Após segurança tentar impedir almoço de criança, OAB-BA vai oficiar shopping

Defensoria também acompanha o caso; manifestação está marcada para sábado

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  • Thais Borges

Publicado em 13 de junho de 2018 às 01:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA) vai oficiar o Shopping da Bahia, após o episódio envolvendo um segurança, um cliente e uma criança em situação de vulnerabilidade social.

Em um vídeo postado no Facebook nessa segunda-feira (12), é possível ver o segurança do estabelecimento tentando impedir que o jovem Kaique Sofredine compre o almoço de um menino negro.

Na tarde desta terça, o shopping divulgou um novo comunicado sobre o caso, confirmando o afastamento do segurança das atividades junto ao público. Ele passará por um curso de reciclagem. 

Repercussão Em menos de 24 horas, o vídeo que registrou a confusão teve mais de 10 milhões de visualizações e mais de 465 mil compartilhamentos. Em entrevista ao CORREIO, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Jerônimo Mesquita, explicou que a comissão vai divulgar, em conjunto com a Comissão da Igualdade Racial, uma nota pública sobre o caso. “A gente vai mandar um ofício para o shopping, para que eles esclareçam oficialmente o que aconteceu e o que vão fazer para reparar o ocorrido – se vão fazer medidas reparatórias garantindo o acesso de jovens negros da periferia, por exemplo, a atividades de lazer; se vai haver política de inclusão de funcionários”, diz, citando, ainda, um crescente embranquecimento no quadro de trabalhadores de centros comerciais.A informação foi divulgada antes do comunicado de afastamento do funcionário.

Outro tipo de medida reformatória poderia ser, inclusive, uma formação em Direitos Humanos para os profissionais que trabalham na segurança do shopping, o que foi prometido no comunicado mais recente do centro comercial. Segundo Mesquita, o caso é de racismo.

“O menino foi discriminado por ser pobre e negro. Quanto mais elitizado o shopping, como é o caso de outros como Salvador e o Barra, mais exclusão. Os shoppings querem fazer uma seleção de quem frequenta, por isso, começou a ter aqueles grupos de rolezinho”, opinou, referindo-se a um movimento que se popularizou em 2013 em todo o país.

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Ainda de acordo com ele, o shopping não pode escolher quem vai frequentar o ambiente – uma vez que é aberto ao público, qualquer pessoa pode ter acesso. E, além disso, mesmo que a criança estivesse, de fato, tentando vender doces aos frequentadores do shopping, a atitude não seria aceitável. “O segurança agrediu o menino. O vídeo mostra que havia uma pessoa disposta a comprar comida para ele, mas, ainda que não fosse, ainda que ele estivesse vendendo, não pode empurrar o menino. Isso é uma violação absurda dos direitos da criança”, denuncia. Perda de alvará O ofício deve ser encaminhado até sexta-feira (15), mas não há prazo para que o shopping responda. Se não houver nenhum tipo de diálogo, a OAB-BA vai avaliar internamente que medidas serão adotadas em seguida – inclusive, com a possibilidade de acionar o Ministério Público Estadual (MP-BA). 

“O shopping pode perder até o alvará de funcionamento, porque está praticando racismo, por estar discriminando um jovem negro por ser negro. O racismo praticado pelos seguranças nos shoppings de Salvador é gritante, mas o segurança está levando a culpa por uma política do shopping. Ele também é vítima”. 

No Whatsapp, um anúncio convoca para uma manifestação no shopping, no sábado (16), às 15h. O ato não é promovido pela OAB-BA, mas a entidade deve participar, através das Comissões de Direitos Humanos e de Igualdade Racial.  Card convoca para manifestação no sábado, no próprio shopping (Foto: Reprodução) Defensoria procura criança e família A ouvidora-geral da Defensoria Pública do Estado (DPE), Vilma Reis, contou ao CORREIO que recebeu, do Conselho de Comunicação de Políticas Públicas da Metrópole de Salvador (Compop), uma denúncia sobre o caso na manhã desta terça-feira. A manifestação foi encaminhada à Defensoria Especializada da Criança e do Adolescente. 

“Essas práticas são recorrentes. O país tem racismo estrutural, tem desprezo pelos pobres e esse discurso de defesa da criança e do adolescente cai por terra. No vídeo, a gente vê o sofrimento do rapaz, que foi ficando desesperado também”, comentou, por telefone. 

Segundo a defensora pública e curadora especial da criança e do adolescente da DPE, Ana Virgínia Rocha, o órgão está em busca de mais informações sobre o caso. “Nossa equipe de assistentes sociais e psicólogos está na rua tentando localizar essa criança, a família dessa criança e entender o que está acontecendo”, diz. 

A partir dessas informações, a DPE deve decidir quais serão os próximos passos – o shopping pode responder tanto na área cível quanto na criminal. Ela reforça que, mesmo que o estabelecimento tenha se posicionado pedindo desculpas, o fato aconteceu em suas instalações, a partir de um preposto do centro comercial. “Por enquanto, só temos mesmo a certeza de que, independentemente da situação em que a criança estivesse, a forma como ela foi abordada e exposta violou uma série de direitos. A gente sabe que isso acontece diuturnamente nos shoppings e não se consegue comprovar isso, mas, dessa vez, a gente tem um vídeo que está trazendo a público uma coisa que acontece nesses estabelecimentos”, pontuou. Em nota pública, a DPE manifestou repúdio à atuação do Shopping da Bahia, "o qual, através de seus prepostos, violou gravemente os mais básicos direitos de uma criança, supostamente em situação de rua, ao tentar impedi-la de permanecer na Praça de Alimentação do referido shopping, na tarde de ontem, 11, enquanto aguardava por uma refeição que lhe fora oferecida, conforme mostrado em vídeo viralizado nacionalmente", diz o órgão.  

Leia a nota na íntegra:

A Defensoria Pública do Estado da Bahia vem a público manifestar veemente repúdio à atuação do Shopping da Bahia, o qual, através de seus prepostos, violou gravemente os mais básicos direitos de uma criança, supostamente em situação de rua, ao tentar impedi-la de permanecer na Praça de Alimentação do referido shopping, na tarde de ontem, 11, enquanto aguardava por uma refeição que lhe fora oferecida, conforme mostrado em vídeo viralizado nacionalmente.  

O caso evidencia flagrante violação a diversos direitos do infante, uma vez que o expôs a situação vexatória e humilhante, diante de um público imenso, sem nenhuma justificativa plausível. Cumpre salientar que um estabelecimento aberto ao público não pode discriminar as pessoas que nele circulam, devendo tratar a todos com dignidade e respeito, especialmente sendo uma criança, a quem a Constituição Federal Brasileira ordenou prioridade absoluta na proteção e garantia dos seus direitos.

Sendo assim, condutas dessa espécie devem ser duramente rechaçadas para que outros estabelecimentos não venham a repetir o mesmo tratamento com outras crianças e adolescentes.

A Defensoria Pública reafirma o seu compromisso institucional de defesa da Criança e do Adolescente, utilizando-se de todas as suas prerrogativas legais para lhes garantir os direitos e acolher as demandas de suas famílias.

Por fim, prestamos solidariedade e oferecemos apoio jurídico, no que for de atribuição desta Instituição, a todos os clientes que se solidarizaram com a situação da criança, bem como nos colocamos à disposição para dialogar com o Shopping da Bahia, inclusive para realizar atividades de capacitação e educação em Direitos Humanos e Cidadania para os seus funcionários.

Inquérito instaurado  Mais cedo, o MP-BA informou que instaurou um inquérito civil para apurar a responsabilidade do Shopping da Bahia no caso. O órgão apura uma possível prática de racismo institucional e também investiga o caso na área de proteção da criança e do adolescente.

O Juizado de Menores e estudantes de Direito enviaram representações pedindo que o MP-BA abrisse uma investigação. O episódio na praça de alimentação foi filmado e causou muita repercussão (veja abaixo). Nas imagens, o segurança tenta impedir que um garoto se alimentasse - um rapaz se ofereceu para pagar um prato de comida para o garoto. O funcionário alega que o menino era um pedinte e quer retirá-lo do estabelecimento.

Posicionamento  Antes de divulgar a nota confirmando o afastamento do funcionário, o Shopping da Bahia havia divulgado um pedido de desculpas pela situação. Leia na íntegra:

"O Shopping da Bahia vem a público pedir desculpas pelo ocorrido. A postura adotada não condiz com o treinamento recebido pelos funcionários, tanto que a atitude tomada pelo supervisor de segurança reforça o direito do cliente e o acolhimento com a criança. Reforçamos que nossa operação atua em alinhamento com órgãos de defesa dos direitos humanos, como o Conselho Tutelar e o Juizado de Menores. O empreendimento reforça ainda que, em seus 42 anos de história, sempre teve orgulho de manter uma relação de proximidade e respeito com seus clientes, valorizando a cultura e o povo da Bahia".

A reportagem também procurou o coordenador regional da Associação Brasileira de Shopping Centers no estado, Edson Piaggio, mas ele não foi localizado para comentar o caso.