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Publicado em 11 de outubro de 2025 às 08:00
A renda per capita do Brasil, medida tanto pelo PIB nominal quanto pela paridade de poder de compra (PPP), coloca o país em uma posição intermediária na América do Sul: está acima de países como Bolívia, Paraguai e Equador, mas abaixo de Argentina, Chile e Uruguai, que tradicionalmente apresentam os maiores níveis de renda da região. Em 2023, o PIB per capita brasileiro em PPP girava em torno de US$ 21 mil, contra cerca de US$ 32 mil no Chile e US$ 30 mil no Uruguai, enquanto Bolívia e Paraguai ficaram abaixo de US$ 15 mil.>
Apesar de o Brasil ter um mercado interno robusto e um PIB total de destaque global, sua grande população dilui os ganhos médios, mantendo a renda per capita em patamares relativamente modestos. Além disso, a desigualdade social amplia as diferenças internas, de modo que a renda média disponível para grande parte da população brasileira ainda se situa em níveis inferiores aos dos países sul-americanos mais desenvolvidos. Ou seja, não somos ricos nem na América do Sul.>
Uma das principais teorias sobre porque as nações prosperam é a institucionalista, defendida por autores como Douglass North e, mais recentemente, Acemoglu e Robinson em Why Nations Fail. Essa perspectiva sustenta que o desenvolvimento econômico está diretamente ligado à qualidade das instituições políticas e econômicas. Instituições inclusivas que garantem direitos de propriedade, promovem o Estado de direito, asseguram a participação política ampla e estimulam a inovação criam incentivos para o crescimento sustentável. Por outro lado, instituições extrativistas concentram poder e riqueza em elites, restringindo oportunidades e limitando o desenvolvimento de longo prazo.>
Uma terceira abordagem foca na inovação, conhecimento e capital humano como motores do desenvolvimento. Inspirada em Joseph Schumpeter e na teoria do crescimento endógeno, essa perspectiva sustenta que a capacidade de gerar, difundir e aplicar novas tecnologias é o que diferencia as nações prósperas das demais. Países que investem em educação de qualidade, pesquisa científica e ambientes favoráveis ao empreendedorismo criam um ciclo virtuoso de inovação e produtividade. Essa visão complementa as demais ao destacar que, ainda que as instituições e o contexto geográfico sejam relevantes, a prosperidade só se consolida quando há capacidade contínua de renovação tecnológica e social.>
A tese de que o Brasil é pobre apenas por ter sido colonizado por Portugal simplifica excessivamente um fenômeno complexo e ignora múltiplas variáveis que moldaram o desenvolvimento nacional. É uma desculpa esfarrapada!>
Outros países colonizados por potências igualmente predatórias, como Estados Unidos e Austrália, com intensa miscigenação, alcançaram elevados níveis de prosperidade, o que evidencia que o legado colonial, embora relevante, não é determinante único. Aliás, a Austrália, país localizado na longínqua Oceania, começou a ser colonizada pelos britânicos no final do século XVIII, principalmente como colônia penal, para onde eram enviados prisioneiros, muitos deles condenados por crimes comuns, que iam de pequenos furtos a delitos mais graves. Entre esses deportados havia, de fato, ladrões, prostitutas e outros marginalizados sociais. Sem usar essas desculpas como escudo, a Austrália construiu e possui hoje uma renda per capita em termos nominais (PIB per capita em dólares correntes) de cerca de US$ 64.550 por pessoa.>
O que diferencia trajetórias para o sucesso das nações é a combinação posterior de fatores institucionais, políticos e sociais, como a construção de instituições inclusivas, a qualidade da governança, a capacidade de investir em educação e inovação e a forma de integração à economia global. Assim, a pobreza brasileira não pode ser atribuída exclusivamente ao passado colonial, mas deve ser entendida como resultado de escolhas históricas internas, persistência de elites extrativistas e falhas na modernização de suas estruturas produtivas e sociais ao longo dos séculos.>
