Sertanejo leva compositores baianos para compor fora de Salvador

Mercado tem importado geração de artistas que estouram sucessos no axé e pagode, como Tierry

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  • Fernanda Santana

Publicado em 4 de fevereiro de 2024 às 09:00

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O baiano Tierry é um dos principais nomes do mercado de composições Crédito: Divulgação

Os olhos do Centro-Oeste brasileiro, onde se concentra a produção do sertanejo, estão sobre Salvador. Daqui saiu uma geração de compositores baianos que fomenta a cena local, mas tem abastecido cada vez mais o estoque de hits em Goiânia.

Um deles é Tierre Paixão, 34 anos, conhecido como Tierry. Nova estrela da indústria musical, compôs tantos sucessos que é apelidado de Tiehit - é dele, por exemplo, Hackearam-me e Rita. Em 2012, ele começou a compor para o axé.

Já era vocalista da banda de pagode Fantasmão, e estourou, em parceria, a primeira canção na voz de Ivete Sangalo, Dançando. Depois, viriam dezenas de composições para a própria Ivete, Claudia Leitte, Léo Santana e Bell Marques.

Em 2019, no entanto, Tierry decidiu se mudar de Salvador, incentivado por artistas como Marília Mendonça, falecida em 2021. Ele já tinha uma década de carreira, estava fora do pagodão para investir no sertanejo e acumulava composições de sucesso. “Estava procurando pessoas que me valorizassem, e encontrei longe”. Mais especificamente, em Goiânia, meca do sertanejo.

Saiu da Bahia para ser agenciado pela Work Show, empresa que cuida da carreira de ícones do sertanejo, como Maiara e Maraísa. Hoje, tem sucessos gravados nas vozes de Marília Mendonça, Jorge e Matheus, Wesley Safadão.

"Na época, tinha feito um disco, com Rita, Hackearam-me, isso estourou. Mas não adianta, você pode fazer o sucesso que for na Bahia, se não der sua vida, não toca. Ninguém aposta. Não adianta querer futuro se você não fizer filho. O axé precisa de filhos novos. O sertanejo fez isso também nas referências. O funk está estourado? Vamos agregar e chamar de funknejo. O arrocha estourou? Vamos dar o nome de sofrência."

Tierry.
Cantor e compositor de mais de 600 canções.

É na gestação de novo ícones que o sertanejo tem apostado, afirma Tierry, diferentemente da Bahia. “Sei que existe o Zezé [De Camargo], mas sei que tem Ana Castela. Acho que a música da Bahia parou de transferir a coroa”. E essa coroa tem que adornar também os compositores, acredita Tierry. “Como valorizar o compositor? Chamando ele para perto”.

Em Goiânia, ele diz ter sentido essa proximidade. Mal havia desembarcado lá quando foi convidado para um churrasco na casa de um sertanejo famoso. Entre uma carne e um copo de cerveja, cantavam e compunham.

"Mas a Bahia ainda tem grandes compositores do axé que não são valorizados. Vou dar um exemplo. Por que Tatau é tão maravilhoso e não é considerado um gênio? Tenho percepções, mas prefiro deixar essa questão."

Tierry.
Cantor e compositor.

A geração à qual Tierry pertence inclui nomes como de Bruno Caliman, Flavinho e Felipe Escandurras. Todos eles compõem mais para o mercado sertanejo que o da Bahia.

Desde 2014, Escandurras se aproximou do sertanejo – já escreveu para nomes como Luan Santana e Gusttavo Lima. Na Bahia, tem parcerias com Ivete Sangalo e Márcio. “Com hits de compositores, como de Tierry, produtores [do sertanejo] que só olhavam para o Sul, nos deram oportunidade. Emplacamos, graças a Deus”, conta Escandurras, que chegou a morar em Goiânia em 2014.

Ele diz ter razões para agradecer. “Primeiro, financeiramente. Esses artistas sertanejos dominam o ano todo, fazem investimentos pesados em rádio, shows, divulgação. Eles não só chegam no verão, visando algo para o Carnaval. Como o compositor depende dos direitos autorais, faz muita diferença”, explica.

Compositores experientes defendem mais valorização aos que estão por trás dos hits. Tonho Matéria, autor de hinos do axé como Menina me dá seu amor, teme que se isso não acontecer, o axé perca mais espaço.

"Os grandes compositores não se sentem motivados a fazer música. As pessoas deveriam estar cuidando dessa nossa música e dos criadores. Mas todo mundo quer cantar o seu produto, ficou muito no antropocentrismo.”

Em 2016, Tonho se juntou a um grupo de compositores, como Jorge Zárath e Tenison Del Rey, para “pensar na manutenção da música da Bahia”. “O que estamos fazendo é pegar elementos novos. Para o futuro, eu apostaria nisso. Mas a música, se ela não for cuidada, pode terminar se perdendo. O axé deveria ser tombado para virar patrimônio”, sugere Tonho.

Desde setembro de 2023, um projeto de reconhecimento do axé como patrimônio imaterial da Bahia, do vereador André Fraga, aguarda na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara Municipal de Salvador.

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