Produção de dendê na Bahia representa apenas 1,4% do total nacional

Quantidade produzida do ingrediente no estado não supre sequer a demanda interna

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  • Larissa Almeida

Publicado em 17 de abril de 2024 às 05:00

Produção de dendê na Bahia caiu 83% de 2010 para 2021
Produção de dendê na Bahia caiu 83% de 2010 para 2021 Crédito: Ronaldo Rosa/Embrapa

Na Bahia, o que não faltam são relatos de pessoas que se orgulham de ter a mancha insubstituível do dendê cravada na alma. Isso porque, a célebre frase “Mancha de dendê não sai”, eternizada na música de mesmo nome do cantor Moraes Moreira, reflete a paixão dos baianos pelo óleo das divindades que é responsável por dar o gosto do acarajé, abará, moquecas de mariscos e vatapá. Contudo, ano após ano, a produção do fruto que dá origem ao azeite que ‘banha’ os quitutes não consegue suprir a demanda interna de consumo no estado e vem perdendo cada vez mais representação no cenário nacional. Nos últimos sete anos, houve um encolhimento de 0,8%, de modo que a produção da Bahia agora representa apenas 1,4% do total contabilizado no Brasil.

Em 2022, a Bahia produziu 40 mil toneladas de dendê, em um aumento de 1,9% frente a 2021, quando produziu 39 mil toneladas. A elevação é ainda maior comparado ao ano de 2020, quando 37 mil toneladas do fruto foram produzidas. Os dados são da Produção Agrícola Municipal (PAM) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atualizada no mês de setembro de cada ano.

Apesar do crescimento nos últimos anos, a participação da produção baiana de dendê no cenário nacional é cada vez menor e não supre sequer a demanda interna, visto que só produz 2% do ingrediente que atende toda a população baiana. Durante a série de reportagens sobre o dendê, veiculada em 2020, o CORREIO mostrou que, em 2017, a Bahia produziu apenas 36.915 toneladas de cachos de dendê –2,2% da oferta nacional. Em 2022, ano dos dados mais recentes do PAM, essa participação caiu para 1,4%.

Parte dessa conjuntura se deve ao fato de que a Bahia, mesmo ocupando o segundo lugar na produção de dendê no Brasil, é superada com larga vantagem pelo estado do Pará. Até em 2010, quando a produção atingiu o seu ápice no território baiano, a quantidade não passava das 230 mil toneladas – contra 1.058.381 de toneladas do Pará. Atualmente, enquanto o estado nordestino produziu 40 toneladas e teve participação de 1,4% na produção do Brasil, o estado do Norte produziu 2.901.177 toneladas e foi responsável por 98,3% do total produzido no país.

Mas por que a Bahia, mesmo com condições naturais, não consegue competir em pé de igualdade com o Pará? A resposta, de acordo com o técnico em agropecuária e um dos maiores conhecedores do cultivo do dendê Valdeni Pereira de Oliveira, não envolve apenas um fator, mas pode ser resumida pela falta de incentivo e políticas públicas do Estado.

“Não temos políticas públicas para o dendê na Bahia. O Poder Público, infelizmente, virou as costas para a cultura de dendê no estado. Na década de 80, o extinto Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF) implantou a maior plantação de dendê na Bahia, ou seja, 3,2 mil hectares de dendê em três municípios. De lá para cá, faltou incentivo. Essa plantação está velha, precisa ser substituída totalmente, porque o dendê é economicamente produtivo de 25 a 30 anos, e essas palmeiras já estão com mais disso”, aponta.

Segundo Valdeni, se houvesse investimento na produção de dendê, a Bahia deveria estar produzindo a média de 18 toneladas por hectares. Como a atual situação é longe da ideal, só tem sido possível produzir duas toneladas. “Isso é o retrato da falta de incentivo, falta de adubação e tratos culturais. As pessoas se endividaram, não tiveram como repor as manutenções. Os proprietários não têm o menor interesse em fazer a renovação das plantações, porque não têm recurso próprio”, acrescenta.

