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Laura Fernades
Publicado em 2 de dezembro de 2015 às 13:08
- Atualizado há 2 anos
Não é necessário perder-se em números e termos complicados para falar sobre economia. Por que não um bate-papo com o poeta João Cabral de Melo Neto (1920-1999), para abordar o terrorismo e suas implicações econômicas? Ou que tal uma conversa franca com o filósofo e economista britânico Adam Smith (1723- 1790), pai do liberalismo, para falar sobre o mundo capitalista e o egoísmo que o rege?>
É justamente a aproximação entre literatura e economia, áreas aparentemente distintas, que o economista, jornalista e escritor baiano Armando Avena, 61 anos, apresenta em seu primeiro livro de crônicas: Dia de Lavar a Roupa dos Mendigos (Casarão do Verbo | R$ 32 | 190 páginas). Jornalista, economista e imortal da ALB, Armando Avena, 61 anos, lança seu nono livro, Dia de Lavar a Roupa dos Mendigos, amanhã, na Cultura (Foto: Robson Mendes/Arquivo Correio)A obra ganha lançamento na quinta-feira (3), às 17h, em evento gratuito na Livraria Cultura do Salvador Shopping. Colunista do CORREIO, professor da Ufba e membro da Academia de Letras da Bahia (ALB), Avena reúne parte da produção feita em diferentes jornais do Brasil, nos últimos três anos, além de textos inéditos.>
A coletânea passeia por temas que vão do capitalismo às praias da Ilha de Itaparica, em tramas onde ícones da literatura e grandes pensadores são personagens. >
O poeta americano naturalizado inglês T. S. Eliot (1888- 1965) é um deles, além dos baianos João Ubaldo Ribeiro (1941-2014), Jorge Amado (1912-1001) e filósofos como o alemão Marx (1818-1883) e o já citado Adam Smith (1723- 1790). Todos são protagonistas, ou servem de mote para comentar assuntos contemporâneos, como os descritos no início do texto.“Os grandes economistas não foram matemáticos, foram grandes escritores”, justifica Avena, autor de livros de contos e ensaios, além de livros infantis e romances, com destaque para O Evangelho Segundo Maria (2002), que virou peça de teatro, Recôncavo (2008) e O Manuscrito Secreto de Marx (2011).>
“Só faço uma coisa: trabalhar com a palavra. Embora seja economista, jornalista e escritor, minha profissão é lidar com as palavras. Quando escrevo para o jornal, quando faço uma crônica, um romance. Quando dou aula na universidade, ou faço uma matéria jornalística, mesmo na área econômica. Todas as atividades têm como linha condutora a palavra. É o que mais gosto de fazer”, resume.>
Dia de lavar roupa>
Debaixo de uma marquise em um dia chuvoso, o encontro entre Armando Avena e o poeta T. S. Eliot - narrado em uma das crônicas - foi o gatilho para o surgimento da coletânea que há muito era cobrada pelos leitores do escritor baiano. >
Dia de Lavar a Roupa dos Mendigos nada mais é do que a frase de um poema de Eliot que, em determinado momento, diz: “Vento, chuva e muito sol; É o que chamamos dia de lavar a roupa dos mendigos”.>
Ao ler tal poema, Avena encontrou o gancho que precisava para dedicar-se ao novo livro. “Assim como os mendigos escolhem um dia especial e roupas especiais para lavá-las, porque precisam delas, o escritor escolhe os melhores textos para publicar, porque também precisa deles pra continuar vivendo”, explica Avena.>
Então, lendo T. S. Eliot e “lembrando o quanto ele era perfeccionista na elaboração dos seus versos”, Avena começou a selecionar os textos “que tinham certa qualidade” para eternizá-los no livro. Crônicas que falam sobre “o príncipe de Itaparica” João Ubaldo Ribeiro e sua posse na ALB, ou sobre a paixão do imperador Carlos Magno por uma donzela alemã e outros devaneios literários.>
Devaneios que aproximam o leitor do escritor, responsável por puxar o primeiro pela mão para debater se as biografias devem ser, ou não, autorizadas. Textos que discutem com o leitor a metáfora do filme As Aventuras de Pi (Ang Lee | 2012); que refletem sobre o capitalismo e sua ética; ou que denunciam o que está acontecendo com as livrarias do país, “onde você encontra livros para colorir, estantes cheias de livros estrangeiros e pouco sobre literatura brasileira”.>
“Tenho muito carinho por esse livro por vários motivos e o primeiro deles é por me aproximar da razão de ser de cada escritor: o leitor”, pontua Avena. Em segundo lugar, diz ele, está o fato de que a nova obra homenageia pessoas que foram próximas, como João Ubaldo.>
“É uma homenagem à literatura e aos escritores, mas, ao mesmo tempo, fala de assuntos que estão no dia a dia das pessoas”, resume o autor.>
Hermético>
Dessa forma, personagens literários entram no cotidiano do leitor e conversam sobre questões socioeconômicas do país. “Toda ciência precisa tornar-se elegível e não é fortalecendo um vocabulário próprio e hermético que isso vai acontecer”, defende Avena. Daí a objetividade jornalística como aliada para tornar os textos mais acessíveis ao leitor.>
“A economia não precisa ser hermética. Nós, escritores e jornalistas, devemos ao leitor escrever de forma bela e simples. Não creio no escritor rebuscado que escreve para escritores”, critica o autor, ao apontar uma mudança de rumo no jornalismo. Para ele, o impresso fica mais interpretativo, enquanto o jornalismo cresce nas redes sociais.>
Porém, nem tudo é perfeito. “Contar seu dia a dia e suas preferências tomou ares quase de um jornalismo individualista nas redes sociais. Isso me preocupa”, comenta, sobre a “felicidade” disseminada na web. >
“Quem lê essas crônicas descobre que o mundo não é perfeito e as pessoas não estão sempre felizes. A beleza da vida não está só no que é sempre bom, mas na própria vida, com todas as incertezas”, conclui.>
Trecho da crônica Adam Smith e o Auto-Amor>
Certa vez, perguntaram a Adam Smith, o pai do liberalismo, o que movia o homem. Ele não pestanejou e respondeu: o auto-amor, o auto-interesse, que também pode ser chamado de egoísmo. Para tornar consistente sua hipótese, exemplificou: “Suponhamos que o grande império da China, com seus milhões de habitantes, fosse inteiramente destruído por um terremoto. Como um europeu reagiria a essa catástrofe medonha? Imagino que expressaria sua compaixão pela infelicidade daquelas pessoas, faria reflexões sobre a precariedade da vida humana e sobre a vaidade do homem que, apesar de todos as suas realizações, pode ser aniquilado num instante. Se fosse dado a especulações, poderia raciocinar sobre o desastre que a calamidade representaria para o comércio europeu e do mundo em geral. Mas, ao fim dos comentários filosóficos e da expressão melancólica dos seus sentimentos morais, continuaria seus negócios e seus prazeres, dormiria ou se divertiria com a mesma tranquilidade que o faria se nada tivesse acontecido. (...) O homem luta antes de tudo pelo seu auto-interesse, mas, ao mesmo tempo, é regulado pela sua consciência e pela sua capacidade de “simpatia”. E Smith talvez tenha sido o filósofo a perceber pela primeira vez o que hoje é uma espécie de motor da nossa sociedade: o desejo de ser amado pelo outro e de ter sua aprovação e da sociedade.>