Diretor de filme brasileiro da Netflix: cangaço é ‘nosso faroeste’

O cineasta Marcelo Galvão conversou com o CORREIO sobre o filme O Matador

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  • Laura Fernades

Publicado em 12 de novembro de 2017 às 06:10

- Atualizado há 2 anos

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O ator português Diogo Morgado cresceu no cangaço em O Matador por (Foto: Pedro Saad /Netflix Divulgação)

Diretor de O Matador, primeiro filme do Brasil na Netflix, o cineasta carioca Marcelo Galvão, 43, conversou com o CORREIO sobre o filme de faroeste que acaba de chegar no serviço de streaming. “Não vim trazer um faroeste americano para dentro do Brasil, vim dar uma reforçada no faroeste que a gente teve aqui”, garante o diretor vencedor do Festival de Gramado 2012 com Colegas, filme protagonizado por atores com síndrome de Down. Confira a entrevista completa.

[[galeria]]  O que você pode destacar sobre esse “faroeste brasileiro” que é O Matador? A gente tem um contexto na história do Brasil super pertinente que é o cangaço: o nosso faroeste. Era isso que eu queria retratar. Não vim trazer um faroeste americano para dentro do Brasil, vim dar uma reforçada no faroeste que a gente teve aqui, nessa terra sem lei onde você tinha bandidos que matavam por uma pedra preciosa. Tem personagens reais dentro do filme, Corisco, Dadá... Ele é contextualizado com o momento histórico brasileiro, mas com uma roupagem mais parecida com os ‘westerns’ americanos, italianos: planos grandiosos com lentes angulares, drones, uma coisa muito diferente do que a gente está acostumado a ver na produção brasileira que vem mais da novela, com planos mais fechados. Quis fazer uma coisa mais grandiosa.

Por que trouxe o cangaço e o sertão para essa história? Queria fazer um filme de ação e não queria fazer coisas que já tinham sido feitas: filme sobre favela, sobre polícia... Queria fazer uma coisa inédita e aí me apeguei a esse contexto histórico que é o cangaço. O Nordeste é o palco onde tudo isso aconteceu. Quis uma coisa mais original, mais brasileira, então viajei um ano antes, visitei todo o Nordeste, visitei o interior de Pernambuco, da Paraíba, de Alagoas, da Bahia, fui pra o Ceará e aí entendi qual era esse contexto geográfico em que nossa história iria se passar. Adaptei muita coisa do roteiro que já tinha escrito para aquilo que aprendi aí. Foi assim que eu uni o Nordeste à minha história.

O que destaca sobre o ator português Diogo Morgado? O Diogo é um excelente ator, um cara muito versátil que consegue fazer Jesus Cristo e um matador. Cara muito talentoso. Quando me indicaram ele, eu pensei: ‘não, não dá para um ator português fazer um nordestino, um cara que vive no sertão e foi criado no meio do nada. Como um cara português vai fazer isso?' E aí eu meio que tirei ele da jogada. Mas ele me mandou um teste feito pelo WhatsApp e eu pirei. Ele mandou muito, muito bem. Houve toda uma desconstrução também, porque ele é muito bonito e a gente teve que deixar ele feio. Veio até dele a ideia de criar uma dentadura pra dar uma ‘enfeiada’ no rapaz e deu certo.

A violência chamou a atenção de quem viu O Matador. Porém, você afirmou que o filme não se resume a isso. Por quê? A violência é o mais óbvio de tudo, o filme chama O Matador e não tem como não ser violento. Mas o filme vai muito além disso: é sobre uma questão social que é discutida ali, uma relação de poder onde uma pedra vale mais do que uma vida. Vejo o filme muito mais como uma questão social e principalmente de uma busca de identidade - de um filho querendo saber quem é o pai para poder entender quem ele é - do que essa questão violenta, que é óbvia. Essa é a coisa mais superficial que existe e a pessoa que se ateve a isso não conseguiu se aprofundar nas coisas mais importantes que têm dentro do filme.

Qual é sua opinião sobre os novos rumos do audiovisual, que têm sido influenciados por serviços como a Netflix? Cinema não se restringe às salas comerciais onde você paga ingresso, compra uma pipoca, senta naquela cadeira luxuosa... Cinema é esse momento catártico, onde você reúne pessoas para assistir todas juntas. Hoje em dia, isso acontece bastante e de diversas formas. Pela democratização dos aparelhos de projeção, principalmente, você consegue viabilizar isso. Não vejo O Matador como um filme que vai ficar só restrito à plataforma Netflix. Vai ser por onde a gente vai assistir, mas isso não quer dizer que você precisa assistir pela televisão: você pode assistir em uma tela grande para outras pessoas assistirem junto e ter aquele momento único que o cinema proporciona. O que todo mundo quer é que as pessoas assistam e quando o filme vai para uma plataforma dessa, que tem 190 países, mais de 20 línguas, mais de 110 milhões de usuários, ele se eterniza. Atinge um público que nunca conseguiria atingir no cinema.