Nova ficção de Barbara Carine debate o racismo nos ambientes de aprendizado

Livro 'Querido Estudante Negro' mescla memórias da autora relatos de outros estudantes

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  • Luiza Gonçalves

Publicado em 28 de fevereiro de 2024 às 14:15

Bárbara Carine
Bárbara Carine Crédito: Gabriel Cerqueira

“Possivelmente as memórias mais dolorosas da vida de pessoas negras vieram da escola", declara a educadora e escritora Barbara Carine. Tornar a educação básica, fundamental e superior um local de afeto e diversidade tem sido sua missão seja enquanto professora do Instituto de Química da UFBA, gestora da escola afrobrasileira Maria Felipa e na autoria dos livros Como ser um educador antiracista, e em seu mais recente lançamento, Querido Estudante Negro. Mesclando memórias pessoais e ficção, Bárbara apresenta o percurso de uma jovem negra pela educação básica até a pós-graduação e suas confidencias com um amigo, outro estudante negro, fortemente marcadas pelo racismo que permeiam suas vivencias educacionais.

A comunicação entre esses dois amigos ocorre sem nomes, sem datas e nela se expressa uma das maiores qualidades de Querido Estudante Negro: a capacidade de você se projetar naquelas cartas e refletir sobre as histórias de vida cruzadas entre nós negros. Não é uma leitura fácil e você se pega revivendo feridas de seu próprio passado. Algumas passagens pareciam ter saído direto do meu ensino fundamental II. O temor do cabelo armado muito volumoso, as piadinhas que faziam com colegas mais retintos, a hipesexualização ainda na pré adolecencia, a exibição das roupas de marca e iphones, o fato de poder contar em uma mão eu e os outros alunos negros da sala, a sensação de constante autocobrança e de nunca se sentir “bonita” o suficiente…a lista é longa.

“Eu acho que os maiores desafios foram lidar com as próprias memórias de dor, isso é um retorno que é muito difícil, né? Que é muito terapêutico e toca em pontos necessários de cura, que são muito doloroso”, relatou Barbara Carine, mostrando como tanto escrita, quanto leitura confluem neste ponto. Mas, apesar desses entraves, a autora conta que escrita de Querido Estudante Negro foi prazerosa e representa um nova experiencia lieteraria para ela, sendo sua primeira imersão na ficcção e numa escrita mais propria e pessoal.

Educação infantil, ensino fundamental, médio, graduação e pós graduação conduzem a estrutura do livro em seus seis capítulos abrangendo debates frutos das tensões sociais e raciais. Um elemento de destaque da narrativa está na relação entre os dois amigos e em como o racismo se apresenta em suas vidas: “No livro a gente tem duas personagens, uma personagem negra, parda, periférica e a gente tem um outro personagem que é negro, um jovem preto, da classe alta. E aí a gente intersecciona questões de raça, de gênero e de classe. As narrativas ali atravessadas mostram como ser negro é um caos, seja você pobre, seja você rico, seja você homem, seja você mulher, seja você uma pessoa retinta ou não retinta. Óbvio que o livro traz essas nuances, essas distinções dessas construções identitárias subjetivas, mas que coloca toda e qualquer pessoa negra nesse grande balaio de hierarquias sociais raciais que nos colocam em lugares de subalternidade, de subserviência, de rebaixamento social”, explica Bárbara Carine.

Livros de Barbara Carine
Livros de Barbara Carine Crédito: Henrique Santos

ENFRENTAMENTO

Com a chegada da maturidade e o acesso a novos ambientes e referencias os protagonistas de Querido Estudante Negro fincam passos em direção ao enfrentamento, luta e possibilidades de micro resoluções individuais nas situações de racismo. Entretanto Barbara Carine enfatiza: “O racismo é um mal social coletivo e só coletivamente a gente consegue enfrentá-lo”.

Esse movimento é destacado no livro pelo acesso dos estudantes a coletivos de negritude, arte, cultura, a presença de professores e mestres negros no cotidiano e no conhecimento e divulgação de bases epistemológicas negras a medida que eles chegam a idade adulta. Como ex-estudante do IFBA (antigo CEFET), assim como a personagem do livro, não posso deixar de destacar como o engajamento social e uma, dentre os vários docente negros que tive lá, moldaram a confiança que escrevo hoje. “Nos negros sempre temos nome e sobrenome, e sempre devemos chegamos de cabeça erguida” ela sempre dizia. A estudante do livro também encontra no seu caminho incentivadores, parceiros e autoconfiança que a fazem conquistar seus sonhos e tornar-se á intelectual que ela não via.

“A escola precisa ser de fato um espaço da festividade do conhecimento e de todos os conhecimentos, um espaço efetivo do desenvolvimento humano, de todas as humanidades e não apenas de certos segmentos humanos que são centrais e prioritários na nossa sociedade, como a branquitude”, defende Bárbara Carine. Para ela, além do público-alvo fundamental do livro, que são os estudantes negros, o objetivo é atingir estudantes não negros e educadores e educadoras, para que eles possam compreender essa construção subjetiva do estudante negro no espaço escolar e ajuda-los nesse processo. Querido Estudante Negro é acima de tudo: “Uma obra que conduz a um espaço de cura e de restabelecimento da dignidade humana”, finaliza.