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Da Redação
Publicado em 16 de julho de 2021 às 18:26
- Atualizado há 2 anos
Conteúdo verificado: Vídeo no TikTok que compartilha um site de enquetes como sendo uma forma de saber “quem realmente está na frente das pesquisas” eleitorais para presidente da República, em 2022. É enganoso um vídeo compartilhado no TikTok que divulga um site de enquetes como uma forma de saber “quem realmente está na frente das pesquisas” eleitorais. Como a participação em enquetes é espontânea, não há como delimitar o público respondente. Dessa forma, um grupo específico pode ter representação maior que a de outros, distorcendo a realidade – na enquete em questão, há votos de moradores do Sudeste em proporção muito maior do que de outras regiões brasileiras.>
Pesquisas eleitorais usam métodos estatísticos para selecionar um grupo de pessoas proporcional à população brasileira, de forma que a opinião dos diferentes segmentos da sociedade esteja representada nos resultados.>
No vídeo analisado, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aparece liderando as intenções de voto, com 40,4%; o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está em segundo lugar, com 24,6% dos votos; os ex-ministros Ciro Gomes (PDT) e Sérgio Moro vêm na sequência, com 15,5% e 9,2%, respectivamente.>
Na última pesquisa Datafolha, divulgada em julho de 2021, Lula tem 46% das intenções de voto; Bolsonaro, 25%; depois, aparecem empatados tecnicamente Ciro (8%), o governador de São Paulo, João Doria (PSDB, 5%) e o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta (DEM, 4%). A margem de erro é de dois pontos porcentuais.>
O Comprova entrou em contato com o perfil que divulgou o vídeo no TikTok e com os responsáveis pelo site de enquetes, mas não obteve resposta até a publicação.>
Como verificamos? Procuramos o site Eleições ao Vivo, mencionado no vídeo do TikTok, e analisamos os resultados das votações apresentadas. Usamos as ferramentas Who.Is e WebsiteInformer.com para descobrir os responsáveis pelo site. Entramos em contato com os e-mails informados, mas não obtivemos resposta. Também verificamos os compartilhamentos do site nas redes sociais na plataforma CrowdTangle.>
Consultamos verificações já publicadas pelo Comprova sobre enquetes, e acessamos resultados de pesquisas de intenção de voto divulgadas recentemente por Datafolha e Ipec.>
Por fim, contactamos o perfil que divulgou o vídeo no TikTok, mas não conseguimos resposta.>
Verificação Enquetes não têm valor científico O Comprova mostrou em outras verificações que enquetes não têm valor científico, e não podem ser usadas como reflexo da opinião da sociedade. Isso porque não se sabe exatamente qual o perfil do público que respondeu – qual a parcela de homens, de que região são os cidadãos, quantas são as pessoas com renda mais alta ou mais baixa etc.>
Pesquisas de opinião realizadas por institutos confiáveis, como Ipec (formado por ex-executivos do Ibope) e Datafolha, usam dados sobre a população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para definir cotas de sexo, idade, escolaridade e outras características. Dessa forma, ouvem entrevistados em proporções similares às observadas no restante da sociedade. Isso garante que, mesmo que em número menor, o grupo pesquisado seja representativo do país.>
O site de enquetes permite que os participantes preencham a região onde moram. O Comprova verificou a porcentagem de votos de cada região na tarde do dia 15 de julho: 9,6% dos respondentes disseram ser do Sul; 60,5% do Sudeste; 6,2% do Centro-Oeste; 6,2% do Norte; e 17,3% do Nordeste.>
Levando-se em consideração que as pessoas preencheram corretamente a região onde moram, os números acima indicam super-representação do eleitorado do Sudeste e sub-representação dos votantes de todas as outras regiões. De acordo com as estatísticas mais recentes do TSE, 14,7% dos eleitores do País moram no Sul; 42% no Sudeste; 7,3% no Centro-Oeste; 7,8% no Norte; e 26,8% no Nordeste.>
Outro aspecto importante das enquetes é que o público sabe o resultado antes do encerramento da votação. Dessa forma, os participantes podem se sentir estimulados a mudar o resultado da dinâmica. Esse aspecto está evidente no site analisado, que estimula o compartilhamento da enquete para “fazer seu candidato subir” no ranking. O site não exige qualquer cadastro para votar. Assim, é fácil escolher um candidato mais de uma vez, usando navegadores diferentes ou abas anônimas.>
Viés bolsonarista O Comprova usou a ferramenta CrowdTangle para verificar os compartilhamentos do link para participação na enquete nas redes sociais. É possível ver abaixo que o levantamento tem circulado mais entre grupos bolsonaristas ou de direita; um indício que o número de eleitores de Bolsonaro pode estar inflado.>
Outro indício que aponta que o público que acessa o site tem mais afinidade com o governo Bolsonaro está nos resultados de outras enquetes na mesma página. Em uma pergunta sobre o impeachment do presidente, 65,4% das respostas no dia 14 de julho eram contrárias; 34,6% eram favoráveis. Uma pesquisa Datafolha divulgada no dia 10 de julho indica que, na realidade, 54% dos brasileiros querem a abertura do processo na Câmara; 42% rejeitam a ideia.>
É possível perceber que o público do site demonstra simpatia por Bolsonaro em outras enquetes sobre a relação do presidente com a mídia e sobre a briga com o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio Moro. Em perguntas sobre esses assuntos, 85,3% e 78% dos respondentes, respectivamente, tomaram partido de Bolsonaro.>
