Aqui na Finlândia, até a direita extremista enfatiza a importância das políticas sociais

Senta que lá vem...

  • D
  • Da Redação

Publicado em 22 de abril de 2019 às 11:11

- Atualizado há um ano

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No último dia 14, tivemos eleições parlamentares na Finlândia e o resultado das urnas tem dado o que falar. É verdade que a esquerda teve uma grande vitória, mas também é verdade que a extrema-direita se consolidou no poder como o segundo partido mais votado, ocupando 39 das 200 vagas do Parlamento finlandês. A esquerda foi a grande vitoriosa pois, após 20 anos, o Partido Social Democrata (SDP), de centro esquerda, garantiu a maioria das vagas, com 40 deputados eleitos.

Estou escrevendo esse texto atendendo à demanda de amigos brasileiros curiosos a respeito da situação política na Europa, diante de um recente fortalecimento da extrema-direita pelo mundo. A vitória da esquerda na Finlândia trouxe uma ponta de esperança àqueles que identificam-se com pautas que visam diminuir desigualdades sociais e fortalecer direitos das minorias. Mas antes de analisar o quadro que se forma, precisamos entender o que tem acontecido nos últimos anos na sociedade finlandesa. Foto: Reprodução Austeridade Na última legislatura, eleita em 2015, foi iniciado um processo de corte nos recursos destinados à saúde e ao bem-estar social frente aos altos custos apresentados por uma sociedade em processo de envelhecimento. O primeiro-ministro, Juha Sipilä, do partido Keskusta (centro em português), e as legendas que formam a coalizão do governo, como o partido conservador Kokoomus, viram no corte com despesas sociais a saída para o equilíbrio das contas do país.

Os cortes tiveram resultado e, pela primeira vez em dez anos, a Finlândia reduziu sua dívida pública através das reformas, que visavam uma economia de 3 bilhões de euros. Apesar do resultado positivo em relação à economia, o governo de direita encontrou muita resistência no que tange às reformas que pretendia realizar para diminuir ainda mais os investimentos sociais, o que levou ao pedido de demissão realizado por Sipilä no último mês de março.

Os cortes e reformas propostos pela coalizão de direita deram força ao SDP, principalmente entre os eleitores idosos e mais pobres, que ficaram temerosos diante de cortes em seus benefícios. Para a esquerda, a saída para o equilíbrio econômico estaria no aumento de impostos e não no corte de benefícios dos que mais precisam. Além do SDP, outros dois partidos de esquerda (Vasemmisto e Vihreät) ganharam mais vagas no Parlamento diante da insatisfação popular com o governo de direita. Em contrapartida, o Keskusta de Sipilä, perdeu 13,8% dos votos em relação às últimas eleições. Eles agora possuem 31 vagas, uma redução em 18 deputados.

Agora vamos entender como o Perussuomalaiset, partido de extrema-direita, consolidou-se como o segundo em número de representantes eleitos. A história lembra bastante um processo já testemunhado recentemente no Brasil e em outras partes do mundo, e baseia-se no populismo aliado à indução ao medo e à propagação de fake news.

Imigração Na minha opinião, o crescimento da extrema-direita tem relação direta com o sentimento de xenofobia de parte da população finlandesa, que foi estrategicamente explorado pelo Perussuomalaiset nestas últimas eleições. O slogan da campanha era Jotain rajaa (algum limite, em traducão livre) numa clara alusão à questão imigratória.

Os deputados do partido tiveram destaque principalmente nas cidades mais afastadas do país, do centro para o norte, onde há pessoas que pouco conviveram com alguém de outra nacionalidade. Na região sul, onde fica localizada a capital Helsinki, a esquerda cresceu.

A campanha dos extremistas foi baseada em um alarde em relação ao perigo que homens estrangeiros, principalmente de países muçulmanos, representariam às mulheres finlandesas. O argumento se fortificou após um grande escândalo que se abateu sobre a cidade de Oulu, no noroeste, quando uma série de estrangeiros foi acusada de estupros contra finlandesas menores de idade.

Além disso, os integrantes do Pesussuomalaiset costumam criticar as políticas de imigração, como se elas causassem perdas econômicas ao país quando, na verdade, o que ocorre é o contrário. Pesquisas comprovam que a cada euro investido em estrangeiros, a Finlândia recolhe de volta 1,40 € em impostos.

Discursos de ódio afetam principalmente grupos de estrangeiros que já enfrentam uma situação de sofrimento desde que deixaram seus países. São os refugiados que migram em maior número da Somália, Iraque e Síria. Os membros do partido de extrema-direita fazem um desservico à populacão quando propagam a xenofobia pois, em um curto prazo, a sociedade da Finlândia verá seu país envelhecer e, sem a mão-de-obra estrangeira, a economia irá parar.

A questão ambiental, também muito discutida nestas eleições, ajudou a aumentar o número de votos para o Perussuomalaiset, que já se mostraram contra a criação de um imposto sobre o consumo de carnes, conquistando eleitores entre os produtores das zonas rurais.

Portanto, os eleitores do Perussuomalaiset não levam em consideração as questões econômicas e não estão preocupados com o desenvolvimento social do país, nem ambiental do planeta. Eles absorvem discursos baseados em opiniões e as reproduzem. Já a preservação ambiental é um problema se atingir diretamente seus bolsos.

O futuro Em cem anos, essa é a primeira vez em que nenhum dos partidos consegue mais de 20% dos votos nas eleições parlamentares. Isso representa uma difícil negociação para a formação do governo e, até o momento, não há como sequer prever quem será o próximo primeiro-ministro do país. Em eleições menos equilibradas, o primeiro-ministro provavelmente seria do SDP, mas se o partido não mostrar capacidade nas negociações, tudo pode mudar.

A presença do Perussuomalaiset no governo seria uma faca de dois gumes. Estando no poder, ele pode impedir avanços sociais, mas estando na oposição, pode fortalecer-se e retornar ainda mais popular nas próximas eleições.

Eu, enquanto estrangeira, admito não sentir medo. Nunca fui vítima de ações preconceituosas, pelo contrário, sou sempre bem tratada aonde quer que eu vá. A impressão que eu tenho é a de que os finlandeses contrários à imigração preferem resolver a questão pelos meios democráticos, são pessoas muito reservadas e dificilmente tomarão ações mais diretas contra qualquer cidadão. Claro, com suas exceções. Vale ressaltar que um imigrante muçulmano ou negro poderá ter uma experiência divergente da minha (recentemente a Finlândia foi considerada o aís mais racista da Europa).

Uma consideração que gostaria de fazer em relação à direita finlandesa está na sua postura social. Tive a oportunidade de participar de um debate entre candidatos de diversos partidos antes das eleições e, para mim, ficou claro que até os extremistas de direita utilizam em seus discursos a importância da existência das políticas sociais, por mais que discordem da esquerda no que diz respeito à abrangência destas políticas.

Texto originalmente publicado no Facebook e replicado com autorização da autora.