Amor extremo: a bala de ouro que matou Julia Fetal virou tema de romance

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  • Nelson Cadena

Publicado em 27 de julho de 2018 às 05:00

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Num dia qualquer de 1847, o bacharel José Estanislau da Silva Lisboa, descontrolado e ensandecido com a rejeição de sua noiva Julia Fetal, invadiu a residência da jovem - um sobrado da futura Avenida Sete, no trecho da Praça da Piedade - e atirou bem no meio do peito, acertando o coração. A cidade mal assimilava o crime envolvendo duas famílias da alta sociedade quando correu o boato de que o legista, ao extrair a bala do cadáver de Júlia, constatara que não era de chumbo e sim de ouro, supostamente fabricada com o metal derretido da aliança do noivo.

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Julia Fetal mereceu honras póstumas sem precedentes na Bahia. Seus restos mortais estão depositados em uma urna, próxima do altar principal da Igreja da Graça, em frente da urna que contém os restos mortais de Catarina Paraguaçu. O crime ocorrido no ano referido ganhou maior notoriedade com a publicação do romance A Bala de Ouro, de Pedro Calmon, inspirado no episódio. E com a exibição do artefato durante algum tempo, no Museu Feminino da Bahia. Quem viu assegura que a bala não era de ouro coisa nenhuma, e sim de chumbo como qualquer outra.

O bacharel foi preso, julgado e condenado a 14 anos de prisão. Teve a chance de diminuir a sua pena ao receber indulto do Imperador Dom Pedro II, em 1859, por interferência da Santa Casa de Misericórdia da Bahia em função dos bons serviços prestados como voluntário durante a epidemia de 1855, assistindo os doentes no Hospital da Caridade, onde ele próprio estivera internado, também vítima da doença. Silva Lisboa não aceitou o indulto. Escreveu ao imperador que não se julgava merecedor desse perdão e cumpriu o resto da pena como determinado pela Justiça.

A família de Julia Fetal, de origem francesa, se desfez do sobrado quando o imóvel pegou fogo, no fim da década de 1840, quando foi reconstruído com algumas intervenções arquitetônicas, diferente do original e então adquirido pela família de Castro Alves em 1852; ali residiu o poeta, recém-chegado a Salvador procedente de Muritiba, então com 5  anos de idade. No século XX, o prédio foi derrubado (me parece que após um outro incêndio) e construído outro imóvel modernoso onde hoje funciona uma farmácia, bem em frente da Igreja de São Pedro.

Silva Lisboa, após cumprir pena, reintegrou-se à sociedade, lecionando geografia e inglês no Liceu, onde foi professor do célebre linguista e educador Ernesto Carneiro Ribeiro, e num colégio do Corredor da Vitória. Mais tarde assumiu cargos de direção em vários estabelecimentos: em 1863 no Colégio Primavera, que ficava atrás da Rua do Rosário, próximo do local onde ocorreu o crime, e mais tarde do Colégio São João, na rua das Laranjeiras. Em 1876 publicou o Atlas Elementar, livro de geografia adotado pelo governo para as escolas, contendo 18 mapas coloridos e 60 vistas de monumentos notáveis do mundo.

No ano seguinte foi escolhido para integrar a Comissão da Reforma da Instrução Pública. Logo mais adoeceu, viajou para a Europa para cuidar da saúde e veio a óbito, não sei se no velho continente ou em Salvador. Morreu 30 anos após o crime cometido, ainda jovem, imagino que tinha entre 52 e 55 anos de idade. Pelo seu bom comportamento na cadeia, o sincero arrependimento demonstrado ao recusar o indulto e a sua atuação no magistério, a sociedade baiana o perdoou. E o crime de Julia Fetal saiu do noticiário policial para se perpetuar na literatura.