Qual o resultado de pesquisas de intenção de voto? A pesquisa Datafolha de intenção de voto mais recente, divulgada em 11 de julho, indicou que Lula venceria a disputa eleitoral no primeiro turno: 46% dos entrevistados preferem o petista. Bolsonaro aparece na segunda posição, com 25%. Foram ouvidos 2.074 eleitores em 146 municípios.>
Pesquisa Ipec divulgada em 25 de junho indicou cenário semelhante: se a eleição fosse naquela data, Lula venceria já na primeira etapa, com 49% dos votos. Bolsonaro foi citado por 23% dos entrevistados; mais atrás, estavam Ciro (7%), Doria (5%) e Mandetta (3%).>
Importante ressaltar que falta mais de um ano para as eleições e o quadro de candidatos ainda não está definido. Dessa forma, os levantamentos não antecipam resultados, mas mostram um retrato da preferência do eleitorado neste momento em que o governo sofre com desgastes.>
Como o Comprova mostrou nesta verificação, em anos eleitorais, a divulgação de pesquisas segue regras elaboradas pelo TSE. Devem ser registradas junto ao Tribunal informações sobre “o contratante da pesquisa, com CPF ou CNPJ; o valor e a origem dos recursos gastos; a metodologia e o período de sua realização; o questionário aplicado ou a ser aplicado; o nome do estatístico responsável; e a indicação do estado em que será realizado o levantamento”.>
O TSE proíbe a divulgação de enquetes no período eleitoral. Segundo a Resolução nº 23.600/2019, se encaixam nessa categoria “o levantamento de opinião sem plano amostral, que depende da participação espontânea do interessado e que não utiliza método científico para a sua realização, apresentando resultados que possibilitam ao eleitor perceber a ordem dos candidatos na disputa”.>
Quem é o responsável pelo site de enquetes? A ferramenta Who.Is indica que o domínio do site que realiza enquetes sobre as eleições presidenciais de 2022 no Brasil pertence a Rafael Gustavo. Não há informações sobre contato ou sobrenome da pessoa. Então, usando o Google, o Comprova fez uma busca pelo nome da pessoa associado às palavras “enquete” e “eleições”.>
Os resultados levaram à ferramenta Website Informer, que listou os três domínios mais populares em nome de Rafael Gustavo, desta vez com um sobrenome – Neves. Dois deles eram sites de enquetes para eleições e, o terceiro, o site de humor G17, que publica conteúdos falsos em tom satírico.>
Lá, havia um endereço de e-mail com o nome de Rafael Gustavo. A reportagem enviou um e-mail para este endereço, mas não obteve resposta até a publicação desta verificação.>
Contudo, há indícios de que o dono do G17 é o mesmo dono do site em que a enquete foi publicada. O site de humor foi criado em 2011. No ano seguinte, o jornal O Globo fez uma reportagem sobre sites que publicavam mentiras em tom de humor – um dos criadores citados era Rafael Gustavo Neves, responsável pela criação do G17.>
O site tem uma página no Facebook e a publicação mais recente é justamente o compartilhamento de uma enquete sobre eleições presidenciais, do mesmo site mostrado no vídeo do TikTok verificado aqui.>
Por que investigamos? Em sua quarta fase, o Comprova checa conteúdos suspeitos sobre o governo federal, eleições ou a pandemia de covid-19 que tenham atingido alto grau de viralização. Em julho de 2021, os participantes decidiram também iniciar a verificação da desinformação envolvendo possíveis candidatos à presidência da República. Desde então, o projeto tem monitorado nomes que vem sendo incluídos em pesquisas dos principais institutos.>
O conteúdo verificado teve mais de 1.000 interações no TikTok e outras 262 mil em páginas do Facebook onde o link do site foi compartilhado. A enquete foi respondida por 3,7 milhões de pessoas.>
Conteúdos que questionam a credibilidade de pesquisas científicas e estatísticas sobre eleições são prejudiciais porque ajudam a espalhar acusações de que o sistema e o processo eleitoral brasileiros são fraudulentos. Isso cria um ambiente para questionamento dos resultados das eleições, caso eles não tenham o resultado esperado por determinado grupo político, como vem afirmando constantemente o presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Não houve registro de fraudes em eleições brasileiras desde a adoção das urnas eletrônicas, em 1996.>
Desde a última eleição presidencial, quando as supostas falhas no sistema eleitoral passaram a ser divulgadas, o Comprova já verificou diversas vezes conteúdos falsos e enganosos sobre o assunto. Em outubro do ano passado, o projeto mostrou que um documento não prova fraude nas eleições de 2018 nem comprova vitória de Bolsonaro no 1º turno. No mês seguinte, duas publicações do Comprova apontaram para o fato de o voto eletrônico no Brasil já ser auditável. No início desta semana, outra publicação mostrou que é enganoso afirmar que o resultado de uma enquete sobre voto impresso reflita a opinião da população. Recentemente, também comprovamos que um vídeo da ex-candidata a deputada federal Naomi Yamaguchi não prova que houve fraude na votação de 2014.>
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; ou ainda que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 33 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas do Estadão e CORREIO, e validada, através do processo de crosscheck, por quatro veículos: Correio de Carajás, A Gazeta, Folha de S.Paulo e UOL.>