A festa não pode parar

Temos sentido uma necessidade latente de criar espaços nos quais pessoas negras possam se divertir e se sentirem seguras, em uma cidade na qual somos maioria

Publicado em 24 de abril de 2024 às 05:00

Nos últimos quatro anos, Salvador vem sendo amplamente reconhecida pela sua potência cultural e capacidade de promover ações afirmativas. A vinda de personalidades como Beyoncé, Viola Davis e Angela Bassett, a promoção de festivais voltados para celebrar as raízes negras, a exemplo do Afropunk e Liberatum, só reforçam a nossa capacidade de entregar resultados não só socialmente, mas também economicamente.

Assim, cada vez mais, temos sentido uma necessidade latente de criar espaços nos quais pessoas negras possam se divertir e se sentirem seguras, em uma cidade na qual somos maioria. No entanto, mesmo sendo um berço que promove a cultura e o entretenimento afrodiaspóricos e possibilita oportunidades de crescimento nos mais diversos âmbitos, onde está a verba que faz tudo isso acontecer?

Recentemente, foi divulgado pela Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (Abrape) que o setor de eventos continua sendo o maior gerador de empregos no país. Contudo, é possível perceber que a falta de investimentos em produções regionais está diretamente atribuída à dificuldade de sermos vistos pelas marcas. Ou ainda, assistimos a uma concentração de verba nos eventos pasteurizados e/ou realizados pelas grandes produtoras da cidade.

Essas questões ficam ainda mais evidentes quando trazemos para a realidade de pequenos e médios eventos, sobretudo aqueles realizados com base nas raízes culturais do povo preto. Convivemos diariamente com uma sensação constante de curto prazo de validade, no que diz respeito a criar celebrações culturais e ancestrais nos quatro cantos da cidade.

Atualmente, por exemplo, promovemos a “Quarta Pink”, um evento feito por e para pessoas pretas, com o intuito de entregar qualidade artística, produção, preço e, principalmente, público. No entanto, ao longo de quatro edições construídas com a nossa comunidade, corremos o risco de não conseguirmos mais realizá-la, já que, até aqui, fomos nós que custeamos integralmente esse evento. Não ter encontrado marcas dispostas a apoiar a Quarta Pink que é única e diferente em nossa cidade, pode significar o fim desse projeto que criamos com todo carinho para nossa gente.

Realizar um evento como este é, sem dúvidas, um orgulho muito grande, principalmente quando vemos a satisfação das pessoas em viverem a festa em sua plenitude. Mas, para que isso de fato aconteça, marcas e órgãos públicos precisam estar proativos em contribuir para a manutenção desses movimentos. Por isso, evidenciar discussões como essa se tornou algo urgente, justamente para validarmos esse sentimento de pertencimento como cidadãos e criadores culturais, promovendo um crescimento justo com um entretenimento de qualidade para um povo multicultural.

Letícia Sotero, Diretora Comercial da Agência Asminas