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Roberto Midlej
Publicado em 29 de junho de 2025 às 00:01
Em 13 de fevereiro de 1965, Maria Bethânia subia no palco do Teatro Opinião, no Rio de Janeiro, para substituir Nara Leão (1942-1989) no espetáculo que levava o mesmo nome daquela casa. A data marcava a estreia profissional da cantora baiana, que tinha 18 anos e é agora apontada unanimemente como uma das maiores vozes da história da música brasileira. >
Na semana passada, a artista nascida em Santo Amaro anunciou uma nova turnê, Maria Bethânia - 60 Anos de Carreira, que será apresentada a partir de setembro apenas em três cidades: Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Na capital baiana, o espetáculo chega à Concha Acústica no dia 15 de novembro.>
Os ingressos poderão ser adquiridos em pré-venda nesta segunda-feira (30) e terça-feira (1º), começando às 10h online, e 11h nas bilheterias oficiais. Nesses dias, a venda será somente para quem tem cartão Elo. Para o público geral, a venda começa na quinta-feira (3), nos mesmos horários e canais. Os ingressos estarão disponíveis online somente na www.ticketmaster.com.br e nas bilheterias oficiais.>
O CORREIO conversou com Bethânia sobre a nova turnê, que acontece logo em sequência aos shows que realizou com o irmão Caetano Veloso. A relação com Caetano - a quem a cantora mostra muita reverência -, é também assunto da entrevista. “Caetano é um mestre, um guia. Sempre foi”, diz Bethânia. Veja também o que a cantora fala sobre a maneira como o público reagiu ao momento em que o irmão cantava, na turnê, a canção Deus Cuida de Mim, um louvor evangélico. Sobre a amiga Gal Costa, que morreu em 2022, ela disse não estar pronta para falar.>
Esta nova turnê que celebra os seus 60 anos de carreira é baseada nos shows Rosa dos Ventos e A Cena Muda?>
Eu acho que o release indicou que esses dois espetáculos estarão representados, revivido em algumas situações, mas dá a impressão de que o show é uma memória de tudo o que vivi. Mas não é nada disso: sou eu hoje, agora. Reflete o meu pensamento hoje, sobretudo o que eu vejo, o que eu ouço e o que eu gosto, o que eu discordo, o que eu me apaixono, o que eu desprezo. Então, é como sempre são os meus espetáculos: com canções inéditas também, momentos completamente inéditos de compositores que já cantei. Esses dois elementos - Rosa dos Ventos e A Cena Muda - estarão representados, sim, no espetáculo, porque me servem. Me servem porque foram os dois escritos especialmente para mim, por Fauzi Arap e Flávio Império.>
O espetáculo Opinião, que a revelou nacionalmente, tornou-se mítico e é lembrado por diversas gerações. Afinal, o que era o espetáculo e o que ele representou para você?>
Era um espetáculo de teatro e música, com cinco autores, com direção de Augusto Boal. Era tudo de teatro. Um teatro de arena de São Paulo e o Grupo Opinião do Rio de Janeiro. Os intelectuais e os profissionais de teatro. Era um espetáculo de teatro e música. João, Zé e Nara, era um espetáculo basicamente teatral, mais parecido com minha linha de shows, não era só um musical, onde saía todo mundo cantando, fantasiado de strass. Era um musical com um pensamento, uma ideia, uma dramaturgia muito nítida. Foi o espetáculo que me lançou como cantora, por isso eu comemoro 60 anos a partir da estreia do Opinião. Cantei antes na Bahia, mas profissionalmente a estreia foi ali.>
Caetano Veloso, seu irmão, foi morar com você no Rio, quando você ainda não havia completado 18 anos e ele atuou praticamente como seu tutor. Qual a importância de Caetano para você como irmão?>
Caetano é meu irmão mais velho, mas era um pouco meu iluminador, que me mostrava as coisas, me ensinava os caminhos, me dava caminhos para escolher e isso que é importante. Sempre me mostrou tudo de música a que ele tinha acesso, tudo de teatro, tudo de cinema… tudo de arte. Conheci Clarice Lispector porque Caetano tinha assinatura de uma revista onde ela escrevia. Foi Caetano, no quintal na casa de nossos pais, que me mostrava as coisas, me indicava para eu prestar atenção. >
Maria Bethânia
sobre Caetano Veloso, seu irmãoE como somos os irmãos mais próximos [em idade], ele pôde me guiar muito, orientar muito, me mostrar coisas muito diferentes. Meu pai sabia da nossa relação e meus dois outros irmãos já estavam trabalhando em Salvador e não poderiam vir [para o Rio]. Então, Caetano foi o escolhido para me acompanhar.>
Você é muito elogiada por seu desempenho em palco e pela maneira como se entrega à interpretação. Sua atuação pode ser comparada à de uma atriz. Já pensou em ser atriz?>
Quero não (risos)! Não sou atriz não; sou cantora. Sou intérprete, se não quiser chamar de cantora. Atriz, eu acho a coisa mais linda do mundo! Sou encantada com teatro, fui educada na Escola de Teatro da Bahia, no auge do seu brilho, de seu encanto. Conheci grandes atores que conheci aí, diretores e professores. Mas eu sou intérprete e cantora. Não quero ser atriz não. Atriz é Fernandinha [Fernanda Torres], Renata [Sorrah], Fernandona [Fernanda Torres]. Admiro tanta gente que conheço desde menina: Helena Ignez, [Antônio] Pitanga, Geraldo del Rey. Tem também uma atriz chamada Sonia, que morreu muito cedo [Nota da redação: Bethânia deve estar se referindo a Sônia dos Humildes, da Escola de Teatro da Ufba, que morreu em 1980, aos 40 anos]. A Bahia, nesse período, muito bonito, muito rico… Atualmente, não tenho visto muito teatro, não tenho visto na Bahia o que está acontecendo muito de teatro, mas adoro ver teatro. Mas não quero ser atriz não.>
Em 2023, a senhora tomou posse na Academia de Letras da Bahia. O que significou aquele momento para você?>
Isso é uma honraria que não tem nem como comentar. É uma honraria muito alta, meu Deus! Sou doutora honoris causa da Ufba, é muito grande! Da Universidade Federal do Ceará. É muita nobreza! Sou da Academia, recebi a Medalha de Mérito Cultural em Portugal, são homenagens muito grandes e a Academia de Letras da Bahia me conceder essa honraria para mim é muito importante.>
Numa ocasião, a senhora disse ao CORREIO que escrevia, mas queimava os seus textos. Agora, que integra a Academia de Letras da Bahia, não é hora de tornar públicas suas criações e parar de queimá-las?>
Não! Eu sou cantora, gente, eu estou no palco! Não precisa outra área, não. Continuo escrevendo, mas tenho escrito pouco, tenho trabalhado no show, então, fico com a cabeça só para aquilo. >
Maria Bethânia
cantoraEm 2022, morreu Gal Costa, um dos símbolos da música brasileira e muito próxima de você. Como lidou com a morte dela?>
Gal, minha amiga e uma cantora extraordinária. Muito triste, arrasada, até hoje, não gosto nem de pensar.>
Não gostaria de falar sobre ela?>
Não, não. Deixa ela descansar.>
Durante a turnê com Caetano, ele cantou Deus Cuida de Mim, um louvor evangélico. Parte expressiva do público, no entanto, pareceu não gostar e o próprio Caetano disse que a plateia recebeu a canção de maneira fria. Acha que essa reação é uma espécie de intolerância?>
