VINHOS

Varietal, assemblage e o estilo de vinho que o enólogo deseja

Todos os vinhos elaborados com uma só casta ou pelo menos 75% de uma variedade são chamados de varietais

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  • Paula Theotonio

Publicado em 4 de novembro de 2023 às 08:49

O vinho é um produto agroindustrial, o que significa que o produto está sujeito às variações climáticas
O vinho é um produto agroindustrial, o que significa que o produto está sujeito às variações climáticas Crédito: Juliano Palma/Divulgação

Em meu dia-a-dia como jornalista especializada e produtora de conteúdo sobre vinho, na prática do atendimento em minha loja e até mesmo batendo um papo com amigos, sempre chegam várias perguntas sobre vinho. Uma das que venho recebendo com mais frequência é a seguinte:

— Paula, o que é melhor? O vinho de uma uva só ou o que você mistura vários, como os blends e assemblages? E tem diferença entre esses nomes?

Normalmente eu explico que depende do que o enólogo deseja para aquele produto e que essa decisão, por si só, não determina qualidade. E que, não, não tem nenhuma diferença entre corte, assemblage e blend.

Vinhos varietais

Se o que o winemaker quer que seu vinho seja traga a verdadeira expressão de uma determinada uva em um lugar específico, deve fazê-lo com uma só variedade ou com predominância dela. Todos os vinhos elaborados com uma só casta ou pelo menos 75% de uma variedade, dependendo das regras de cada país, são chamados de varietais ou monovarietais.

Há diversas regiões no mundo fazendo grandes varietais. A Borgonha, na França, tem vinhos feitos exclusivamente com a pinot noir e com a chardonnay. Na Itália, os grandes Barolo e Barbaresco são elaborados somente com a nebbiolo. Fora da Europa, países inteiros são conhecidos pelos vinhos monovarietais que produzem: Argentina e a malbec, Uruguai e a tannat, a carménère no Chile, a pinotage na África do Sul…

Vinhos de corte, assemblage ou blend

Porém se o winemaker tem à mão diversos vinhedos com diferentes uvas e deseja criar algo único e diferente, seu caminho será o do assemblage, corte ou blend.

O tipo mais comum para vinhos tranquilos (sem bolhas) é de uma só safra e de variedades de uva de uma mesma região. Bordeaux, na França, tem o famoso e copiado corte bordalês de cabernet sauvignon, merlot, cabernet franc, petit verdot e malbec. Normalmente os vinhos são fermentados separadamente e, quando prontos, com ou sem uso de barricas de carvalho, o enólogo faz sua arte de misturar a quantidade perfeita de cada um. E cada mililitro importa!

A também francesa Côtes du Rhône brilha com seu blend GSM (grenache, syrah e mourvèdre); e na AOC Côte-rotie, a tinta syrah e a branca viognier são fermentadas juntas, ao contrário dos exemplos anteriores.

Esses blends nasceram numa época em que as videiras eram plantadas aleatoriamente e não havia muita certeza sobre quais variedades existiam em um determinado local. Assim se garantia um vinho com certa consistência ano após ano, ainda que as condições climáticas não fossem tão boas para todas as uvas.

Com a evolução da ampelografia, que estuda e identifica as diferentes variedades de vinhas, além dos estudos genéticos, hoje as vinícolas têm total controle sobre localização e quantidade de vinhedos para cada variedade; e os field blends - ou misturas de campo - se transformaram um estilo cada vez mais raro.

Alguns persistem principalmente em Portugal; e os projetos mais interessantes são, hoje, da Quinta do Crasto e da Quinta do Vallado, ambas localizadas na região do Douro. Essas vinícolas investiram há alguns anos no mapeamento genético de cada casta em seus vinhedos e hoje, ao passo em que as videiras vão deixando de produzir, elas são substituídas por variedades geneticamente idênticas, perpetuando assim o terroir e o field blend.

Outro estilo de assemblage é aquele feito com a mesma uva, mas de diferentes terroirs. Durante a Prowine deste ano, tive a oportunidade de acompanhar uma aula desse tipo de assemblage junto à Trivento, vinícola argentina pertencente ao Grupo Concha Y Toro. O enólogo German Di Cesare explicava a construção do Trivento Malbec Golden Reserve 2020, que nasceu de 4 parcelas de vinhedos em diferentes locais de Luján de Cuyo, em Mendoza.

Cada base trazia uma característica distinta: o vinho da parcela de Las Compuertas tinha bastante concentração de cor; o de Vistalba carregava textura e sutileza; o de Perdriel vinha repleto de frutas vermelhas e frescor; enquanto o de Agrelo ostentava mais corpo e expressão aromática. Depois de provarmos cada um, degustamos o vinho pronto após o blend amadurecer por 12 meses em carvalho francês, que carregava um pouco de cada uma dessas qualidades. O mix ficou tão bom que a safra 2020 foi eleita como ‘Melhor tinto argentino’ no concurso International Wine Challenge 2022.

