Jerônimo encerra semana sem conseguir conter crise gerada pela portaria 'aprovação em massa'

Medida editada pela gestão estadual gerou polêmica e críticas duras dos professores

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  • Rodrigo Daniel Silva

Publicado em 24 de fevereiro de 2024 às 05:00

Governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues
Governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues Crédito: Ana Albuquerque/Correio

A semana chega ao fim com o governo Jerônimo Rodrigues (PT) sem ter conseguido conter a crise instalada após vir a público a portaria 190/2024 editada pela Secretaria de Educação que estimula os professores a aprovarem os estudantes. Ao longo da semana, os ânimos entre o petista e os docentes, que pedem a revogação do texto, se acirraram e a expectativa é que se prolongue nos próximos dias.

A APLB-Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado da Bahia denunciou a medida ao Ministério Público da Bahia (MP-BA). Em nota, a instituição informou que analisará a representação. A portaria, que os docentes são obrigados a cumprir, foi publicada no dia 27 de janeiro deste ano. Os profissionais da Educação da rede estadual, entretanto, só tiveram conhecimento do texto determinado pela gestão estadual no dia 1º de fevereiro, quando retornaram às atividades.

Quinze dias depois, a APLB divulgou, em seu site, uma nota com críticas duras à portaria, que é vista pela entidade como um incentivo a “aprovação em massa” do alunos. A medida viria a tornar-se pública apenas na segunda-feira (19), quando o CORREIO e outros veículos de imprensa noticiaram os trechos do texto que abrem caminho para os discentes avançarem de série mesmo reprovados em disciplinas e com baixa frequência nas aulas.

No mesmo dia, Jerônimo Rodrigues foi a Feira de Santana, onde fez a abertura do ano letivo. No evento, uma declaração do petista alimentou ainda mais a revolta dos educadores do estado. Isso porque o governador afirmou que, ao reprovar estudantes, a escola age de forma “autoritária”. "Eu fico muito triste como governador, como professor, quando vejo professoras e professores reprovando alunos. Não pode ser um professor, um educador, que tenha que dizer no final do ano: 'você está reprovado'”, afirmou ele.

"Eu fico muito triste como governador, como professor, quando vejo professoras e professores reprovando alunos. Não pode ser um professor, um educador, que tenha que dizer no final do ano: 'você está reprovado'"

Jerônimo Rodrigues (PT)
Governador da Bahia

Os professores classificaram a fala do petista como “infeliz” e “falta de respeito”. A oposição reagiu também com duras críticas ao chefe do Palácio de Ondina. O ex-prefeito soteropolitano ACM Neto (União Brasil) disse que a postura do governador era “autoritária”. “Não só autoritária, mas desrespeitosa com as escolas, com todas as pessoas que trabalham nas escolas, professores, com os alunos e seus familiares", salientou.

"Se o governo do estado não fizesse isso, o resultado do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que ia sair em setembro, a posição do governo da Bahia, seria a pior do Brasil"

Bruno Reis (União Brasil)
Prefeito de Salvador

O prefeito Bruno Reis (União Brasil) declarou, nesta sexta-feira (23), que o governo, com a portaria, quer maquiar os dados da Educação. “Se o governo do estado não fizesse isso, o resultado do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) que ia sair em setembro, a posição do governo da Bahia, seria a pior do Brasil. Não sou eu que estou dizendo. São os números", falou ele.

Diante das críticas, amplificadas nas redes sociais - especialmente os vídeos em que o governador rotula as escolas de "autoritárias", que chegam a acumular quase 2 milhões de visualizações no Instagram -, Jerônimo Rodrigues admitiu a possibilidade de revogar a portaria na terça-feira (20), um dia após atacar os colégios. “Eu não tenho problema de voltar atrás se for para melhorar o que eu quero. O que é que eu quero? Que a escola seja acolhedora e inclusiva”, afirmou. Com o tom mais ameno, o chefe do Palácio de Ondina declarou ainda que a medida não visa a aprovação automática dos estudantes.

No dia seguinte, na quarta-feira (21), o petista, entretanto, mostrou-se indignado com a APLB. O sindicato é controlado pelo PCdoB, partido que integra a base governista na Bahia. Em um evento em Dias D'Ávila, o governador chamou a entidade para debater com ele sobre Educação. “Qual é a concepção da APLB? Qual é a concepção da APLB de educação e escola? Venha debater comigo”, disse.

Jerônimo ainda insinuou que a imprensa deseja criar conflito entre ele e a categoria. “Não tentem me botar contra o professor. Não estou contra o professor. Em momento algum, eu falei que professor é irresponsável”, falou.

No mesmo dia, a secretária de Educação, Adélia Pinheiro, que até agora não se pronunciou sobre o texto, se reuniu com membros da APLB. No encontro a portas fechadas, a titular da SEC ficou contrariada ao ouvir dos sindicalistas o pedido para revogar a portaria. Com apenas 30 minutos de duração, a reunião encerrou com o impasse mantido.

Na denúncia apresentada ao MP-BA, a APLB indicou que 330 profissionais da rede estadual afirmaram que o governo não seguiu sua própria portaria para poder aprovar um número maior de estudantes. De acordo com a medida, somente os discentes que fossem reprovados em até cinco disciplinas poderiam avançar para o próximo ano letivo, porém a secretaria permitiu a progressão de alunos que haviam perdido em mais de cinco componentes curriculares. Também foram aprovados educandos sem cumprir a exigência mínima de 75% horas letivas, como determina o texto da pasta.

Na próxima terça-feira (27), Adélia vai à Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), onde deve falar, pela primeira vez, sobre a polêmica portaria. Ela aceitou o convite da deputada estadual Olívia Santana (PCdoB) para que explique o texto na Comissão de Educação da Casa, que tem oito integrantes. Do total, dois são oposicionistas - Penalva (PDT) e Jurailton Santos (Republicanos) - e tem ainda o parlamentar independente Hilton Coelho (PSOL). Há ainda expectativa pelo posicionamento do Ministério Público da Bahia sobre a medida.