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Roberto Midlej
Em maio de 1978, Robson Silveira da Luz, um rapaz negro de 21 anos, voltava de uma festa em São Paulo, na madrugada e, com uns amigos, pegou umas caixa de frutas num caminhão que passava e eles foram comendo pelo caminho. Uma mulher alertou o motorista, que fez a denúncia. A acusação chegou a um policial que conhecia Robson e o encontrou num ônibus.
"No mesmo dia, ele foi para o pau de arara, tomou choque, teve os pés feridos e ficou vomitando os rins e o fígado. Morreu em uma semana. E o delegado não gostava de negros. Vimos uma menina servir café e o delegado derrubou a bandeja, dizendo que não tomava café servido por uma negra". Essa segunda parte do relato é de Sueli Alves da Luz, viúva de Robson. O depoimento dela está na série Resistência Negra, que chega nesta segunda-feira (20) ao Globoplay, para marcar o Dia da Consciência Negra.
Neste primeiro de um total de cinco episódios, chamado Tecnologia Ancestral, a história de Robson é o pretexto para contar a história do movimento negro no Brasil. O caso de tortura tornou-se fundamental para a organização da resistência negra e para a criação do Movimento Negro Unificado (MNU), que em 7 de julho daquele 1978 organizou um ato público contra o racismo.
O primeiro capítulo mostra também a resistência na forma de aquilombamento, dos primeiros quilombos do período escravocrata - com destaque para Palmares - aos atuais movimentos negros existentes no país. Nesta primeira parte da série, um dos destaques é Erica Malunguinho, que foi a primeira deputada estadual negra e trans eleita por São Paulo, em 2018. Em outros episódios, aparecem, entre outros, a escritora Conceição Evaristo e o influenciador digital Julio de Sá, que falam sobre as suas vivências como negros no Brasil.
Em média, são dez depoimentos por capítulo, incluindo intelectuais negros como Sueli Carneiro, Cida Bento, Lucimar Felisberto e Petrônio Domingues. Entre os entrevistados, está também o professor doutor babalaô Ivanir dos Santos, idealizador da série.
Os cantores Djonga, de Minas Gerais, e a baiana Larissa Luz são os apresentadores de Resistência Negra. A dupla também canta e participa de encenações junto com Lua Miranda, criança que faz sua estreia no audiovisual.
Com autoria de Grace Passô, Mariana Jaspe e Paulo Lins, e pesquisa de Jaqueline Neves, a série tem direção geral de Mayara Aguiar. "Importante evidenciar que a série não é sobre 'A' história do movimento negro: não estamos inventando a roda aqui. É sobre 'uma' história do movimento negro brasileiro; é um recorte, um olhar, um pedaço, uma maneira de contar sob o nosso ponto de vista", diz Mariana.
A atriz mineira Grace Passô, conhecida por filmes como Temporada (2018) e No Coração do Mundo (2019), diz que "resistir" vai além de sobreviver e implica também "construir": "É comum associar a resistência com histórias de violência. A importância da série está em mostrar modos diferentes de resistência por meio da construção da militância, da construção de conhecimento, através das artes, da política".
Um importante elemento na resistência, que é o resgate da ancestralidade, também está na produção, segundo Paulo Lins, autor do romance que inspirou o filme Cidade de Deus (2002): "Quando a pessoa era sequestrada na África, ela tinha que esquecer o seu idioma, sua arte e sua religião. Tinha que cultuar os deuses europeus e incorporar os costumes dos brancos. A cultura e arte africana nos uniram nesta guerra porque trouxeram toda a força de nossa ancestralidade".