Espumantes e os blends que representam uma marca

O vinho é um produto agroindustrial, o que significa que o produto está sujeito às variações climáticas e o impacto delas no vinhedo ano após ano. Para garantir a consistência de um produto nessas condições, produtores tanto de espumantes quanto de vinhos fortificados fazem blends de diversas colheitas em seus produtos.

Em Champagne, por exemplo, os espumantes non-vintage são feitos com um blend de bases (que podem ser das uvas pinot noir, chardonnay e pinot meunier) que passa por uma segunda fermentação em garrafa. A quantidade de cada variedade pode ser de diferentes parcelas e também de diferentes safras. Os vintage, por sua vez, são blends dessas três mesmas uvas; mas de um só ano.

Em visita à Chandon Brasil em Garibaldi (RS), durante a celebração dos 50 anos da empresa no Brasil, participei de uma masterclass de assemblage com o enólogo Phillipe Mével; desta vez de bases para o clássico Chandon Réserve Brut. Para este produto são usados vinhos de pinot noir, chardonnay e riesling itálico de viticultores parceiros da Serra Gaúcha e também de vinhedos próprios com certificação de produção integrada em Encruzilhada do Sul (RS), na região da Serra do Sudeste. Seu método difere dos demais charmat pois a segunda fermentação e o amadurecimento do produto acontecem em tanques fechados, sob agitação permanente e temperatura controlada. Isso garante mais textura e sabores de pão fresco bem integrados à fruta.

Em uma experiência para criar nosso próprio corte, fomos apresentados às bases que passam pela segunda fermentação. A base de riesling itálico traz o que chamamos de “ataque de boca”, com bastante fruta de polpa branca (como maçã verde) e intensidade de sabor. A chardonnay, por sua vez, é responsável pelo “meio de boca”, agregando volume, acidez e notas de frutas tropicais, como abacaxi e pêssego. Já a pinot noir, vinificada em branco, agrega textura, estrutura e suaves notas de frutas vermelhas e rosas, perceptíveis no retrogosto.

Além destes, fomos apresentados a um chardonnay da safra 2018, representando as bases de safras antigas que entram na alquimia para dar complexidade, trazendo camas de frutas secas e mel. Após essa experiência tão educativa quanto divertida (e na qual ninguém conseguiu construir um assemblage próximo do que é feito pela marca), foi revelado que são usados entre 80 e 120 bases para construir o Chandon Réserve Brut, que vêm tanto de parcelas quanto de anos distintos. “Nosso intuito com essa técnica é manter o estilo do nosso produto, que equilibra frescor e complexidade, safra após safra”, contou Phillipe.

Então da próxima vez que for adquirir um vinho ou espumante, seja ele varietal ou de corte, considere qual história está sendo contada através daquela escolha de estilo. O foco pode ser no terroir, na técnica ou até mesmo no legado de uma marca.

50 anos de CHANDON Brasil

Falando em legado, vale provar o recém lançado Chandon Cuvée 50 Anos Extra Brut (R$ 139 no site www.chandon.com.br). O espumante, lançado em celebração aos 50 anos da marca no Brasil, é feito com o mesmo assemblage do Réserve Brut, porém com amadurecimento inédito de 50 meses sobre leveduras, que permanecem em constante agitação. O resultado é um espumante de grande elegância e riqueza aromática, lembrando pêssego amarelo, avelã e cítricos cristalizados com um paladar de textura aveludada que combina frescor e cremosidade. A embalagem é assinada pela artista brasileira Ana Strumpf. Aproveite para navegar pelo site e conhecer as iniciativas de sustentabilidade e apoio à comunidade empreendidas pela marca.

Avaliação Nacional de Vinhos

E ainda falando sobre escolhas de enólogos, acontece neste sábado (04), a partir das 17h, a 31ª Avaliação Nacional de Vinhos (ANV), promovida pela Associação Brasileira de Enologia (ABE). O encontro presencial acontece no Parque de Eventos de Bento Gonçalves com transmissão simultânea pelo canal da entidade no Youtube, aberta a todo o público.

A maior degustação de vinhos de uma safra do mundo reuniu, nesta edição, 503 amostras de 74 vinícolas de sete estados brasileiros – Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo -, além do Distrito Federal. Os vinhos foram degustados às cegas por 90 enólogos durante o mês de setembro e o resultado será compartilhado com o público amanhã. As 16 amostras selecionadas entre as 30% mais representativas da Safra 2023 serão degustadas por cerca de 2 mil apreciadores de todo o Brasil, sendo 600 no evento presencial e mais de 1.000 em suas casas, através de um kit enviado com as amostras, ficha e taças.

Além disso, mais de 190 formadores de opinião dos estados de Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, além do Distrito Federal, estarão reunidos e conectados com a Avaliação. Minha loja em Petrolina (PE), a Oxe Vinhos, representará o Sertão pela segunda vez consecutiva.