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Nelson Cadena
Publicado em 22 de março de 2019 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
Diogo Alvarez-Caramuru foi o mais hábil político da história do Brasil antigo: conseguiu ter influência sobre os Tupinambás, lidou bem com os traficantes franceses que durante três décadas percorreram nossas costas na busca do Pau-Brasil, se impôs sobre os aventureiros castelhanos e italianos e influenciou os portugueses credenciados pelo Rei, o Donatário da Capitania e o Governador Geral. Sem o seu conhecimento da terra e de sua gente, incluídos os 40 a 50 europeus que aqui residiam desde as expedições de Martim Afonso de Souza e da ocupação de Francisco Pereira Coutinho, Thomé de Souza teria tido muitas dificuldades para fundar Salvador e iniciar o processo de formação de uma colônia.>
Caramuru era um simples plebeu, não se sabe a sua atividade profissional - se marinheiro, soldado, ajudante de qualquer coisa - que se tornou nobre por obra e graça dos genealogistas e interesse de várias esferas de poder, incluindo a eclesiástica, ao reconstituírem o tronco inicial da família baiana formada por ele e a sua companheira predileta, a filha do Cacique Taparica, ela, sim, nobre, no conceito de sangue atribuído na época. Filha do maioral dos Tupinambás, era o correspondente a uma princesa e ganhou o nome de Catharina Paraguassu, concedido pela sua madrinha de casamento, Catharine Des Grandes. Rocha Pitta atribuiu o seu nome à toda-poderosa Catharine de Medicis, Rainha da França, naqueles idos.>
Era preciso dar ao plebeu condição de nobreza para além de seu papel de consorte da princesa. A Diogo Alvarez acrescentaram-lhe o sobrenome Corrêa, da linhagem dos Corrêas de Vianna do Minho e, mais tarde, recebeu o título de Cavaleiro do Rei. O casal Catharina e Diogo seria eternizado em bronze, no século XX, em uma escultura localizada em frente ao Museu do Traje em Viana do Castelo, Portugal.>
Em 1548, tamanho era o prestígio de Caramuru no Reino que foi ele o destinatário da carta que Dom João III escreveu em novembro solicitando o seu empenho pessoal na recepção ao Governador Geral. “E porque sou informado pela muita prática e experiência, que tendes dessas terras - escreveu o Rei - e da gente, e costumes delas, e sabereis bem ajudar e conciliar, vos mando que o dito Thomé de Souza lá chegar, vos vades para ele, e o ajudeis no que lhe deveis cumprir, e vos ele encarregar, porque fareis nisso muito serviço; e porque o cumprimento, e tempo de sua chegada, a ela abastada de mantimentos da terra para provimento da gente, que com ele vai...”.>
No desembarque de Thomé de Souza, em 29 de março de 1549, lá estava Caramuru, na linha de frente, com seus filhos, netos e genros. E nos dias subsequentes fez parte do conselho para a escolha do sitio da cidade que preteriu Paripe, Monte do Bonfim e Itapagipe, dentre as opções postas, em favor do espaço entre as Praças Municipal e Castro Alves, no cume da montanha. Foi incumbido de prospectar e inspecionar o terreno onde seria construída a cidade-sede da capital do Brasil. Ausentou-se de sua residência por um par de dias para cumprir a missão que apenas ele, pelo seu conhecimento da terra e interlocução com os gentios, poderia realizar sem riscos.>
Não teve tempo, nem condições favoráveis, de afirmar a sua influência. Veio falecer apenas oito anos após a fundação da cidade, idoso, em terras de Tatuapara, então pertencentes a Garcia D’Ávila, o novo senhor dos latifúndios, com terras a perder de vista e de cálculo fora dos frios documentos cartoriais. Caramuru e o Senhor da Torre casaram seus netos, Izabel e Diogo, de cujo consórcio nasceu Francisco Dias D’ Ávila Caramuru que expandiria em muito os domínios da casa senhorial.>