Todo esse cenário preocupa Rita Santos, presidente da Associação Nacional das Baianas de Acarajé. “Os dendezais continuam decadentes, precisando ser renovados e, se isso não ocorrer, há uma triste realidade [pela frente] de a Bahia perder a identidade, deixar a tradição e a produção de azeite de qualidade para o consumo humano e a nossa tradicional e exuberante gastronomia”, afirma.

Em 2020, após as primeiras reportagens do CORREIO sobre a crise do dendê, a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), empresa pública vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural (SDR), disse que iria destinar R$ 2,2 milhões para ações voltadas ao processamento e beneficiamento do dendê nos territórios do Baixo Sul e Recôncavo. O investimento iria beneficiar os agricultores familiares e suas organizações produtivas com infraestrutura e implantação de unidades modernizadas de beneficiamentos e processamento de dendê.

De acordo com produtores e especialistas ouvidos por esta reportagem, a aplicação desse investimento nunca foi vista. Rita Santos diz que, desde esse período, a única ação por parte do Governo do Estado em prol da cultura do dendê foi o beneficiamento de três comunidades com agroindústrias de beneficiamento e processamento do fruto, nos municípios de Taperoá e Valença. Ainda assim, tal implantação é analisada por ela como insuficiente. “Precisamos do apoio ao fomento, mudas e outros insumos, além de uma Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) específica e continuada para a dendeicultura”, reivindica.

Para André Souza, produtor de dendê em Camamu e professor titular da Universidade Estadual do Sudoeste Da Bahia (Uesb), a criação de fábricas agroindustriais não resolve o problema porque não propõe nada novo. “O Governo faz mais do mesmo, azeite de dendê já sabemos fazer há 300 anos. Trata-se de uma política cega. Eles deveriam investir em tecnologias para o beneficiamento e permitir que os pequenos produtores cheguem até a ponta do valor agregado, [para] assim, aumentar os rendimentos dessas comunidades”, defende.

Também em 2020, o CORREIO mostrou que a Universidade Federal da Bahia (Ufba), por meio do Instituto de Geociências (Igeo), estava trabalhando para transformar a região em uma área de Identificação Geográfica (IG), o que atrairia investimentos para a cultura do dendê. No entanto, o projeto ainda está na fase inicial após ser aprovado por um edital. De acordo com Alcides Caldas, professor do Igeo/Ufba e coordenador da iniciativa, somente em 2023 foi repassada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) a primeira parcela dos recursos aprovados do projeto

“Nesse momento estamos trabalhando nas ações de preparação de coleta de amostras de azeite de dendê que serão trazidas para a UFBA, onde serão realizadas as análises laboratoriais do azeite de dendê. [...] Já começaram os estudos de adaptação dos estatutos da entidade que solicitará o registro da Denominação de Origem Azeite da Costa do Dendê. Também, começamos a organização a base cartográfica para a delimitação da área de abrangência da denominação de origem Azeite da Costa do dendê”, relata Alcides Caldas.

Outra ação proposta à época das reportagens feitas em 2020 partiu de produtores locais e o Colegiado Territorial do Baixo Sul, que prometeram, em 2020, articular com o Ministério da Agricultura ações para apoiar a produção e cultura do dendê. Segundo Valdeni, várias reuniões ocorreram, sem nenhuma ação prática.

Em dezembro de 2022, uma reportagem publicada pelo CORREIO voltou a procurar a SDR para saber quais iniciativas estavam sendo feitas a respeito do cenário da dedeincultura. Na ocasião, a pasta disse que estava investindo $3,5 milhões em ações voltadas para o processamento e beneficiamento do dendê nos territórios Baixo Sul e Recôncavo por meio da CAR.

Nesta terça-feira (16), o CORREIO procurou a SDR para saber se o investimento prometido em 2020 foi cumprido e para saber quais ações foram feitas em prol do sistema produtivo do dendê na Bahia e quais ainda seriam feitas. Não houve retorno. O espaço segue aberto.

*Com orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo