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Conheça Jorge, tartaruga baiana que passou 40 anos na Argentina e nada sozinha de volta para casa

Animal foi solto no mar em abril e já está no Brasil; torcida é que chegue até a Bahia

  • Foto do(a) author(a) Carolina Cerqueira
  • Carolina Cerqueira

Publicado em 2 de agosto de 2025 às 05:00

Jorge, tartaruga-cabeçuda
Jorge, tartaruga-cabeçuda Crédito: Divulgação/CONICET

Foram quase 40 anos longe do mar. Agora, Jorge finalmente pode nadar livremente. Foram necessários cerca de três anos de preparação para enfrentar o mar aberto, antes de ser libertado no dia 11 de abril deste ano, na Argentina. As peculiaridades fascinantes da natureza o fizeram nadar, sozinho, a caminho de casa. Quase 20 dias depois, a tartaruga-cabeçuda de 60 anos chegou ao Brasil.

Os estudos genéticos permitiram a identificação de que Jorge nasceu no Brasil, no litoral norte. “Suspeitamos que ele pertença a uma área na Bahia”, diz a pesquisadora argentina Laura Prosdocimi, do Laboratório de Ecologia, Conservação e Mamíferos Marinhos do Museu Argentino de Ciências Naturais (MACN), ligado ao Conselho Nacional de Investigações Científicas e Técnicas (CONICET). 

A tartaruga marinha está sendo monitorada por um transmissor via satélite. Até a última atualização, nadava na Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. Mas a torcida de todos é que Jorge deixe o local e siga rumo à Bahia. Novidades estão sendo compartilhadas no perfil @mamiferosmarinosunmdp, no Instagram.

“Como Jorge está em idade reprodutiva ainda, pelo ciclo natural das tartarugas marinhas, se espera que ele retorne para a sua população de origem e se reproduza. Estão todos na torcida”, diz a coordenadora do Projeto Aruaña, Suzana Guimarães. As tartarugas marinhas têm uma filopatria reprodutiva, ou seja, voltam para onde nasceram para se reproduzir. Em outubro começa a época de reprodução.

Momento da soltura de Jorge ao mar, na Argentina
Momento da soltura de Jorge ao mar, na Argentina Crédito: Divulgação/CONICET

O Projeto Aruaña, do Instituto de Pesquisas Ambientais Littoralis, monitora tartarugas marinhas na Baía de Guanabara e está sob alerta em prol de Jorge. “Assim que a tartaruga entrou na Baía de Guanabara, Laura fez contato conosco”, conta Suzana. “Emitimos um alerta a projetos ambientais, órgãos governamentais e pescadores da região para que todos saibam o que fazer se avistarem Jorge”, acrescenta. A orientação é de não capturar e nem perseguir o animal e ter cuidado com redes de pesca.

Suzana explica que, em caso de contato com Jorge, a equipe do Projeto Aruaña deverá retirá-lo da água temporariamente para exames que vão verificar o estado de saúde do animal depois de três meses de viagem de volta para casa. Em seguida, ele seria libertado.

Bahia à espera de Jorge

Ela explica que lá não é o local mais adequado para que ele fique, o que reforça a torcida para que ele chegue à Bahia: “Tem diversos riscos por ser uma região de intenso uso humano. As principais ameaças que Jorge enfrenta são a pesca, o intenso tráfego de embarcações de pequeno e grande porte e a poluição da água.”

O Projeto Tamar, que tem forte atuação com a proteção de tartarugas marinhas no norte da Bahia, reforça a grande probabilidade. Por aqui, são estabelecidos de seis a sete mil ninhos por temporada. “Se for pelo número de ninhos, a Bahia tem mais chances de ser o local onde ele nasceu”, diz o assessor da diretoria de pesquisa do projeto, Gustavo Stahelin, que explica como Jorge consegue voltar para casa. “As tartarugas marinhas conseguem se localizar através de orientação magnética no cérebro”, afirma.

O Tamar também está sob alerta. “Se ele vier para cá, avisaremos aos pescadores, prepararemos um suporte”, diz Gustavo. Mas tartaruga não deve ser retirada do mar.

“Se houver uma captura acidental, nós prestaremos apoio, o traremos para avaliação e tratamento. Ele tem uma anilha de metal na nadadeira de marcação, com dados de identificação, como se fosse um RG. Assim, se nos depararmos com ele, iremos saber”, completa Gustavo, que acrescenta que o contato espontâneo é improvável, já que os machos de tartarugas não costumam se aproximar da costa. “São as fêmeas que saem da água para desovar”, explica.

A resistência de Jorge

A equipe que organizou a soltura da tartaruga é formada por profissionais do Aquário de Mar del Plata, pesquisadores do Museu Argentino de Ciências Naturais, do Instituto de Pesquisas Marinhas e Costeiras e da Prefeitura da Província de Mendoza, cidade onde ficou durante 38 anos. O Grupo de Pesquisa sobre Mamíferos Marinhos, da Universidad Nacional de Mar del Plata, que está publicando atualizações sobre Jorge no Instagram, diz que o caso dele é único.

