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Elaine Sanoli
Publicado em 21 de novembro de 2024 às 06:00
Na data em que se celebrou como feriado pela primeira vez na Bahia o Dia da Consciência Negra, iniciativa considerada como conquista para a comunidade, o relatório do Instituto Sou da Paz, Violência Armada e Racismo divulgou um dado que só entristece a população. A entidade indicou Salvador no topo do ranking das capitais brasileiras com mais registros de mortes de homens negros em 2022. Foram 128,7 pretos mortos a cada 100 mil homens, o que equivale a cerca de 65% de todo o quantitativo de óbitos por arma de fogo do sexo masculino na cidade. Foram 65,9 vítimas não-negras, de um total de 194,6 registros gerais.>
Para Dudu Ribeiro, diretor e cofundador da Iniciativa Negra Por Uma Nova Política de Drogas, esses dados revelam uma predominância da comunidade negra vinculada à violência e ao encarceramento como reflexo da realidade racial e de gênero, com as diferentes ofertas de oportunidades. >
“Se olharmos mulheres negras na base da pirâmide, sustentando famílias, não sendo visitadas dentro dos presídios, [vemos que] muitas vezes não é uma opção para o homem negro que não tem um lugar de privilégio no patriarcado, senão o lugar que o homem branco determinou para ele. Esse homem negro muitas vezes foi eliminado, encarcerado ou adoecido pelo Estado”, opina.>
Ele caracteriza Salvador, cuja segurança pública é gerida pelo Governo do Estado, como um dos exemplos da chamada “alta temperatura da guerra racial no Brasil”, seja pela reorganização geográfica e política das facções criminosas ou pela violência policial contra a população negra. >
“Nós temos uma polícia altamente letal e um contexto da guerra às drogas muito mobilizado pela movimentação das organizações tradicionalmente do Sudeste, que ocupam a capital baiana, e um conjunto de outros fatores”, explica o estudioso.>
Dudu Ribeiro afirma ainda que debater a mortalidade de homens negros é repensar novas políticas para toda a população: “Salvador deve ser observada como lugar importante para a gente produzir políticas de proteção da vida do homem negro, não enquanto uma pauta do homem, mas uma pauta da comunidade negra”.>
As disparidades raciais, no entanto, não se restringem apenas à cidade de Salvador. Ao observar todo o estado baiano, a diferença é ainda maior: os homens negros são quatro vezes mais afetados pelos homicídios. Durante o ano analisado, o mesmo em que o IBGE realizou o Censo, foram 90,4 a cada cem mil homens negros mortos, contra 23,1 não-negros. Com o incremento dos números registrados na Bahia, o nordeste registrou cerca de 48% dos casos de todo o país, sendo a região com a maior proporção. >
“Há um racismo, de fato, por conta das questões das menores oportunidades para os negros. A gente observa ainda que, quando há homicídios associados à ação policial, os negros são maiores vítimas também”, avalia Horácio Hastenreiter, que é professor do Mestrado em Gestão da Segurança Pública, Justiça e Cidadania da Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Não é uma especificidade nossa, é uma situação grave, mas que se repete em todo o país”, acrescenta.>
A situação não diverge muito para a capital nos dados gerais do cenário estadual. A Bahia chegou à marca de 113,5 vítimas masculinas da violência armada a cada cem mil, ficando também no topo da lista neste aspecto. Em seguida, vem o Amapá, com 104,6, uma diferença de 8,9 homicídios.>
Para o professor, a principal das razões para o número alarmante é a disputa de grupos criminosos por território de tráfico. “A Bahia tem essa taxa de homicídio por 100 mil homens tão alta por vários fatores explicativos, mas talvez o mais importante seja a existência de 21 organizações criminosas por aqui. Fundamentalmente, o que a gente observa dentro do país é que quando o poder das organizações criminosas está mais consolidado tem menos conflitos entre eles, então, tem menos mortes e assassinatos entre eles próprios”, argumenta. >
Horácio Hastenreiter cita como exemplo a capital paulista: dominada pelo Primeiro Comando da Capital (PCC), a cidade registrou uma queda nos conflitos e consequentemente no índice de mortes por armamento de fogo. Na pesquisa do Instituto Sou da Paz, São Paulo aparece como a capital brasileira com menos morte de homens, com 15,7 por 100 mil. “Como a gente tem aqui 21 facções no nosso estado, existe um conflito permanente e, certamente, isso leva a perdas importantes nessa guerra entre grupos criminosos”, pondera.>
A pesquisa do relatório Violência Armada e Racismo: O Papel da Arma de Fogo na Desigualdade Racial considerou dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos geridos pelo Ministério da Saúde.>
*Com orientação das subeditoras Carol Neves e Monique Lôbo.>