Comandado por mulheres, Os Mascarados comemora 25 anos com  casal de rainhas

Bloco tem três diretoras mulheres e, desde sua fundação, levanta bandeira pela igualdade no Carnaval

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  • Larissa Almeida

Publicado em 8 de fevereiro de 2024 às 06:30

O uso de fantasias, a ausência de cordas e o respeito à diversidade caracterizam Os Mascarados
O uso de fantasias, a ausência de cordas e o respeito à diversidade caracterizam Os Mascarados Crédito: Betto Jr/ARQUIVO CORREIO

Quando os versos de ‘Noite dos Mascarados’ – música conhecida nas vozes de Chico Buarque e os Três Morais – invadem o Farol da Barra, na Quinta-Feira de Carnaval, basta olhar para o mar de pessoas fantasiadas para saber que Os Mascarados estão na rua. Em contrapartida, o que nem todo mundo sabe é que o bloco, desde o início da sua história, é comandado, predominantemente, por mulheres, que são responsáveis por uma trajetória que completa 25 anos neste Carnaval e que terá, pela primeira vez, um reinado totalmente feminino com as figuras da percussionista Lan Lanh e da atriz Nanda Costa, que são casadas.

Com data já reservada para a sua folia, Os Mascarados vão sair às ruas hoje, 8 de fevereiro,  para seu 23º desfile – em 2021 e 2022 não houve participação, já que o Carnaval foi cancelado em virtude da pandemia de Covid-19. Na ocasião, haverá o primeiro desfile das rainhas, que são celebradas por Selma Calabrich, uma das três diretoras do bloco.

“São duas pessoas extremamente especiais. Nanda Costa é uma atriz linda, uma mulher brilhante e inteligentíssima. A outra rainha é Lan, baiana e percussionista maravilhosa, que vem de um mercado que é iminentemente masculino, que é o da música percussiva. Para nós, é uma honra estar recebendo as duas e passando esse comando do Carnaval. É um Carnaval comandado por mulheres”, destaca.

Além das rainhas, o desfile dos Mascarados  será conduzido pelo cantor Jau com a convidada especial: a cantora e ministra da Cultura Margareth Menezes. No que diz respeito a ter uma figura masculina puxando o trio, Selma afirma que não vê problema. “O bloco é inclusivo, é de todos e, para participar, basta colocar uma fantasia. Outros cantores do sexo masculino se apresentaram, como Magary Lord, Armandinho, Nando Reis e Lenine. Não temos problema em ter um cantor homem, desde que ele converse com a essência do bloco”, ressalta.

Quanto à participação de Margareth, que volta ao bloco após um hiato de um ano, em decorrência da entrada para o Ministério da Cultura, a diretora Paula Resende afirma que há um misto de ansiedade e alegria na espera para a próxima quinta-feira. “Será sua primeira apresentação na agenda de Carnaval, o público merece esse reencontro com essa que é um pouco uma extensão do bloco. Quando pensamos nos Mascarados, automaticamente, lembramos de Margareth Menezes. Vai ser difícil segurar a emoção quando tocarem os primeiros acordes de Faraó e o público responder em uníssono”, fala.

Bastidores

Apesar de ser apenas um dia de festa, a preparação intensa costuma começar a partir do segundo semestre do ano anterior. “Em agosto, setembro ou outubro, nós já começamos o movimento do Carnaval. É difícil mensurar uma data, mas as articulações, escolher quem vai ser o rei ou a rainha, quem vai cantar, quem vai puxar, como é que vai ser o trio e o patrocínio, coloca todo mundo na luta desde cedo para botar o bloco na rua”, afirma Selma.

A diretora Paula Resende aponta que são inúmeros os desafios que enfrentam para que Os Mascarados estejam no Carnaval. Entre eles, está a busca da atração, que precisa estar conectada como o perfil e interesse do público, a captação de recursos e a produção geral. Além disso, formar produtoras e empresárias, já que o mercado cultural de produção baiano ainda é essencialmente masculino, de tão desafiador chega a ser considerado um tabu.

Nos bastidores, prevalece uma cultura corporativa horizontal, ou seja, uma forma coletiva de desempenhar papéis. Dessa forma, não há divisão de tarefas entre as diretoras, mas é mais comum que Selma se ocupe com a pasta de Relações Públicas, Paula tome a frente da produção geral e Jaqueline Azevedo faça a captação de recursos. Contudo, elas não são as únicas responsáveis pela saída do bloco. No total, uma equipe de aproximadamente 300 pessoas, anualmente, soma esforços para manter viva a chama que impulsionou a criação da associação carnavalesca.

“É uma missão de muita responsabilidade porque é um bloco que traz um conceito muito forte, desde a sua fundação, de diversidade e inclusão, porque a gente tira essa corda e as pessoas usam suas fantasias. Elas podem ter a liberdade de ser o que elas quiserem ser. É um bloco que traz questões sociais muito fortes, como o uso da camisinha e o enfretamento da violência contra a mulher. É uma responsabilidade muito grande dar continuidade a esse legado”, destaca Selma.

Origem

O legado mencionado se refere ao trabalho deixado pelas fundadoras, a cantora Margareth Menezes e as empresárias Rosana Imbassahy e Jaqueline Azevedo – sendo esta última a única remanescente dentre elas. O bloco, que nasceu com a proposta de resgatar a fantasia e canções clássicas do Carnaval, contrapor os abadás e promover uma folia momesca mais democrática no aniversário de 450 anos de Salvador, até hoje tem como principal bandeira a igualdade. Embora, quando aplicado a si em relação aos outros blocos, Selma recuse essa classificação.

“Não somos iguais a qualquer outro bloco porque nunca tivemos abadá e fomos os primeiros a tirar a corda. Nós nascemos com cordas, mas tiramos, e nossa corda hoje é filosófica. Não somos iguais porque trouxemos, há 25 anos, a bandeira da igualdade e da diversidade”, pontua.

À época da fundação dos Mascarados, em 1999, a presença feminina nos negócios era um diferencial, visto que o domínio masculino no cenário carnavalesco era a regra absoluta. “Ter uma Margareth Menezes como cantora principal não é uma proeza. Mas no bloco,  ela assumiu conosco também a gestão empresarial, o que é sim inovador. Isso em 1999, quando ninguém falava em empoderamento”, lembra Jaqueline Azevedo.

Hoje, Selma analisa que o cenário vem mudando e sendo mais receptivo às mulheres, enquanto Paula Resende afirma que não existe mais preconceito contra mulheres ocupando lugares de poder nas agremiações de Carnaval. “Atualmente, não existe mais esse tipo de preconceito, pelo menos não declaradamente, afinal são 25 anos de uma gestão de mulheres que deu resultado e assim conquistamos nosso espaço e respeito. Mas nem sempre foi assim, é verdade”, pondera Paula.

De acordo com ela, a  diferença entre um bloco comandado, predominantemente, por mulheres em relação a um bloco comandado, exclusivamente, por homens reside em alguns atributos. “Acredito que tenha mais leveza e sensibilidade na tomada de decisões no bloco comandado por mulheres. Somos mais divertidas também”, brinca.

*O Correio Folia tem apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador