Série sobre incêndio do Flamengo emociona sem apelar

'O Ninho: Futebol & Tragédia' reúne depoimentos de jovens mortos e investiga possível negligência do clube

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  • Roberto Midlej

Publicado em 14 de março de 2024 às 07:25

Camisas em homenagem a três dos mortos
Camisas em homenagem a três dos mortos Crédito: Netflix/divulgação

Um dos sonhos mais comuns de qualquer adolescente brasileiro é se tornar um jogador de futebol profissional. E, se conseguir chegar ao clube mais popular do país, a realização do desejo está completa. Foi assim para garotos como Athila Paixão, Rykelmo Vianna e Gedson Santos, que jogavam nas divisões de base do Flamengo em fevereiro de 2019. Mas, o sonho acabou quando um incêndio no alojamento do clube matou os três jovens e outros sete garotos, todos entre 14 e 16 anos.

Passados cinco anos daquela trágica noite que deixou dez adolescentes mortos, estreia hoje (14) na Netflix a série documental O Ninho: Futebol & Tragédia, em três episódios de aproximadamente 40 minutos cada. A produção nasceu a partir de uma ideia original do UOL, que desenvolveu a iniciativa com Renato Fagundes e Pedro Asbeg, sendo que este segundo é também o diretor.

Embora o tema desse espaço a uma exploração sensacionalista, ou até a uma dose de sentimentalismo, Asbeg foge da tentação: ele consegue encontrar o equilíbrio adequado entre informação e emoção. E provavelmente contribui para isso o fato de o projeto ter nascido no portal de notícias, que já havia realizado uma série de reportagens investigando o caso e as possíveis causa do incêndio.

Respeitoso às vítimas e às famílias, o diretor evitou “golpes baixos”, como dar zoom no rosto dos pais dos jovens mortos ou usar uma trilha sonora triste enquanto os entrevistados falam. “Desde o início, sabíamos que era um tema muito sensível e corríamos o risco de ultrapassar a linha entre a emoção e o sensacionalismo. Queríamos respeitar as dez famílias que estão convivendo para sempre com a dor da perda de um filho”, diz Pedro.

Roteirista-chefe da série, Luana Rocha diz que o roteiro foi desenvolvido por cerca de um ano e que a abordagem sem sensacionalismo era um objetivo da equipe: “Aqueles meninos tinham um sonho comum ao sonho de todas as crianças brasileiras. Então, queríamos trabalhar a subjetividade. Para isso, havia uma sintonia forte entre os roteiristas e o diretor”, revela Luana, que é baiana e foi repórter do CORREIO.

A série é dividida em três episódios: Sonho, Pesadelo e Despertar. No primeiro, os pais das vítimas falam sobre o desejo que os filhos tinham de serem jogadores e o caminho deles até o Flamengo. O depoimento do empresário de um dos atletas mortos chama a atenção e derruba o mito de que todo jogador tem uma vida encantadora. “Quando o atleta começa no futebol de base, só há 1,5% de chance de se tornar profissional. E 80% dos profissionais no Brasil ganham um salário mínimo. A verdade é esta: futebol foi feito para dar errado”, afirma Marcos Marinho.

A noite da tragédia

O segundo episódio é, claro, o mais doloroso, já que se aprofunda na noite da tragédia, incluindo aí algumas cenas simulando o incêndio e o desespero dos meninos em meio às chamas. Lembremos que os jovens estavam abrigados dentro de um contêiner, que seria usado temporariamente como dormitório até que as obras do alojamento definitivo deles ficassem prontas.

Nesta segunda parte, um dos depoimentos mais impressionantes é do segurança Benedito Ferreira, que ajudou a salvar três jovens do incêndio. Benedito era empregado do Flamengo desde 2008 e, desde a fatídica noite, passou longos períodos afastado das suas atividades por problemas psiquiátricos. O segurança foi convocado a depor logo depois do incêndio. “O depoimento foi complicado porque a pessoa que me interrogava queria uma riqueza de detalhes que era impossível naquele momento”, lembra Benedito.

É também nesta segunda parte que os pais relatam a agonia que passaram ao tomar conhecimento do incêndio pela imprensa - eles ainda não sabiam como estavam seus filhos. Darlei Pisetta, pai de Bernardo, soube do ocorrido em um grupo da família no WhatsApp: “Aí, o coração já... e comecei a ligar para ele. Não atendia, não atendia...”. Desesperado, Darlei e a esposa pegaram um avião e partiram para o Rio de Janeiro, onde souberam da morte do filho.

O terceiro episódio, embora não tão impactante quanto o segundo, é o que provoca mais indignação, especialmente por causa do descaso dos dirigentes do clube. Durante uma das reuniões com os pais das vítimas para definir as indenizações, o representante do Flamengo disse que só poderia permanecer ali por 15 minutos porque precisava sair para outro compromisso.

“Neste terceiro episódio, descobrimos que aquilo foi maior que um acidente e podemos entender que houve negligência. Também investigamos as causas e revelamos a estrutura do contêiner, que tinha até grades [que dificultavam a fuga dos meninos]. E as portas de correr tinha roldanas que derreteram e prenderam os garotos”, revela o diretor Pedro Asbeg.

O Ninho: Futebol & Tragédia, já disponível na Netflix