Sejamos francos, papo reto: o Brasil falhou de forma reiterada em praticamente todos os fatores que explicam por que algumas nações prosperam. Na construção de instituições inclusivas, seguimos presos a um modelo de elites extrativistas, em que pequenos grupos políticos e econômicos se apropriam do Estado para seus próprios interesses, mantendo a maior parte da população à margem das oportunidades. A qualidade da governança é cronicamente frágil: a burocracia é ineficiente, a corrupção endêmica e as regras mudam ao sabor de conveniências, desestimulando a confiança e o investimento produtivo.>
No campo da educação e da inovação, o atraso é gritante. O país insiste em gastar mal e aloca recursos em estruturas inchadas e corporativistas em vez de focar em resultados de aprendizagem e na preparação de capital humano competitivo. O investimento em ciência e tecnologia é intermitente e sujeito a cortes cíclicos, o que inviabiliza qualquer política de longo prazo. Enquanto outras nações se transformaram em polos de inovação, o Brasil permanece como exportador de commodities, incapaz de transformar conhecimento em valor agregado de forma consistente.>
Por fim, a forma de integração à economia global é marcada por timidez e protecionismo: apostamos em um mercado interno fechado, alimentado pela cultura estatizante e pela mentalidade paternalista que tratam o cidadão como dependente do Estado em vez de protagonista de sua própria prosperidade. Isso nos condena a repetir ciclos de crescimento ilusório seguidos de estagnação. Em suma, não é o acaso, nem apenas o passado colonial que nos atrasa, mas a insistência em práticas políticas e culturais que já demonstraram inúmeras vezes sua ineficácia.>
Ah, claro, deixemos o sarcasmo aflorar um pouco, porque, se há uma instituição que “colabora” com o atraso do Brasil, ela costuma vestir toga: imagine um país onde o Judiciário consome cerca de 1,3% a 1,6% do PIB, sim, esse é o custo estimado do sistema de justiça brasileiro, englobando tribunais estaduais, federais, Supremo etc. Isso significa algo como R$ 130 a 160 bilhões anuais, vou repetir, bilhões direcionados predominantemente a salários, penduricalhos e benefícios.>
E como ficam os “outros países” nessa comparação? Pois bem: a média internacional de despesas judiciais gira em torno de 0,3% do PIB. Ou seja, o Brasil gasta facilmente quatro a cinco vezes mais do que o padrão global. Para dar tempero extra, o STF “sozinho” ostenta um orçamento que custa quase dez vezes mais que o Supremo britânico, cujo orçamento anual gira em torno de R$ 97 milhões.>
Pois bem, vejam só: enquanto o Brasil delibera sobre cortes em saúde, educação ou infraestrutura, como se fossem opções, o Judiciário segue impávido, caro, inchado, lento e com aparato institucional que permite causas durarem décadas. E, claro, quem sofre com a lentidão, com a seletividade no acesso e com decisões imprevisíveis (ou politicamente calibradas) são os cidadãos, os empreendedores, aqueles que tentam inovar ou investir.>
Vejamos a persistente pobreza do Nordeste brasileiro, que decorre, eu diria, menos das limitações naturais do semiárido e mais da herança de estratégias coronelistas, que perpetuaram a concentração de poder e a dependência política. Esse padrão, reforçado por políticas estatais paternalistas, consolidou um ciclo de atraso difícil de romper.>
Sim, porque colocar a culpa no clima tórrido do Sertão é um abuso à nossa inteligência. Tem lugar mais seco que Israel? Situado em uma região ainda mais árida, o país transformou um deserto em oportunidade ao investir em ciência, tecnologia e instituições sólidas. A criação da irrigação por gotejamento, o avanço na dessalinização e o desenvolvimento de um ecossistema de inovação mostram que a prosperidade não depende apenas de recursos naturais, mas de liderança visionária e de um projeto nacional de longo prazo.>
Só para lembrar, o PIB per capita nominal de Israel está na faixa de US$ 57.760 por pessoa (dados de 2025). Quanto à inovação, Israel é frequentemente chamado de “startup nation” por boas razões. O país tem produzido invenções e tecnologias de relevância global: irrigação por gotejamento, sistemas avançados de dessalinização, biotecnologia, cibersegurança, entre muitas outras. Em termos de reconhecimento acadêmico e científico de impacto internacional, Israel soma 13 prêmios Nobel desde 1966, nas áreas de Química, Economia, Literatura e Paz.>
Sabe quantos prêmios Nobel nós ganhamos? Nesse campo, estamos com zero — tão ruins quanto o ataque do Vitória.>
Jorge Cajazeira é Ph.D. pela Fundação Getulio Vargas (EAESP) e consultor internacional de empresas.>