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Raquel Brito
Publicado em 17 de novembro de 2023 às 09:00
Rosalvo Santana conheceu recentemente a palavra ‘autodidata’. Ou melhor, reconheceu. O significado do termo, para ele, é parte do dia-a-dia: aprendeu sozinho, ainda novo, a arte da cerâmica. Fascinado desde criança pelos formatos das figuras de santos que via em procissões, não conseguia entender como aquelas obras eram feitas por mãos humanas. Para se certificar de que eram, sim, feitas por alguém de carne e osso, foi praticar por conta própria.
Aos cinco anos de idade, começou a fazer bichos de barro. Muitos leões e cavalinhos depois, encontrou o que realmente o interessava. Natural de Maragogipinho, distrito que conta com cerca de 150 olarias e é um dos centros do artesanato na Bahia, o artesão de 59 anos desenvolveu um estilo próprio, misto de barroco e rococó, para confeccionar santos e outras imagens sagradas em cerâmica.
“As pessoas notaram que eu tinha facilidade para fazer anatomia e me disseram que eu conseguiria fazer santos se tentasse. Quando me disseram isso, faltavam três meses para a Feira de Caxixis, em Nazaré das Farinhas, e eu fiz a Nossa Senhora da Conceição no estilo barroco. As pessoas ficaram atônitas, porque ninguém fazia santos de cerâmica. Os moradores desciam para ver”, diz o artesão, que, à época, tinha 18 anos.
Com a satisfação de ver o público reconhecendo seu trabalho, veio um susto. No tumulto para ver a tão falada obra, alguém esbarrou na figura e quebrou uma parte do manto da santa. Rapidamente, Rosalvo colou a obra e a pintou de dourado, para disfarçar a cicatriz, mas se conformou com a ideia de que não a venderia. À tarde, entretanto, uma professora da cidade se encantou com a santa e ofereceu ao artista o dobro do valor que ele estava cobrando.
Esse foi o ponto inicial. Depois disso, levou sua arte para Salvador e muitas outras cidades, recebendo o primeiro prêmio em 1998 por um presépio de cerâmica no seu “barrococó”. Com um curso de contabilidade no currículo, Rosalvo nunca exerceu a profissão e diz que seu futuro sempre foi na arte. Quando precisou escolher, ainda aos vinte anos, entre um emprego como contador em Salvador e outro num atelier de cerâmica em Maragogipinho, não pensou duas vezes.
Hoje, possui título de mestre, aceita encomendas de todo o Brasil e dá início à tradição na sua própria família: Rosalvinho, como chama o filho mais velho, de 22 anos, já disse que quer seguir os passos do pai.
“Ele me disse que queria aprender. Eu nunca forcei meus filhos a seguirem esse caminho, eu deixo eles observarem. Eu tenho uma filha que também desenha muito e tem aptidão para modelagem. Eu acredito que também deve ter algo da genética nisso”, conta, aos risos.
Para ele, que pede perdão pela modéstia antes de dizer que acredita fazer parte da tradição de Maragogipinho, a curiosidade e o desafio são partes essenciais do processo de confecção artística. “Tem trabalhos que eu faço que, quando vejo prontos, penso: ‘não acredito que eu consegui fazer essa peça’. Tanto no meu quanto nos dos outros, eu vejo sempre o lado bom. Eu pergunto mesmo, observo bem, e a minha filosofia é de tentar entender o que tem ali e tentar imitar, superar”, diz.
*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo.