História

Mártir ou ‘marinheiro abjeto’? Chibata ainda maltrata o Marujo Negro

Líder de revolta que ameaçou destruir capital federal ressurge em polêmica sobre sua inclusão no livro de Heróis da Pátria

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  • Flavio Oliveira

Publicado em 4 de maio de 2024 às 16:00

oão Cândido liderou movimento contra castigos corporais na Marinha Crédito: reprodução

João Cândido, o Almirante Negro, morreu há 55 anos. Suas costas, porém, ainda são alvo de açoite, como mostra a carta assinada pelo comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen, reiterando a posição da força marítima contra o reconhecimento do líder da Revolta da chibata como um herói nacional, reconhecimento que tramita na Câmara dos Deputados há 3 anos depois de já ser aprovado pelo Senado.

Filho de escravizados, Cândido nasceu no Rio Grande do Sul em 1880 e, em 1910, 22 anos após o fim da escravidão no Brasil, liderou a Revolta da Chibata. Naquela época, a Marinha brasileira era a única do mundo a manter castigos corporais aplicados por oficiais brancos como punição a marinheiros negros.

O movimento eclodiu de 22 a 26 de novembro. Depois de dois anos de planejamento, cerca de 2 mil se rebelaram, tomaram o controle dos 8 principais navios da frota brasileira e apontaram os canhões para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

"Não queremos o retorno da chibata. Isto é o que pedimos ao Presidente da República e ao Ministro da Marinha. Queremos uma resposta imediata. Se não recebermos tal resposta, destruiremos a cidade e os navios que não são revoltantes", ameaçavam os insurgentes em carta enviada à Presidência. Alguns marinheiros e um oficial forma mortos, tiros de canhão foram disparados contra fortificações militares na Baía de Guanabara. Um tiro atingiu um cortiço no Castelo, no Centro do Rio, matando duas crianças.

As autoridades cederam. O governo sancionou a lei que pôs fim aos açoites e a que anistiava aos rebeldes. Porém, no dia 28, dois após o fim da revolta, o governo recuou e cancelou a anistia. Decreto presidencial permitiu a perseguição aos marujos que “representavam risco às Forças Armadas”. Cerca de 1,2 mil foram expulsos da Marinha, centenas, presos ou banidos para trabalhar a extração de borracha na Amazônia.

João Cândido foi um dos presos. Após sair da prisão, trabalhou na Marinha Mercante. Morreu na pobreza, no Rio de Janeiro, e foi adotado como símbolo de resistência e luta por igualdade pelo movimento negro. Apesar de tudo, amava a Marinha até o final de seus dias. Sentimento oposto ao que a corporação ainda mantém sobre ele.

A carta do comandante classifica a Revolta da Chibata como uma "deplorável página da história nacional" que se deu pela "ação violenta de abjetos marinheiros". "A Força Naval não vislumbra aderência da atuação de João Cândido Felisberto na Revolta dos Marinheiros com os valores de heroísmo e patriotismo; e sim, flagrante que qualifica reprovável exemplo de conduta para o povo brasileiro", registra o texto enviado no último dia 22 a Aliel Machado (PV-PR), presidente da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados. Como não podia deixar de ser, foi essa missiva que trouxe o Marujo Negro – como João Cândido passou a ser conhecido – de volta ao noticiário.

O comandante, em entrevista nessa semana, disse que a Marinha já tem um herói, Marcílio Dias, “também marinheiro, negro e nascido no Sul do País”. Marcílio Dias se destacou na Batalha naval do Riachuelo, na Guerra do Paraguai, em 1865, quando teve o braço decepado e morreu. Ele entrou no livro dos Heróis da Pátria em dezembro de 2022.

O filho do Marujo Negro, Adalberto Cândido, também em entrevista, afirmou não se surpreender com o posicionamento da Marinha. "Ela não se envolve em nenhum evento relacionado com meu pai", constatou. "Não quero que meu pai seja herói da Marinha, quero que seja um herói do povo. Meu pai é um herói popular".

Escolas voltam a registrar casos de racismo

Filha de atriz Samara Filippo foi atacada Crédito: reprodução

O Ministério da Educação (MEC) anunciou nessa quinta (3) que vai apresentar no próximo dia 14, protocolos de prevenção e resposta ao racismo nas escolas. Foi essa a resposta do órgão a três casos ocorridos nessa semana que mostraram que a discriminação por causa da cor da pele segue viva e forte dentro dos muros das escolas, espaço, em tese, de formação de cidadãos.

O caso mais notório envolveu a filha de 14 anos da atriz Samara Filippo. Duas ‘colegas’ de classe tomaram o caderno da menina, rasgaram páginas e nas que ficaram escreveram ofensas raciais. A artista usou suas redes sociais para denunciar, fez queixa na polícia e exige a expulsão das criminosas (racismo é crime). Tudo ocorreu na Escola Vera Cruz, em São Paulo. A unidade é apontada como sendo um espaço de elite.

O mais próximo envolveu o Colégio Antônio Vieira, um dos mais tradicionais de Salvador. Uma mulher criticou o fato de a escola indicar um livro antirracista da escritora Djamila Ribeiro para ser trabalhado pelos alunos. Ela disse que racismo é uma coisa que se discute apenas em família. Mães, pais e alunos do ieira defenderam o uso do livro e o conteúdo da publicação.

O terceiro caso ocorreu em Brasília, também envolvendo uma escola de elite. Durante um jogo, alunos do Colégio Galois proferiram palavras ofensivas aos estudantes da Escola Franciscana Nossa Senhora de Fátima, usando termos como “macaco”, “filho de empregada" e "pobrinho".

A forma de tratar o racismo em ambiente escolar divide especialistas. A lei permite até a expulsão de estudantes que praticaram o racismo. Outro acha que essa não é a melhor maneira de lidar com o assunto, pois não é “pedagógico”. O ideal, defendem, é que o combate ao racismo deve ser uma política permanente das escolas e que os casos devem ser divulgados – protegendo as crianças, principalmente as vítimas – e servirem como temas de debates internos para mostrar que a discriminação existe e acontece em todos os lugares a todos os instantes. Ainda segundo essa corrente, a expulsão levaria ao entendimento de que o racismo é algo excepcional e não cotidiano no Brasil.

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