Eu acho que religião é algo que você escolhe. Todo mundo tem direito de escolher aquela que quer. Todo mundo tem direito de escolher tudo, aliás! Mas religião é forte, importante como escolha pessoal. E acho que o Brasil, no momento, vive como o mundo, uma espécie de tormenta, um mundo revolto, como um mar revolto. Então, as religiões estão batendo de frente uma com a outra. E isso é muito triste, muito ruim, porque cada um é o que escolhe, tem que ser respeitado. É um direito de Caetano querer cantar e se ele tem uma admiração, ele canta! Qual o problema? >
Maria Bethânia
cantoraO que acho ruim é o desequilíbrio entre as religiões. Elas são definidas, claras. Você escolhe a sua e fica na sua. Deixa a do outro em paz, segue. Não fica se amarrando, isso é bobagem. Isso é que não presta, respeita! [diz, elevando o tom de voz].>
No filme Aquarius, a personagem de Sônia Braga diz a seguinte frase a um sobrinho que tenta conquistar uma moça: “Toca Maria Bethânia para ela. Mostra que tu é intenso”. O que achou dessa frase? E você é intensa?>
Acho um espetáculo! Acho que Soninha deve ter se divertido muito para dizer isso. Acho maravilhoso isso. Me considero intensa. Bem sei o quanto sou intensa e o quanto pago por ser intensa. Me canso de mim, às vezes. >
Além de intensa, você parece ser muito rigorosa com seu trabalho. >
Sou rigorosa em tudo. Meu trabalho é intocável, trato meu trabalho com luvas de pelica, como dizia no meu tempo. E que ele me trate assim também! E ele me respeita: é um amor mútuo e respeito mútuo.>
O seu disco Álibi (1978) atingiu a marca de um milhão de cópias vendidas, número que jamais havia sido alcançado por uma mulher na indústria nacional. A senhora imaginava que faria tão sucesso de público e crítica?>
A gente não tem noção quando está fazendo. Mas tive sorte imensa de ter Djavan compondo [a canção que dá nome ao disco é dele], ainda muito novo, menino, e Gonzaguinha também muito novo, compondo especialmente para mim [Explode Coração]. Dona Ivone Lara [autora de Sonho Meu], que tive a honra de conhecer. Sabe quando dá certo? Teve O Meu Amor, com Alcione - música de Chico Buarque -; Gal, em Sonho Meu. Todos iluminados. Quebrei a barreira do som, como Wally dizia.>
Você e Caetano - dois gênios da arte brasileira e dois dos maiores nomes da nossa música - saíram de um ventre que só pode ser abençoado e foram criados no mesmo ambiente familiar. Como era a casa de vocês?>
Obrigada pelo gênio, mas não sou gênio, não. O gênio ali é Caetano. Sou uma cantora popular. Nós fomos criados em um ambiente muito amoroso, muito respeitoso e muito musical. Éramos muitos filhos, meus pais tinham escolhas musicais e cada um dos filhos com a sua. Então, vimos de tudo, crescemos em um ambiente de amor e de respeito e de boa formação graças a Deus. Nossos pais extraordinários, mágicos, lindos, encantadores e seguros, nos davam segurança para que ‘delirássemos’, no melhor sentido.>
Há pouco, vimos Gilberto Gil e Milton Nascimento anunciarem que estão se despedindo dos palcos. A senhora tem 60 anos de carreira e 79 anos de idade. Pensa sobre parar de fazer shows? >
Não, não fico pensando nisso não. Observo como estou, observo a capacidade vocal que tenho, a capacidade de lucidez que tenho, de direito de escolha e se estou animada. Se tenho inspiração e me sinto inspirada, quero a fazer ainda. Não penso nisso. Se tiver que parar, eu paro. Não preciso explicar para você nem para ninguém.>
Turnê Maria Bethânia - 60 Anos de Carreira>
Data: 15 de Novembro>
Local: Concha Acústica>
Preço: R$ 240 (meia) | R$ 480 (inteira)>
Obs: Os ingressos poderão ser adquiridos em pré-venda nesta segunda-feira (30) e terça-feira (1º), começando às 10h online, e 11h nas bilheterias oficiais. Nesses dias, a venda será somente para quem tem cartão Elo. Para o público geral, a venda começa na quinta-feira (3), nos mesmos horários e canais>