peças. Para ficar com o peso de um bebê de verdade, o boneco é preenchido com areia para artesanato e recebe um enchimento de fibra siliconada. O processo leva cerca de 45 dias. Quando é vendido, o reborn vai junto com o certificado de autenticação das peças e do produto final e simulações de certidão de nascimento, teste do pezinho e ultrassom.