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Raquel Brito
Publicado em 17 de janeiro de 2024 às 07:00
Conforme o Carnaval se aproxima, algumas das programações mais aguardadas são as dos Blocos Afro e Afoxés. Entre ensaios e desfiles, os grupos de influência nos ritmos e costumes africanos chamam milhares de fãs da folia. Mas, você sabia que, apesar de compartilharem algumas características, os Blocos Afro e os Afoxés surgem em momentos diferentes? >
Quem surgiu primeiro foram os Afoxés, no fim do século XIX, em meio ao caráter elitista que caracterizava o Carnaval até então. Os primeiros Afoxés baianos foram o Embaixada Africana, fundado em 1895, e o Pândegos da África, de 1897. De acordo com Edivaldo Bolagi, produtor cultural e antigo coordenador do Programa Carnaval Ouro Negro, esse movimento começa através de lideranças religiosas de terreiros de Brotas, Federação e Pelourinho. >
As troças, ou grupos carnavalescos, e os Afoxés costumavam desfilar na periferia das festas, em bairros como Barroquinha, Baixa dos Sapateiros e Taboão, sem acesso aos palcos principais da folia, no centro da cidade, restritos à elite baiana.>
De acordo com Bolagi, os blocos trouxeram uma nova concepção estética aliada à carga política. “Entendendo a lógica do desfile dos clubes de brancos, criaram uma verdadeira apoteose ao entender um Carnaval com base nas heranças africanas, dos seus reinos e da mitologia, com a estética apurada e contextualizada. Para além dos espaços sagrados dos terreiros de candomblé, eles ocupam a rua”, diz. >
Os grupos do Afoxé tinham como elemento principal da musicalidade o ijexá, ritmo nigeriano que chegou ao Brasil através do povo Iorubá escravizado. A sua base é a orquestra oriunda dos terreiros, com o som dos atabaques, agogôs e xequerês. >
O especialista conta que os ritmos do Afoxé influenciaram a música popular e os ritmos carnavalescos como conhecemos hoje. Ele conta que, no fim dos anos 70, nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso e Moraes Moreira começaram a frequentar os ensaios do Afoxé Badauê, criado pelo Mestre Môa em 1978, sendo Moreira o primeiro a levar as influências afro para cima do trio. >
"O Badauê vem com a importância de criar uma atmosfera do que seria o diálogo entre a música percussiva do Candomblé e a música popular brasileira da guitarra e do contrabaixo. Começa aí a criação de uma harmonização das melodias”, explica Bolangi. >
Ao passo que os Afoxés surgem num momento de luta contra o preconceito racial pós-abolição, os Blocos Afro, por sua vez, aparecem em outro período de tensão, em meio à ditadura militar e à segregação racial. >
“O início veio a partir do Ilê Aiyê em 1974, quando jovens da comunidade do Curuzu resolvem criar uma agremiação para entrar no circuito oficial da festa, trazendo seus temas de religião e das ações afirmativas norte-americanas. Toda uma carga revolucionária e de identidade”, afirma. >
Marcada pelos sons dos repiques, timbal, marcação, caixa e tarol, a música dos Blocos Afro bebe das escolas de samba, mas sem se apropriar das estruturas já existentes. “Não é um samba carioca, não é um samba exatamente do recôncavo e não é uma samba exatamente do candomblé. É uma coisa híbrida, o Ilê vem com o dito samba afro”, diz o especialista. >
Além do Ilê Aiyê, estão entre os principais Blocos Afro o Olodum, que completa 45 anos em 2024, o Ara Ketu, de 1980, e o Muzenza, nascido em 1981. Com o caráter revolucionário, um dos diferenciais dos Blocos Afro é a abordagem explícita de questões sociais contemporâneas e protestos em forma de música.>
“O Olodum surge trazendo todas aquelas questões sociais do Centro Histórico de Salvador, das prostitutas, dos homossexuais, dos trabalhadores dos cortiços e traz uma bomba sonora, que faz com que o Pelourinho passe a ser reconhecido através dos seus ensaios”, relembra Bolangi. >
O especialista reforça que, apesar dos períodos de origem distintos, tanto os Afoxés como os Blocos Afro, em sua relação com os terreiros e grupos de capoeiras locais, nasceram com um caráter sociopolítico intrínseco aos grupos, tendo uma função direta na criação da identidade, educação, cultura e arte dos jovens e crianças das periferias de Salvador. >
*Com orientação da subchefe de reportagem, Monique Lôbo. >
Esta matéria integra uma série de reportagens sobre os blocos afro e afoxés do Carnaval de Salvador, que são publicadas ao longo dos próximos dias no CORREIO. >