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Maysa Polcri
Publicado em 21 de julho de 2025 às 05:00
Professores e alunos da Universidade Federal da Bahia (Ufba) que conduzem pesquisas com roedores estão correndo contra o tempo para não serem proibidos de continuar os testes com ratos e camundongos. Isso porque a universidade tem até o dia 17 de setembro deste ano - menos de dois meses - para se adequar às normas que regulamentam o uso de animais para pesquisas. As determinações foram estabelecidas há cinco anos, mas nenhuma medida efetiva foi tomada para garantir o cumprimento da lei. >
O prazo para adequação virou preocupação em março deste ano. No dia 18 daquele mês, a portaria nº 9.037/2025 do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) determinou que as universidades brasileiras cumpram as normas e se credenciem novamente para realizar testes com animais em até seis meses. Entre as normas previstas estão período de quarentena, salas climatizadas e com diferentes níveis de contaminação, além de terem pisos e paredes de materiais laváveis. As determinações visam o bem-estar dos animais que serão utilizados nas pesquisas. >
A partir da publicação da portaria, diversas reuniões foram conduzidas pela Ufba para tentar buscar formas de cumprir a lei. Até a semana passada, nenhuma medida efetiva havia sido tomada para o cumprimento da lei. Apenas no Instituto de Ciências da Saúde (ICS), localizado no Canela, em Salvador, cinco pós-graduações e mais de 10 pesquisadores conduzem testes com uso de roedores. Os animais são essenciais para as pesquisas que estudam doenças como Parkinson, hipertensão, disfunção erétil, entre outras. >
Como resultado das discussões, uma planta chegou a ser elaborada para a criação de um novo biotério - local onde os roedores são criados - dentro do ICS. Porém, até agora, as obras não foram iniciadas, e o espaço selecionado continua sendo utilizado para atendimento do público externo.>
Biotérios de diferentes universidades do país
Atualmente, cerca de 400 roedores, entre ratos e camundongos, são utilizados apenas no Instituto de Ciências da Saúde, segundo a professora Luciana Casais, coordenadora da Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua) do ICS. Estudantes e professores dos cursos de Nutrição, Farmácia e Veterinária também serão impactados se a reestruturação dos biotérios não for realizada. >
A proibição ou suspensão dos testes com animais impactará a pesquisa de diversos estudantes que deverão criar novas formas de conduzir as pesquisas. O problema, segundo professores ouvidos pela reportagem, é que muitos dos alunos recebem bolsas e têm prazos definidos para apresentar os resultados dos testes. Por enquanto, eles não acreditam que haverá tempo hábil para a reestruturação. >
"A quantidade de pesquisadores que têm financiamentos nacionais e parcerias internacionais é muito grande. E esses institutos não vão levar em consideração que ficamos sem biotério e vão querer que a gente preste contas dos experimentos que foram planejados. Serão teses de dissertação, de mestrado ou doutorado, que ficarão sem serem finalizadas", explica Luciana Casais, coordenadora do Ceua. >
O impacto, segundo a professora, também deverá ser sentido nos próximos anos, quando novas bolsas forem disponibilizadas aos estudantes. "A pós-graduações pontuam em função do número de defesas feitas no prazo e pelo número de publicações. Isso é levado em consideração ao escolher a quantidade de bolsas que serão ofertadas nos próximos semestres. Os atrasos vão comprometer, no futuro, os recursos destinados à universidade", completa Luciana Casais. >
Comunicado enviado pela Comissão de Ética no Uso de Animais da Ufba
A reportagem entrou em contato com a Ufba, através da assessoria de imprensa, mas não obteve retorno sobre quais medidas a universidade tem tomado para garantir a continuidade das pesquisas. O espaço segue aberto, e a matéria será atualizada assim que a Ufba se pronunciar. >
Por enquanto, os estudantes têm buscado alternativas para darem continuidade às pesquisas caso não possam mais realizar testes em animais. A professora Rejane Santana coordena o laboratório de Neurociências do ICS, onde são realizados testes que buscam reverter os sintomas da doença de Parkinson. "Nós teremos que ir para outros tipos de métodos experimentais ou vamos ter que parar. Nós testamos substratos de plantas para tentar reverter a doença, o que já é um modelo bem prescrito na literatura", explica a professora. >
Os testes iniciados em universidades de todo o Brasil contribuem para a criação de remédios e tratamentos de diferentes tipos de doenças. Para isso, a legislação prevê que os animais utilizados nos testes tenham boas condições de saúde. "Os biotérios terão que ser novamente credenciados, mas, agora, segundo a legislação que é muito mais rigorosa. Os biotérios que temos na Ufba têm estantes ventiladas para acomodação dos animais e são climatizadas, que é o ideal. Mas não seguem o ideal que é proposto pela lei federal", detalha Luciana Casais. >
No dia 12 de maio, uma carta enviada pela Federação das Sociedades de Biologia Experimental (FeSBE) ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) pediu a prorrogação do prazo para que os laboratórios e universidades se adequem às novas normas. No documento, a entidade que representa mais de 10 mil cientistas brasileiros, pede para que seja levada em consideração as condições financeiras das instituições de ensino. >
"[...] o atual cronograma estabelecido pela Portaria MCTI tem se mostrado desafiador frente às limitações orçamentárias históricas das instituições de ensino e pesquisa", pontua. A federação também afirma que falta detalhamento nas novas determinações que devem ser cumpridas. "[...] o checklist atual contempla critérios cuja aplicação uniforme, sem distinções claras entre os tipos de biotérios e salas de procedimentos e cirurgia, tem gerado dúvidas operacionais e interpretações divergentes", completa. >
Até então, os professores não foram informados se haverá prorrogação do prazo. Por isso, a Comissão de Ética no Uso de Animais do ICS/Ufba enviou uma carta à comunidade acadêmica, no dia 11 de julho, informando sobre a provável suspensão das pesquisas. "Tendo em vista a expectativa de que os biotérios do ICS não estão licenciados até a referida data, todas as atividades experimentais envolvendo animais devem ser suspensas imediatamente a partir de 18 de setembro", diz o comunicado. >
A comissão diz ainda que os alunos que desejem continuar com as pesquisas devem encaminhar uma emenda ao projeto original informando a alteração da instalação animal onde os experimentos serão realizados. Os novos biotérios devem seguir as determinações que a universidade, por enquanto, não cumpriu. >