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Como o papa da fundação de Salvador explica a tradição do caruru de setembro

Quando a capital baiana foi edificada, em 1549, o santo padre da época era Paulo III, cardeal-diácono de Cosme e Damião

  • Foto do(a) author(a) André Uzeda
  • André Uzeda

Publicado em 27 de abril de 2025 às 11:00

Os santos gêmeos Cosme e Damião, sincretizados como Ibejis no candomblé, são muito populares
Os santos gêmeos Cosme e Damião, sincretizados como Ibejis no candomblé, são muito populares Crédito: Antônio Saturnino/Arquivo Correio

A Bahia, digamos assim, conserva uma certa tradição no vínculo direto com os sumos pontífices católicos. O papa João Paulo II visitou o estado três vezes (em 1980, 1991 e 1997). Bento XVI promulgou a beatificação e Francisco canonizou Santa Dulce dos Pobres.

Já o mineiro Dom Lucas Moreira Neves, arcebispo primaz de Salvador por 11 anos (1987 a 1998), chegou a ser bastante cotado para aliançar o Anel do Pescador – símbolo máximo dos herdeiros de Pedro.

Parente distante do quase presidente Tancredo Neves, Dom Lucas era amigo pessoal de João Paulo II e foi nomeado pessoalmente por este para ser o prefeito da Congregação dos Bispos, alto cargo da Cúria Romana. Morreu em 2002, três anos antes da sucessão do santo padre polonês.

Por serem acontecimentos relativamente recentes, todas estas histórias ainda perpetuam o frescor da memória e são lembradas a cada novo conclave, como o próximo que se avizinha. O passado da capital baiana, no entanto, está intimamente ligado a outro papa, cuja biografia foi obliterada pelo tempo.

O italiano Paulo III era o cardeal supremo quando Salvador foi fundada, em março de 1549. Naquele mesmo ano, em outubro, viria a falecer, aos 81 anos. Mas, antes, encaminhou uma série de medidas que influenciaram completamente o espírito (santo) do seu tempo – e os desígnios deste torrão de terra, banhados por águas mornas.

Cidade do Salvador, dos católicos

Foi Paulo III quem convocou o Concílio de Trento, em 1545. Esse longo convescote – o maior, até hoje, de toda história da Igreja – era uma resposta direta à Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero (ou Martin Luther), quando este resolveu pregar suas 95 teses contestando os dogmas católicos da época.

Lutero, um monge agostiniano alemão, questionava o culto aos santos, por considerar que a salvação só viria por meio de Jesus. Entre suas teses, também punha em xeque a “infalibilidade papal” – dogma da Igreja que defende que o sumo pontífice é tocado pelo Espírito Santo, quando fala sobre fé e moral.

A ação de Lutero abria espaço para o surgimento de diversas novas religiões pentecostais, que arrebataram inúmeros fiéis da Igreja Católica. Todas baseadas em Cristo, mas com outras liturgias e interpretações da Bíblia.

Todo esse prólogo teve início em 1517, quase vinte anos antes de Paulo III assumir o papado. Coube a ele receber a galinha pulando e tentar resolver a querela. Ao convocar os cardeais na cidadezinha de Trento, no norte da Itália, cuspiu marimbondos e, em vez de flexibilizar as decisões que afugentavam seus devotos, decidiu dobrar a aposta.

A Igreja reafirmou a autoridade papal, manteve o celibato eclesiástico, o culto aos santos e resgatou medidas do Tribunal do Santo Ofício (aquele mesmo que queimava bruxas na Idade Média), além de incentivar ordens religiosas a catequizar povos no Novo Mundo. Entre eles, a Companhia de Jesus, grande responsável por destruir a cultura indígena brasileira, pela alta taxa de sucesso na conversão dos nativos ao catolicismo.

É neste alvoroço que Dom João III, rei católico de Portugal, encaminha a Thomé de Souza a ordem de erguer a Cidade do Salvador, planejada como capital da colônia, na borda da Baía de Todos os Santos. O próprio nome escolhido é reflexo deste contexto religioso de disputa, numa alusão direta a Jesus Cristo – reivindicado pelos católicos como unicamente seu.

O caruru de setembro

Além de, indiretamente, ter influenciado o nome da capital dos baianos, Paulo III deu outra fundamental contribuição para nossas vidas. Quando ainda era cardeal e se chamava Alessandro Farnese foi nomeado pelo Papa Alexandre VI para ser cardeal-diácono da Basílica de São Cosme e Damião, em Roma.

Apesar de não ser uma diaconia de muito prestígio, foi o primeiro título daquele que viria a ser o futuro Papa na Cúria Romana. Lá, desenvolveu um especial apreço pelos santos gêmeos e passou a divulgá-los.

A Igreja Católica tem uma hierarquia de santidades muito bem definida, cuja primeira fila é ocupada por Maria e José (pais de Jesus). Os apóstolos de Cristo aparecem na sequência e os demais revezam posições, a depender da influência política dos seus devotos.

Cosme e Damião, por exemplo, não são citados na Bíblia. Eram médicos gregos e morreram como mártires por defenderem a fé católica. No Brasil, a primeira igreja de Cosme e Damião foi construída por Duarte Coelho, em Pernambuco. Na Bahia, eles se amalgamaram com os Ibejis, gêmeos do candomblé, dando longevidade e novas interpretações ao culto.

Da matriz africana, viria o caruru, o corte certo do quiabo, os doces, as bandeirolas, as simpatias e o alimento aos sete meninos.

Esta coluna é dedicada a minha mãe, Mara Lúcia, católica, e que me ensinou a fazer o melhor caruru possível.