Aparelho acoplado ao casco de Jorge permite monitoramento de sua localização
Aparelho acoplado ao casco de Jorge permite monitoramento de sua localização Crédito: Reprodução/Redes sociais

“Não apenas pelo tempo que passou em cativeiro e sua surpreendente capacidade de readaptação, mas também por sua incrível jornada em vans, aviões e barcos, de Bahía Blanca à Serra de Mendoza e, finalmente, até Mar del Plata. Jorge é um símbolo de resiliência e adaptabilidade”, publicou o grupo.

Os veterinários Federico Correa e Adrian Faiella, que cuidaram de Jorge, contam a trajetória do animal. Segundo Federico, Jorge foi resgatado por pescadores e marinheiros em Baía Blanca, uma cidade da Argentina, em 1984, pela região ser de águas muito frias para a espécie. A cidade não tinha condições de acolher o animal, que foi levado para a cidade de Mendoza, no Aquário Municipal.

Lá, o animal recebia visitas recorrentes de um garoto estadunidense chamo George. É daí que vem o nome. “Todos os dias, ele vinha visitar Jorge, pois ficava fascinado pela presença da tartaruga em nosso aquário. Virou um grande amigo do animal”, conta Federico.

Pesquisas de testes genéticos com tartarugas descobriram que Jorge era do Brasil e a história passou a ter repercussão na cidade de Mendoza. Os moradores locais reivindicaram a volta de Jorge para casa. “Ele não é apenas um ícone de Mendoza, mas também um símbolo do compromisso com a conservação e o respeito a todas as formas de vida, e de que nada é impossível”, publicou o prefeito de Mendoza, Ulpiano Suarez, nas redes sociais.

Em outubro de 2022, Jorge foi levado ao Centro de Reabilitação de Fauna Marinha do Aquário do Mar del Plata para iniciar o processo de preparação para a soltura. “Houve readaptação aos níveis de salinidade do ambiente marinho e à profundidade da água, treinamento para a capacidade de busca por alimento vivo e recuperação de massa muscular”, explica o veterinário Adrian Faiella.

No dia 11 de abril de 2025, Jorge foi solto no Mar del Plata, em Buenos Aires, na Argentina. Nadou até às proximidades de Montevidéu, no Uruguai, e, 780 quilômetros depois, chegou ao litoral do Rio Grande do Sul, no Brasil. Continuou sua viagem passando por Santa Catarina, Paraná e São Paulo, até chegar ao Rio de Janeiro, no dia 24 de julho, onde permanece até então.

Tartaruga-cabeçuda

Jorge pertence à espécie tartaruga-cabeçuda, marcada pela cabeça grande e casco marrom avermelhado ou amarelado. Segundo os especialistas, Jorge tem 60 anos, 130kg e cerca de um metro.

A espécie pode chegar até 180kg e, quanto à idade, a pesquisadora argentina Laura Prosdocimi explica: “A expectativa de vida da tartaruga-cabeçuda é estimada em cerca de 60 anos na natureza, embora alguns indivíduos possam exceder 100 anos quando não enfrentam ameaças.”

Segundo o Projeto Tamar, essa espécie deposita cerca de nove mil ninhos por temporada no Brasil. As áreas prioritárias de desova estão na Bahia, Sergipe, Espírito Santo e Rio de Janeiro. A tartaruga-cabeçuda está na categoria “vulnerável”, segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de extinção (ICMBio/MMA) e a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Das cinco espécies de tartarugas marinhas presentes no Brasil, apenas a tartaruga-verde, está fora da lista, ficando com a classificação de “quase ameaçada”. Em Salvador, não é tão raro encontrar tartarugas mortas na praia da Barra. O mergulhador Bernardo Mussi, um dos fundadores do Projeto Fundo da Folia, que recolhe lixo no mar do bairro, diz que o projeto já retirou ao menos cinco tartarugas mortas em 15 anos.

“A maior parte dos casos são de animais mortos pela ação das redes de pesca e ingestão de resíduos descartados no mar”, conta ele. Bruno Machado, coordenador do Projeto Alfabeto do Mar, reforça o relato.

“No final de julho deste ano avistei uma tartaruga morta na região do Porto da Barra. Um tempo depois, encontrei mais uma, mais perto do Farol da Barra. Um funcionário da limpeza pública me disse que, em dois meses, apareceram cinco tartarugas ali. É uma cena bastante triste, ainda mais em um parque marinho, que é uma área que deveria estar protegida”, lamenta Bruno.

A reportagem entrou em contato com a Limpurb, Empresa de Limpeza Urbana de Salvador, que disse não ter contabilidade do número de tartarugas encontradas pelos funcionários, mas que os orienta a entrar em contato com o Projeto Tamar em casos como esses.