Cadastre-se e receba grátis as principais notícias do Correio.
Da Redação
Publicado em 27 de fevereiro de 2022 às 17:00
- Atualizado há 2 anos
Uma mãe chega do trabalho e se depara com seu filho brigando na rua com outro garoto, ambos de 10 anos, dentro de um condomínio fechado na Paralela. No meio da confusão, ela consegue separar os dois, no momento que chega os pais da outra criança. A briga, antes por causa de uma bola, vira bate-boca entre adultos, cada um tomando as dores do seu respectivo rebento. “Foi horrível. Não houve agressão física, mas chamamos atenção do condomínio todo. Eu tive uma boa convivência com eles que não existe mais. Já meu filho voltou a brincar com o garoto novamente”, lembra a advogada, que pediu anonimato. Afinal, quando e como os pais devem se meter em um conflito entre crianças que moram em um mesmo condomínio? E o síndico? >
No início do mês, outro caso chamou atenção no condomínio Villa Privilege, no bairro da Vila Laura, em Salvador. Um pai, ao saber que a filha teria se envolvido numa confusão com um menino, desceu para tomar partido: "Desconta. Quem vai apanhar é você. Na cara, na cara dele", disse o pai à filha, como circulou nas redes sociais. Primeiramente, a atitude do pai, além de truculenta, fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Contudo, o objetivo aqui não é julgar, isso deixamos com a Justiça. Preferimos orientar. Qual o papel dos pais, do condomínio e das crianças quando um conflito começa? Ouvimos a psicóloga infantil Marcella Trinchão, que nos ajudou a fazer uma cartilha sobre o assunto. Vamos resolver a treta?>
Como podemos dar um bom exemplo em casa? A psicóloga infantil Marcella Siqueira Trinchão chama atenção para um fator decisivo no comportamento de uma criança no convívio social, incluindo o condomínio onde mora: o exemplo vem de casa. Antes de separar uma briga, é bom pensar na prevenção. Se a criança aprende em casa como resolver seus problemas sem violência, provavelmente ela fará a mesma coisa na rua. Não é um fator decisivo, mas ajuda. "O adulto é o modelo para uma criança, principalmente os pais. E não adianta apenas falar como deve ser feito. Se você fala para seu filho não ter um comportamento agressivo e demonstra isso no cotidiano, provavelmente ele vai seguir seus passos na prática. Não é determinante, pois não podemos descartar o temperamento da criança. Mas é um fator importante", disse Marcella. ‘Faça o que eu digo, não faça o que eu faço’ está ultrapassado. Dê exemplo! >
O que fazer quando é meu filho na briga?>
é natural ativar um gatilho protetor quando seu filho está dentro de uma confusão, o que não lhe dá direito a tomar partido, principalmente quando envolve outra criança. É seu rebento que está em risco, não é fácil manter a serenidade, mas é preciso. O exemplo do pai no condomínio Villa Privilege, na Vila Laura mostra isso. ele, ao invés de tentar resolver de forma mais assertiva, incentivou a filha a bater na outra criança. Respire. O que você precisa fazer, como responsável da criança, é orientar e procurar um diálogo, jamais incitando mais violência. Intervir, mas sem tomar partido é um caminho aconselhável. Também não queira resolver todas as brigas do seu filho por ele. Oriente, mas dê autonomia para que ele tente solucionar seus problemas sem agressividade e passividade. Uma criança que se cala diante de um conflito também precisa de atenção.>
CONHEÇA O CORREIO AFRO>
É natural criança brigar entre elas?>
Quem nunca teve seu filho mordendo ou sendo mordido na escolinha, que atire a primeira pedra. Uma criança está em formação social e, assim como no adulto, é natural que sinta raiva. A diferença é que adultos sabem como proceder e são responsáveis pelos seus atos. A criança, não. Ela vai sentir raiva e buscar se defender de forma primitiva, muitas vezes com uma mordida no amigo do condomínio porque teve o brinquedo tomado. Porém, é bom ficar atento. Especialistas aconselham atenção quando a agressividade se torna frequente. Neste caso, cabe aos pais observarem a criança. As atitudes agressivas podem ser consequência de diversos fatores, como um irmãozinho novo ganhando mais atenção em casa e até bullying na escola. Procure também ajuda de especialistas, como psicólogos infantis. "Com a pandemia e este retorno presencial das escolas, pode acontecer alterações no comportamento das crianças. É sempre bom acompanhar este retorno ao convívio com outras crianças", resume Marcella.>
Qual a responsabilidade do condomínio?>
O condomínio não é responsável pelas crianças nas suas dependências, mas precisa oferecer manutenção das áreas destinadas para a garotada. Até 10 anos, aconselhasse o acompanhamento de um adulto nas áreas comuns, principalmente em locais como piscina, por exemplo. Bom evitar, também, que crianças menores convivam em áreas destinadas a adolescentes. O condomínio também pode estabelecer espaços por faixa etária ou determinar um horário de utilização para cada idade. Em caso de briga entre crianças ou adolescentes, os funcionários devem informar aos responsáveis imediatamente e interceder em caso de ‘vias de fato’, mas sem tomar partido. Uma boa dica é criar um manual de convivência atestado e aprovado por todos os moradores do condomínio, deixando bem clara as regras estabelecidas. Em caso de agressão envolvendo adultos e crianças, procure as autoridades.>
O adulto pode piorar a treta?>
Com certeza. O adulto deve intermediar e orientar um conflito entre as crianças, mas não deve encarnar o juiz de um tribunal. Como já reforçamos, o maior precisa ser o modelo. Acalme os ânimos, escute todos os envolvidos e deixe claro que a conversa não é para achar culpados, tampouco para dar castigos. O intuito é resolver. Lembre-se que a amizade da garotada está em jogo e o convívio no condomínio é contínuo e quase diário. Trate todo mundo igual e mostre que é muito mais vantajoso resolver com diálogo. >
O que fazer quando os adultos agridem uma criança?>
O ponto mais perigoso do tema, pois se torna caso de polícia. "Ainda hoje a violência contra crianças é banalizada, mesmo após mais de 30 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) falar que a criança é um ser humano em desenvolvimento, cujos direitos básicos como viver sem violência, devem ser assegurados", disse Katyane Souza, pedagoga que rebate a velha fórmula de que "se apanha em casa para não apanhar na rua". Tomando como exemplo o caso do condomínio na Vila Laura, o pai da menina que teria sido agredida pelo amiguinho agiu de forma agressiva, mas não chegou a agredir o garoto. Isso não significa que ele não feriu o Estatuto da Criança e do Adolescente. Naquele momento, que ele mandou a própria filha bater na cara da outra criança, o adulto pode ter infringido o Art. 232 do ECA: "submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento", diz a lei, que prevê, inclusive, detenção de seis meses a 2 anos. Está com raiva? Se sentiu injustiçado ao ver seu filho brigando? Respire, separe a briga e procure os pais ou responsáveis da outra criança para um diálogo.>